Prédica: Efésios 4.1-6
Autor: Nelson Kirst
Data Litúrgica: 17º. Domingo após Trindade
Data da Pregação: 28/09/1980
Proclamar Libertação – Volume: V
I — Exegese
A maioria dos exegetas concorda, atualmente, que a Carta aos Efésios (Ef) não é obra do próprio Paulo, mas de um discípulo seu, representante da segunda geração. Embora não haja, no conteúdo de Ef, qualquer pensamento que não pudesse ser considerado paulino, percebe-se nitidamente que os acentos são outros, que há um desenvolvimento que vai além de Paulo.
Ef não é, na verdade, uma epístola, mas antes um tratado teológico com intenção didática, ao qual se deu a forma de uma carta. De 4.14 se depreende que reina muita insegurança nas comunidades pós-paulinas. No tardio ambiente primitivo, certamente não era sempre fácil distinguir o que era cristão do que não o era e nem era viável fazê-lo simplesmente a priori. As comunidades novas deviam esclarecer, em constante debate, o que pertencia à tradição cristã e que, portanto, podia ou devia ser aceito e o que devia ser rejeitado como doutrina não cristã1'. (Schreiner/Dautzenberg, p. 176s) O autor de Ef quer, com seu tratado didático, trazer orientação para dentro dessa situação de insegurança e indefinição.
Para tanto, divide o tratado em duas grandes partes. Após a saudação (1.1-2), temos, de 1.3 a 3.21, a primeira parte, que é doutrinal. Fala ela da Igreja, que se baseia na morte e ressurreição de Jesus, que une gentios e judeus num só corpo, e que tem por fundamento a doutrina apostólica. Esta primeira parte desenvolve, pois. uma eclesiologia a partir da cristologia. A segunda parte, 4.1-6.20, é parenética. Da eclesiologia apresentada na primeira parte, são tiradas aqui consequências éticas.
Nosso trecho faz parte do bloco que introduz a segunda parte, parenética, de Ef: 4.1-16. Os vv. 1-6 tratam da unidade do corpo de Cristo; os vv. 7-16 falam da multiplicidade dos serviços que contribuem para a edificação desse corpo. Ambos os trechos estão intimamente ligados (cf. a referência à unidade no v. 13). A perícope 1-6 está estruturada em duas partes:
1-3 exorta a atitudes bem concretas para a preservação da unidade cristã,
4-6 fundamenta teologicamente tais exortações.
A tradução de Almeida pode ser considerada adequada, dispensando aqui uma versão própria. Já a de A Bíblia na Linguagem de Hoje deixa a desejar por não ser suficientemente precisa.
V.1: A expressão rogo-vos expressa um pedido insistente, uma reivindicação decorrente de algo anteriormente acontecido (como em Rm 12.1). Neste tocante, é importante a palavrinha pois. Ela faz referência a todo o bloco dos caps. 1-3. As exortações éticas dos caps. 4-6 se baseiam no evento salvífico desenvolvido nos caps 1-3. Só assim podem ser exortações cristãs. – O prisioneiro no Senhor: O autor de Ef recorre à autoridade de Paulo, acentuada aqui pela sua condição de prisioneiro. – Que andeis de modo digno da vocação a que fostes chamados. Estão resumidas neste apelo inicial todas as exortações que seguem. Andar designa a conduta, o comportamento das pessoas em todos os âmbitos da vida. A vocação a que fostes chamados é aquela que os alcançou, como gentios, através do evangelho (1.13s), que os libertou e lhes deu acesso à obra salvífica de Deus, a qual encontrou sua expressão na Igreja constituída de judeus e gentios. (Gnilka, p. 196) O comportamento dos cristãos deve ser consequência de e corres-ponder a essa vocação, a esse novo estado em, que se encontram, como gentios atingidos pelo evangelho. Como seria, concretamente esse andar? A resposta vem no v.2.
V.2: Aparecem aqui três conjuntos de exortações. Falam elas de virtudes imprescindíveis para uma vida em comum numa comunidade cristã. Com toda humildade e mansidão. Só a Bíblia vê a humildade como uma atitude positiva. A melhor explicação da compreensão cristã de humildade está em Fp 2.3. Nada façais por partidarismo, ou glória, mas por humildade, considerando cada um os outros superiores a si mesmo. Humildade não é, pois, uma atitude que se curva em servilismo e submissão, mas que vê no outro o objeto do amor de Deus. Rm 12.16 e Fp 2.5-11 podem ajudar a entender esta atitude. O que o texto exige não são rasgos isolados de humildade, mas uma atitude constante, permanente, com toda humildade. Mansidão, é uma atitude de amizade, gentileza, tranquilidade, brandura, afabilidade. É uma atitude atribuída ao próprio Jesus: 2Co 10.1 e Mt. 11.29. É adequada para se lidar com rebeldes (2 Tm 2.25) ou com os que andam em erro (1Pe 3.16; 1 Co 4.21). – Com longanimidade. O termo original grego abrange os seguintes significados: paciência, firmeza de ânimo, magnanimidade, perseverança. O oposto seria a atitude daquele que é irascível e explode em impulsividade. – Suportando-vos uns aos outros em amor. Também numa comunidade cristã as pessoas podem tornar-se insuportáveis. Em amor pode-se permitir que os outros sejam diferentes de nós ou de nossas concepções. Há tensões na comunidade, há diferenças pessoais. Para que seja mantida a harmonia, tornam-se imprescindíveis as virtudes mencionadas neste versículo.
V.3: Esforçando-vos diligentemente por preservar a unidade do Espírito. A linguagem original é bastante incisiva. Ë preciso empenhar-se ativamente, com zelo, apaixonadamente. E isso, não para criar uma unidade, que seria então uma obra e uma atitude de pessoas, mas para preservar (!) uma unidade que já fora dada, na própria origem da Igreja, através do Espírito. A finalidade das exortações do v.2 é a preservação dessa unidade! – No vínculo da paz é paralelo ao em amor, no v.2. Como lá o amor devia levá-los a suportarem-se mutuamente, assim aqui a paz deve mante-los na unidade.
Vv.4-6: Esta segunda parte da nossa perícope desenvolve aquela unidade que é dada anteriormente e que está na origem da comunidade cristã, a unidade que é a razão de ser da exortação dos vv. 1-3. Essa unidade é expressa em sete fórmulas muito enfáticas. O trecho está montado sobre três elementos estruturais: v.4, corpo-espírito-esperança, como fatores constitutivos da Igreja; v.5, Senhor-fé-batismo, como fatores que originaram e mantêm a unida¬de; v.6, o Deus uno, explicado numa fórmula tríplice. (Gnilka, p.200s) Há, pois, um desenvolvimento ascendente, em direção a um ponto culminante. – Um só corpo: A unidade da Igreja não é qualidade sua, mas lhe vem de Cristo. É o corpo, do qual Cristo é o cabeça (1.23) e no qual estão unidos, por obra de Cristo, judeus e gentios (2.l4ss). O espírito de Deus, que atua na Igreja, e a esperança dos cristãos também são elementos constitutivos da comunidade. – No v.5 o autor está mais preocupado com o caráter tripartido da fórmula do que com abrangência teológica; faltam um pão e um cálice. (Zweynert, p.49) No mais, o versículo não carece de explicação: A Igreja é una sob o seu uno Senhor, na una fé que a liga a ele e no uno batismo que dá acesso ao seu corpo. – V.6: A unidade da Igreja também se baseia no uno Deus, pai e criador de todos e de tudo. A fórmula final, o qual é sobre todos, age por meio de todos e está em todos é um tanto problemática. Na origem, trata-se de uma fórmula panteísta do estoicismo. Os cristãos a utilizaram para expressar sua fé no Deus criador (cf. também Rm 11.36), e articular a onipresença do seu domínio. Deus, como o criador onipresente, é a fundamentação última da unidade da Igreja (Gnilka, p.204), e este aspecto é especialmente importante para uma Igreja que une judeus e gentios.
Escopo: .Os cristãos gentios de segunda geração, que vivem num clima de insegurança teológica e comunitária, são exortados a uma vida em autêntica comunidade, assim preservando e nutrindo-se da unidade teológica que está na própria origem da Igreja.
II – A caminho da prédica
O texto abre nossos olhos para a situação de insegurança e indefinição que reina em nossas comunidades. Ela deve assemelhar-se em muito à situação com que se deparou o autor de Ef. Se aprendemos dele a ver essa situação, também podemos deixar-nos conduzir por ele quanto ao que e como pregar para dentro de uma tal situação.
A prédica deverá aprender do texto que a fé (caps. 1-3 e 4.4-6) precisa forçosamente desaguar num determinado comportamento ético, e que um comportamento ético legítimo (caps. 4-6 e 4.1-3) só pode ser produto daquela fé. O texto ensina também que a unidade – seja ela de uma comunidade local, de uma determinada igreja ou da Igreja cristã como tal – não é um elemento sociológico ou filosófico, não é algo que nós, cristãos, podemos chegar a criar, mas é algo que está na própria origem da Igreja. A unidade é a do Deus criador, de Cristo, o Senhor, do Espírito que guia a Igreja, e do batismo, da fé, da esperança. Esta é a unidade e ela é dada, está aí na origem de qualquer manifestação de Igreja; é a partir dela que nasce Igreja. Os cristãos podem pôr a perder tal unidade – como, aliás, têm feito, através da desunião em seu meio. Cabe, pois, exortá-los para que preservem a unidade dada, mantendo a união em seu meio.
A união e harmonia no seio da comunidade são preservadas através de atitudes bem específicas de cada um. Os vv. 1-3 falam muito claramente de tais atitudes. Ao ouvinte médio da prédica, que realmente a estiver ouvindo, essas atitudes forçosamente parecerão passivas, melosas, fracas, típicas do piedoso carola. Caberá á prédica demonstrar três coisas: a) que elas são a condição para uma convivência harmoniosa, que só esse tipo de atitude é capaz de construir comunhão, que outras atitudes destroem comunhão; b) que essas atitudes também encerram e pressupõem uma boa dose de energia, atividade e iniciativa; c) que são atitudes dificílimas, porque contrárias ao procedimento normal das pessoas, e que só podem ser sustentadas com constância, quando alimentadas pelos indicativos dos vv. 4-6.
O pregador também poderá aprender do autor de Ef qual o melhor tom a ser empregado em sua pfédica. O autor de Ef não vem aos pontapés e empurrões, não é legalista (!). mas também não usa luvas de pelica. Ele é claro, concreto, incisivo, chama as coisas pelo nome, lança um apelo forte. Esta seria uma atitude adequada também para quem pregar hoje sobre este texto.
Caso julgar oportuno, o pregador poderá desviar-se do esquema proposto abaixo na parte III, acentuando os seguintes dois pontos:
a) O texto se volta exclusivamente para dentro da comunidade. Não fala da relação desta para fora. Isso pode parecer egoísmo exclusivista cristão, mas na verdade não o ë. Acontece que é só assim, vivendo em unidade a partir de sua origem una, que a comunidade cristã poderá irradiar para fora. Aqui, valeria lembrar que a comunidade é chamada a viver de modo digno da vocação a que foi chamada. Sua vocação é a de ser comunidade de Jesus Cristo no mundo; no mundo daquele Deus que é sobre todos, age por meio de todos e está em todos (v. 6). Embora o texto não o diga, seria válido depreender do v. 2 que para o relacionamento da comunidade com o mundo valem exortações semelhantes. A certeza da aceitação recebida de Deus, do amor recebido dele, pode dar à comunidade segurança e grandeza suficientes para, em relação ao mundo, ser humilde, mansa, longânima e procurar a paz. Isso forçosamente coloca a comunidade, no mundo, ao lado dos oprimidos. Não é este o acento do nosso texto Mas se quisermos tirar dele uma mensagem para proclamar libertação, seria válido conduzir a prédica por este caminho.
b) Nosso texto se presta muito para entrar na questão do ecumenismo. Neste caso, as mesmas considerações desenvolvidas aqui em relação a uma comunidade denominacional poderiam, em todos os seus aspectos e sem qualquer dificuldade, ser aplicadas à comunidade de todos os cristãos de uma certa cidade, de um país ou do mundo.
Na aplicação que segue, concentrara; a atenção na comunhão dentro da comunidade específica local, pois é aí que me parece residir o enfoque primordial do texto.
III – Sugestão para a prédica
I. Insegurança e indefinição da comunidade
Não começo com a leitura do texto. Como típico texto epistolar,, a comunidade não conseguirá acompanhá-lo, de modo que uma leitura inicial em nada contribuirá para a pregação. A prédica deve nortear-se rigorosamente pelo texto. Mas para a comunidade, ele só será recitado em partes, à medida que o assunto for avançando. Só no fim, como ponto final, será lido o texto todo. Aí a comunidade terá condições de entendê-lo.
Começo com uma descrição da comunidade, sob enfoque especial de sua insegurança e indefinição. Estas se revelam em sinais como: a pouca noção das bases teológicas confessionais, a pouca noção da Bíblia, a facilidade com que nossos membros são levados por seitas, espiritismo, religiões orientais e outros ventos; a utilização da comunidade como órgão de prestação de serviços religiosos (batizados, confirmações, casamentos e enterros) ou como instituição de satisfação das necessidade religiosas individuais. Esta parte não deve ser muito longa, para não roubar espaço do conteúdo essencial da prédica.
2. A situação na igreja primitiva tardia e a intenção do autor de Efésios
Lembro, agora, que já nos inícios da Igreja cristã as comunidades se defrontavam com o mesmo problema. Naquela ocasião, uma pessoa sentiu a insegurança e indefinição das comunidades, e escreveu para sua orientação aquilo que hoje chamamos de Carta aos Efésios, procurando assim prestar auxílio. (A comunidade deve sentir logo que seu pregador também está procurando prestar auxílio, orientar, e não pretende aproveitar a oportunidade para lançar uma catilinária.)
3. A comunidade deve viver em unidade — como fazê-lo
Aquele pregador antigo disse – e eu, pregador de hoje, faço minhas as suas palavras – o seguinte:
Vocês foram chamados por Deus para uma determinada vocação (v.1). Deus chamou vocês para serem sua comunidade, para serem o lugar onde se ouve a vontade de Deus, onde se louva, se suplica, se presta culto a Deus, sim, acrescentaria eu, onde o mundo pode ver quem é Deus e o que Deus quer das pessoas.
Agora, é preciso que vocês, como comunidade, andem, vivam, se conduza m de modo digno dessa vocação. Esse viver de modo digno da vocação deve expressar-se na vida em comunhão dentro da comunidade. É sabido que a comunidade não se constitui de santinhos. Ela se constitui de pessoas que têm os mesmos defeitos, as mesmas fraquezas, as mesmas ambições, as mesmas manias que outras pessoas. Isso pode ser ilustrado bem concretamente a partir de ocorrências na comunidade, especialmente de desavenças e conflitos em áreas como: a compreensão do evangelho, a espiritualidade, a condução da comunidade, a execução de serviços diversos da comunidade. Para a comunidade será bom sentir que com tais desavenças e conflitos ela não se torna logo um produto do diabo. O que a diferencia de outros grupos não é a ausência de conflitos. O que deve diferenciá-la é que ela, a partir de sua vocação, procure vencer essas barreiras e, apesar de tudo, criar comunhão. Como pode ela criar comunhão? Através de atitudes bem concretas.
Com toda humildade e mansidão. Na explicação dessas e das outras atitudes, o pregador pode recorrer às explanações na exegese do v.2. A comunidade terá mais facilidade em entender o alcance desses conceitos, se os confrontarmos com atitudes opostas. Por exemplo, a atitude oposta à humildade é a do mandão,, que se considera o bom, o melhor, o mais importante, ao qual os demais devem obedecer e seguir. O humilde, a partir de sua fé, vê o outro como superior a si próprio. Os ouvintes devem sentir que o pregador não está apregoando servilismo. Humildade é antes uma atitude de grandeza, que só é possível a partir de uma fé muito forte, a partir da certeza de que Deus ama e aceita a mim e ao outro. Só com essa certeza sou capaz de me desprender tanto de mim, a ponto de considerar o outro mais importante, a ponto de assumir uma verdadeira atitude de humildade. E isto, não só aqui e ali, mas em constância, com toda humildade. Também a atitude de mansidão (desenvolvê-la a partir do que foi exposto na exegese) só é possível a partir da certeza do amor que Deus nos dá. O mesmo vale também para as atitudes que seguem,
O autor de Ef continua – e nós com ele: Com longanimidade. Destacar aqui os traços positivos dessa atitude (cf. a exegese). Mostrar que a impulsividade, as atitudes intempestivas, quebram a comunhão, e quebrando a comunhão, são contrárias à nossa vocação de comunidade cristã. Uns são mais, outros são menos irascíveis, por natureza. No entanto, a irascibilidade não é uma catástrofe inevitável, contra a qual nada se pode fazer. Podemos dominá-la, podemos agir com longanimidade, a partir da vocação recebida, a partir da acolhida que recebemos de Deus.
Suportando-vos uns aos outros em amor. Realmente, também entre os cristãos há pessoas insuportáveis; ou melhor, praticamente todos os cristãos podem ser, quase sempre aqui e ali, insuportáveis. Também aqui, para ser concreto, o pregador deve ' referir-se a desavenças e conflitos bem específicos de sua comunidade. Evidentemente, procurará fazê-lo sem melindrar as partes envolvidas. Mais uma vez, a força para suportar-se uns aos outros vem, não de uma boa intenção ou do apelo do pastor, mas do amor e da vocação recebidos em conjunto de Deus. Estes dão força para se suportar o irmão insuportável. É só no cultivo, muitas vezes doloroso, dessa comunhão interna que a comunidade poderá viver sua vocação de ser comunidade.
Estas são as atitudes recomendadas, para que haja comunhão na comunidade. O pregador não deveria deixar de lembrar, aqui ou em outra parte, o que foi dito acima na parte II: essas atitudes, longe de serem passivas e subservientes, são as que mais exigem energia, iniciativa, segurança e grandeza, numa medida que só a fé, a certeza do amor recebido, pode dar.
Nosso pregador da Igreja primitiva continua – e nós com ele – culminando suas exortações num apanhado veemente: Esforçai-vos apaixonadamente por preservar a unidade do Espírito no vínculo da paz. Sim, as atitudes recomendadas não são de fácil execução. É preciso esforço, zelo, paixão, empenho premeditado, calculado, consciente. É preciso realmente lutar pela preservação da unidade dentro da comunidade. E esta unidade só pode ser mantida se conseguirmos cultivar comunhão, se conseguirmos suportar uns aos outros, ser humildes, mansos, longânimos, se conseguirmos assim manter a paz. A melhor maneira de a prédica fazer jus a este versículo é acentuando com veemência a necessidade de se empenhar com zelo, de se lutar apaixonadamente pela preservação da unidade. Não se pode deixar que as tensões simplesmente aconteçam ou fiquem como estão. Se o pregador conseguir ser concreto acima, ao falar dos conflitos, poderá agora mostrar também concretamente como pode desenvolver-se a luta pela preservação da unidade, dentro daquelas situações.
4. Por que deve a comunidade viver em unidade?
A presente sugestão de prédica concentra a atenção do pregador e do ouvinte claramente sobre o conteúdo dos vv. 1-3. Com isso, os vv. 4-6 forçosamente receberão espaço mais limitado dentro da prédica. Outro pregador poderá fazer uma opção inversa. Quanto a mim, pareceu-me que o texto, no lugar em que se encontra, exige um acento mais determinado nas exortações éticas à comunidade. O que não pode ser omitido é o estabelecimento de uma relação correta entre as duas partes.
Por que é que nós, na comunidade, devemos empenhar-nos tanto pela comunhão em nosso meio? Não porque isso possa trazer-nos benefícios, não porque outros poderiam admirar-nos pela nossa união, não porque é preciso sustentar uma sociedade onde se possa realizar batizados, casamentos e enterros, não porque é preciso ter um lugar onde se possa satisfazer as necessidades religiosas pessoais. A comunidade deve lutar por comunhão, por preservar a unidade, porque esta unidade lhe foi dada na sua própria origem. O Deus desta comunidade, o criador de tudo o que existe, é um só, não há outros. Cristo, o Senhor da Igreja é um só. A fé, pela qual os crentes estão presos a Cristo, é uma só. A esperança que temos e que depositamos no Deus de Jesus Cristo é uma só. O batismo pelo qual Deus nos aceita como seus filhos é um só. Um só é o corpo de Cristo, a Igreja, e um só é o Espírito que orienta e dirige a Igreja.
Por isso deve haver comunhão, harmonia, paz, dentro da comunidade cristã. Porque só assim ela pode preservar a unidade da qual ela vem. Só assim ela pode corresponder ao Deus de Jesus Cristo que lhe deu existência.
Se na nossa comunidade não há essa comunhão, parece que a partir do texto há duas coisas que podemos fazer: a) adestrar-nos naquelas atitudes recomendadas pelo autor de Ef, e b) procurar saber mais e viver daquela unidade que nos foi dada e que está na origem da comunidade cristã.
Finalizando cabe agora, como um ponto de exclamação, a leitura do texto. Os trechos lidos no decorrer da prédica apresentaram uma tradução mais livre. A leitura final pode ser feita na tradução de Almeida. Deve ser pausada e com os acentos bem colocados, para que os ouvintes possam relacioná-la com as explanações da prédica.
A presente sugestão para a prédica acabou atingindo as dimensões de um sermão. Tenho motivos para recomendar que nenhum pregador caia na tentação de fazer do que está aqui a sua prédica. Cada qual terá que colocar os seus acentos, terá que concretizar muito mais do que foi feito aqui, visando a situação específica da sua comunidade, e sobretudo terá que adequar a linguagem aos seus ouvintes (aqui não foi feito qualquer esforço neste sentido).
IV – Bibliografia
– BEARE, F. W./WEDEL. T. O. The Epistle to the Ephesians. In: The Interpreters Bible. Vol. X. New York e Nashville, 1953.
– CONZELMANN, H. Epístola a los Efesios. In: Actualidad Bíblica. Vol.29. Madrid, 1972.
– GNILKA, J. Der Epheserbrief. In: Herders Theologischer Kommentar zum NT. Vol.X/2. Freiburg, Basel e Wien, 1971.
– SCHREINER, J. e DAUTZENBERG. G. Forma e exigências do Novo Testamento. São Paulo, 1977.
– MARXSEN, W. Einleitung in das Neue Testament. 2a ed., Guetersloh, 1964.
– ZWEYNERT, G. Wie Gott Frieden schafft. Berlin, 1970.