Prédica: Isaías 9.2-7
Autor: Milton Schwantes
Data Litúrgica: Natal
Data da Pregação: 25/12/1980
Proclamar Libertação – Volume: V
I
Is 9,2-7 é indicado para texto de Natal. Tanto a pregação no Natal quanto a pregação a partir de Is 9.2-7 no Natal representam um desafio. No Natal sempre tenho diante de mim urna comunidade especial. A comunidade que se reúne, em número maior que em outras oportunidades, está bastante motivada pelo ambiente de festa: ao menos no Natal se vai ao culto! Com isso, muitos dos ouvintes não estão acostumados à ouvir prédicas. Nessa oportuni-dade, de maneira especial, cabe-nos a tarefa de procurar falar a todos do todo do evangelho. Is 9.2-7 nos ajuda nessa situação? -Nesse ambiente festivo do Natal comemora-se a Santa Ceia. Este, ao menos, é o costume nas comunidades que freqüento: ao menos no Natal (e na Páscoa) se vai à Ceia! Sem dúvida, é hora de redescobrirmos, com mais vigor, a dimensão eucarística do culto dominical. Afinal, esse é o ambiente, em que o apóstolo Paulo nos fala da Ceia em 1Co 11.17ss. Contudo, a ligação entre eucaristia e festa também é muito antiga, já que os próprios evangelhos relatam a instituição da Ceia em conexão com a festa da páscoa judaica (Mc 14.lss; cf. ÊX 12.1ss e 1Co 10.3-4). Não é, pois, sem motivo que na festa do Natal a comunidade se reúna na expectativa da Ceia. Na prédica devo considerar este fato. Is 9.2-7 nos ajuda nessa situação?
Em nosso texto a gente facilmente reconhece o Natal; reencontra-se nele os símbolos desta festa. Is 9.2 usa a figura da luz e das trevas, tão frequentemente aplicada ao Natal (Jo 1.1ss; hino 19 do hinário da IECLB). Is 9.6 anuncia o nascimento de um menino. Is 9.7 prevê um reino de paz. No Novo Testamento Is 9.2,7 são relacionados a Jesus (Mt 4.l5s; Lc 1.32s). Pelo Manual do Culto da IECLB Is 9.2 faz parte da liturgia do 3° Domingo de Advento e Is 9.2,6 é leitura na véspera de Natal e elemento litúrgico do culto de Natal. Em resumo: Is 9.2-7 soa como um texto de Natal! Isso, pela minha experiência, só aparentemente é uma ajuda para a prédica. Na verdade, é antes um perigo. Pois, diante de uma passagem bíblica tão conhecida e batida a gente, como pregador, facilmente pressu¬põe já haver descoberto tudo. E o ouvinte, ao sintonizar um texto tão litúrgico, passa a se preparar para ouvir o que já lhe fora dito outras tantas vezes. Dessa situação deduzo que torna-se especialmente necessário auscultar palavra e intenção de nosso texto. Qual é a palavra de Is 9.2-7?
Encontramo-nos, pois, diante de três tarefas. Devemos locali¬zar nosso texto particular no todo do evangelho. Devemos procurar pela relação dessa nossa passagem com a Santa Ceia. Devemos auscultar a novidade característica dessa unidade. Nessa meditação penso poder oferecer subsídios para a última tarefa. Nas duas primeiras, forçosamente, não poderei ir além de algumas pistas. Vejamos a palavra específica de Is 9.2-7:
II
Is 9.2-7 tem um lugar bem determinado! Quando recorremos a este texto na época de Natal, raras vezes nos damos conta de que inicialmente devemos respeitar este seu lugar. Para dizê-lo de maneira bem clara: não nos deparamos com um texto que esteve pairando no ar à espera de que a cristandade o aplicasse a Jesus. Is 9.2-7 não está no ar, tem um lugar.
O lugar dessa nossa unidade é o final do 'livro' (mais correto seria falar em 'rolo'), composto pelos caps. 6-9 de Isaías. Isto se pode afirmar com certeza. Pois é bem fácil perceber que Is 6-9 são como que um quadro com dupla moldura. A moldura externa é representada pela coleção de 'ais' em 5.8-24 e 10.1-4, e a moldura interna consiste de um longo discurso do profeta, cujo início está em 5.25-30 e cujo fim se encontra em 9.8-21. Dentro dessa dupla moldura está nosso 'livro', caps. 6-9. Em 8.16 o próprio Isaías chama este livro de 'testemunho'. Já com essa descoberta torna-se eviden¬te que nosso texto tem um lugar bem especial: é a conclusão de um livro-testemunho!
Este livro (Is 6-9) surgiu numa situação específica da atuação de Isaías. Trata-se da chamada Guerra Sírio-Efraimita de 734/3 a.C. (cf. 2 Rs 16.5ss). Ara (= Síria) e Israel (= Efraim, Estado do Norte) haviam se aliado para enfrentar o império assírio da época. Judá ( = Estado do Sul) não quis participar dessa aliança contra os assírios. Por isso Ara e Israel invadiram Judá e sitiaram Jerusalém, com o intuito de forçar a participação de Judá na aliança anti-assíria. Nesse ambiente se desenrolam os caps. 7-9. Isaías se apresenta ao rei de Judá, Acaz, conclamando-o a não temer Ara e Israel, pois ambos estariam por ser destruídos (7.4,16; 8.4), e a não pedir socorro aos assírios, pois estes acabariam 'inundando' Judá (8.5ss). Acaz não atentou para a palavra profética: fortificou Jerusalém e pediu ajuda dos assírios, (saías foi rejeitado pelo rei. Foi acusado de traidor (8.12). Nesse isolamento, acompanhado só por alguns amigos e na expectativa de que o Senhor cumprisse seus anúncios, o profeta escreveu um livro-testemunho (8.16,18). Também nossa unidade (9.2-7) faz parte desse livro. Mas sua situação já difere da dos caps. 7-8. Pois 9.2-7 pressupõe que o anúncio do profeta já estava em realização: o império assírio se alastrava sobre os povos da região (9.3s!); os assírios já haviam destruído Ara (2 Rs 16.9). Na unidade imediatamente anterior à nossa, em 9.1, ficamos sabendo que as regiões setentrionais de Israel (Naftali e Zebulom) também já estavam sob domínio assírio. Este v.1 de nosso capítulo, com frequência, até é incluído em nossa unidade. Os argumentos são os seguintes: A citação de Mt 4.15-16 entende nossos vv.1 a 2 como unidade; a Vulgata (tradução latina), Almeida e muitos outros iniciam a unidade no v.1; A. Alt reforçou essa decisão com alguns argumen¬tos requintados. Contudo, sugiro não incluir o v.1 no texto da prédica, pois (1o) ele forma uma unidade própria, (2o) o caráter poético do v.1 é bem diferente que o dos vv.2-7, e (3o) a interpreta¬ção do v.1 é bem mais complexa do que a tradução de Almeida, por exemplo, o deixa transparecer.
Nosso texto de prédica tem, pois, seu lugar por volta do ano 732 a.C. Os assírios 'inundavam' (8.5ss!) e subjugavam os povos da Palestina. Isaías o anunciara. Mas não fora ouvido. Fora rejeitado. Agora que seu anúncio se vai realizando, o profeta se apresenta, junto com seus amigos (9.6 fala em nós!), com uma nova palavra.
III
Is 9.2-7 são uma palavra realmente nova e viva. A gente já o percebe ao olhar para a apresentação formal desses versículos Pois, o que o profeta agora – após caps. 6-8 – tinha a transmitir, lhe foi tão novo e significativo que o apresentou em uma forma esmerada. Trata-se de uma poesia requintada. Realmente, Is 9.2-7 é das poesias hebraicas mais belas e mais bem trabalhadas. A novidade profética tem estilo! Não é possível detalhar aqui os diversos momentos poéticos desse texto. Seria imprescindível recorrer ao hebraico e a inúmeros pormenores. Mas, apesar disso, permito-me constatar que em nossa poesia nada é dito assim de qualquer jeito. Com isso o profeta Isaías desafia o pregador de hoje de maneira especial. A poesia, a linguagem clara e cuidada não têm que estar necessariamente a serviço da alienação. Podem servir à libertação do povo que anda nas trevas.
Não só a poesia desse texto é monumental. Também a estruturação de nossa unidade é cristalina. Seu versículo inicial (v.2) praticamente abrange o todo do texto. O começo já diz tudo! Mas o diz em figura (trevas – luz). A luz tem efeito. Disso fala o v.3: Imensa alegria é o que a luz provoca. Todo restante do texto indica as causas dessa alegria. O v.1 falara da causa em figura (luz), os vv.4,5,6s mencionam as causas concretas. São três as causas (observe os três pois nos vv.4,5,6). Elas estão interligadas, e na terceira, que abrange dois versículos (vv.6 e 7), está o auge: o jugo tirano foi quebrado (v.4), o opressor está aniquilado (v.5) e – como auge – uma criança nasce como governante radicalmente novo (vv.6-7). Um tipo de 'assinatura', o zelo do Senhor Zebaote fará isso, conclui a unidade (v.7). Ao agora apresentar a tradução procurarei assinalar essa estrutura tão clara de Is 9.2-7:
V.2 O povo que vive na escuridão
verá grande luz; habitantes em região deserta… Luz resplandecerá sobre eles!
V.3 Multiplicarás o júbilo.
Aumentarás a alegria. Se alegrarão diante de ti
como em alegria de colheita, como a gente se alegra ao repartir um saque.
V.4 Pois o jugo que pesava sobre eles, a vara sobre seu ombro o porrete de quem o oprime tu os quebrarás como no dia dos midianitas.
V.5 Pois toda bota que marcha com estrondo e toda capa revolvida em sangue será queimada, alimento de fogo.
V.6 Pois um menino nos nascerá,
um filho nos será dado.
E o governo estará sobre seus ombros, e seu nome será:
Conselheiro de maravilhas,
Deus heróico, pai de eternidade,
funcionário de paz,
V.7 para aumentar o governo
e para uma paz sem fim
sobre o trono de Davi e sobre seu reino,
para firmá-lo e garanti-lo em direito e justiça
desde agora e para sempre.
O zelo do Senhor Zebaote fará isso!
A forma sob a qual se apresenta este texto, não é usual entre profetas. Não temos aqui nenhum de seus gêneros típicos. Nosso texto não é palavra de mensageiro (como, p.ex,, Is 8.11 s), não é parábola (como, p.ex., Is 5.1ss), não é um 'ai' (como, p.ex., Is 10.1ss), não é discurso histórico (como, p.ex., Is 5.25-30 + 9.8-21) etc. Isaías rompeu todos estes géneros tão usuais entre os profetas e arriscou algo novo, mas não sem tradição. Pois chama a atenção o fato üe que nós vv.3-5 o profeta se dirige a Deus. Com isso nosso texto se encontra na tradição da oração. Orações e hinos são dirigidos a Deus. Parece que nosso profeta teve que recorrer a formas não típicas da profecia para expressar sua nova palavra naqueles dias, em que os sírios estavam aniquilados, a parte norte de Israel ocupada, Judá ameaçada pelas 'águas' (8.5-8) e as botas dos soldados (9.4-5) do Império Assírio. E qual é essa palavra?
IV
Não me posso ater aos detalhes, apesar de que uma unidade formulada tão cuidadosamente como Is 9.2-7 a cada palavra é surpreendente. Por isso, olho para o todo do texto, inquirindo-o sobre seus acentos e sobre suas possibilidades para uma prédica de Natal.
Essa nossa perícope basicamente não é um texto para o público, a ser anunciado a pessoas. Só em seu final nossa unidade apresenta claramente a dimensão do anúncio: o zelo do Senhor Zebaote fará isso. Em sua parte central trata-se de um texto para Deus, de uma oração, de um hino. Além disso, o todo do povo de Deus na época, não sustenta e apoia, de maneira alguma, esse nosso hino profético. A corte davídica e a população de Jerusalém haviam repudiado o profeta (Is 7-8). Quem carrega este texto é Isaías e um pequeno grupo de amigos. São aqueles nós que aparecem no v.6 (e em 7.14!) e que em 8.16 são chamados de discípulos do Senhor. Na verdade, nosso texto é a oração a Deus de um pequeno grupo de opositores, de sorte que a gente se vê lembrado muito mais da cruz de Jesus do que do seu nascimento. Em outras palavras, este nosso texto nos encoraja a falar do nascimento de Jesus na dimensão de sua cruz. Aliás, também seu nascimento foi, ao contrário da pomposidade natalina de hoje, um acontecimento mui humilde, de estrebaria.
Essa nossa perícope tem seu foco na criança a nascer (v.6-7). No início (v.2) esse acontecimento fundamental é expresso en figura; o profeta fala em luz. Pois a criança é essa luz. Se o acento está nessa criança, então importa saber quem era esse menino para o profeta. Ora, com frequência se tem dito que se trata do filho de um rei. Quer-se ver na criança, e no que dela se diz nos vv.6-7, um ato de entronização de um rei. Nesse caso a afirmação um filho nos será dado… seria um ato de adoção; o rei que estava sendo entronizado naquele instante (como pessoa já adulta!) era adotado como filho de Deus (assim SI 2.7!). Contudo, o profeta não deixa entrever que a criança seja da casa real. Conforme o texto, trata-se da criança de um joão qualquer! E, além disso, o profeta se refere realmente a uma criança e não a um adulto adotado como criança. Aliás, Is 7-8 fala repetidamente de crianças: 7.3,14; 8.3,18. Crianças são parte importante da mensagem de Isaías! Ele personifica sua mensagem em crianças! Sua mensagem são pessoas e não conceitos! É o que também ocorre em nossa perícope. A criança a nascer é a luz que irrompe, é a própria novidade! Penso que, no geral, não ouvimos essa novidade em sua profunda radicalidade. Tudo isso se torna só bonitinho. Mas, na verdade, o Deus que tudo quer transformar, tencionando trazer paz sem fim, que porém concretiza e corporifica essa sua vontade numa criança, está assumindo um grande risco. Pois, nosso mundo nos ensina que crianças nada mudam. Mudar é coisa de fortes e valentes. Por isso, falando de maneira humana, é necessário dizer: o Deus que se arrisca realizar sua obra através de uma criança, a si mesmo se está tornando ridículo ao mundo do poder. Contudo, nosso Deus, de fato, iniciou pela criança, pela radical fragilidade. Desse modo, nosso texto é um verdadeiro auxílio para a prédica de Natal. Ele nos força a sair da pomposidade natalina. Ele nos força a não ver no Jesus nascido só glória, majestade e vitória. Ele nos força a redescobrir que Deus entra em nosso mundo pela porta da fraqueza, da fragilidade, da criança. Com esse Deus fraco os poderosos nunca se deram bem. Nesse sentido, nosso texto realmente fala do todo do evangelho. Com ele estamos no centro, na vida e morte de Jesus.
Essa nossa perícope tem um horizonte amplo. Ela é oração a Deus. Mas não á oração introvertida, esquecida em si. Nela palpita o todo da vida. Verifica-se passo a passo que o mundo desse texto não é o pequeno ambiente pessoal, mas o palco dos grandes acontecimentos: são mencionados o povo e habitantes em região deserta ou – como diz Almeida – habitantes da região da sombra da morte; é citado o opressor cujo jugo foi quebrado; é anunciado que as sobras do exército derrotado serão queimadas; são concedidos títulos abrangentes e universais à criança anuncia¬da. Estes títulos provêm do linguajar da corte egípcia, o que reforça sua grandiosidade. Realmente, esse nosso texto nos força a colocar a pregação num horizonte amplo. Is 9.2-7 não permite ser restrito ao eu do indivíduo. Se a gente lê tu quebrarás o porrete de quem oprime, o lugar dessa frase é nitidamente o mundo dos aconteci-mentos públicos. Nesse sentido, nossa perícope é política. Uso este adjetivo político para nosso texto, sabendo que ele tem causado por aí muita irritação. Mas, apesar desse desgaste, o adjetivo político'' continua sendo o mais adequado para descrever este horizonte amplo de nossa unidade: em 9.2-7 pulsa a situação política da época. Penso que a prédica de Natal não deve passar de largo por este acento. Tendo em vista esta prédica, arrisco alguns exemplos de como esse nosso texto pode ser ouvido em sua dimensão política atual. O povo que vive na escuridão não só está errado em sua orientação religiosa. Faltam também escolas adequadas ao povo, e por isso ele está no escuro. E os habitantes da região da sombra da morte não são só os que estão no abismo do pecado. São também os que estão em habitações miseráveis, aí nas periferias das cidades. E o porrete do opressor não é só o diabo que nos fustiga na vida pessoal. É também quem se arroga o governo, lidando com cidadãos como se fossem uma tropa de irresponsáveis. Nessas dimensões bem concretas, a prédica de Natal, no meu entender, pode anunciar o nascimento de Jesus que traz paz sem fim, direito e justiça.
Essa nossa perícope culmina na alegria (v.3). A luz que irrompe redunda em júbilo (v.2-3). Alegria é a consequência da derrota do opressor (v.4),do aniquilamento do exército aterrorizador (v.5), da criancinha a nascer (v.6-7). Com todos estes novos feitos Deus vai produzir alegria. Com este ternário novamente estamos em pleno ambiente natalino. Este texto nos pode ajudar a redescobrir o sentido da alegria natalina. Para o comércio e a máquina do capital a alegria natalina são presentes, de preferência presentes esbanjadores. Na igreja, não raras vezes, tentamos interiorizar a alegria. Nesse Impasse entre alegria comercializada ou alegria interiorizada, descu¬bro uma importante ajuda em Is 9.2-7. A alegria é aqui, ao mesmo tempo, obra divina e profundamente emocionante e envolvida com coisas materiais. A emoção íntegra a alegria cristã, pois, afinal, as duas comparações no v.3 não deixam nenhuma dúvida a este respeito. Estas comparações mencionam dois momentos imensa¬mente concretos de alegria: o momento da colheita e o momento em que se reparte o farto saque depois da vitória na guerra. Contudo, essa alegria emocionante e experimentada em dádivas materiais não está voltada a si mesma. Não é a alegria produzida pelo próprio poder. É alegria diante de Deus. E estes são dois tipos de alegria basicamente diferentes: alegria em que eu comemoro meu poder ou alegria que Deus comemora em sua comunidade. E é aí que reside a dificuldade que as pessoas de hoje têm em experimentar alegria no Natal. Pois, através da propaganda todos nós estamos sendo aterrorizados pela ilusão de que nas compras vai se realizar alegria natalina. Mas tal alegria diante da compra é ilusória e só serve para encher os bolsos do comércio e da indústria. Diferente é a alegria que Deus produz. Ela pode envolver o presentinho que compro para a esposa. Por que não?! Mas basicamente ela vai mais longe. É a alegria de que o povo não mais andará na escuridão do analfabetis¬mo. É a alegria de que as habitações em regiões da sombra da morte, nos últimos becos da miséria vão desaparecer. É a alegria de que em Jesus haverá paz sem fim, direito e justiça. Essa alegria é contra as evidências do que hoje existe. Essa alegria protesta contra toda a maldade e opressão. É alegria em esperança. Isso condiz exatamente com o nosso texto que no todo é profético. É alegria que existe em esperança! Quando nosso texto culmina na alegria, também oferece uma pista para a Santa Ceia. Em Mt 26.30 e Mc 14.26 a comemoração da Ceia desemboca num hino, em alegria. E em 1Co 11.17ss a verdadeira celebração da ceia é esperança contra as diferenças sociais e contra a existência de fracos e doentes na comunidade.
V
Procurei descrever quatro acentos dessa nosso perícope, tendo em vista a prédica de Natal. Estou ciente de que numa só prédica não é possível tematizar e atualizar estes diversos acentos. Por este motivo, considero importante que o leitor, agora, procure localizar aquele ângulo que mais atual seria na sua comunidade. Talvez até seja oportuno utilizar esse nosso texto em mais que uma oportunidade: véspera de Natal, Natal, hora evangélica etc. Em cada uma dessas oportunidades poder-se-ia enfocar o texto sob outro aspecto.
Se, por fim, relato uma experiência de pregação que fiz com Is 9.2-7, devo salientar que também aquela prédica foi determinada pela comunidade local. Mas, apesar disso, o leitor talvez encontre nessa sugestão algumas pistas para sua própria prédica:
VI
Nosso texto bíblico de hoje fala da alegria… Inicio a prédica relembrando o texto. Isso me parece necessário pois Is 9.2-7 – no seu todo! – não é um texto tão conhecido. Reconto o texto, enfocando que a alegria é seu centro: luz, derrota dos opressores e nascimento da criança provocam alegria.
Alegria é Natal… Aqui falo da situação do ouvinte que está festejando o Natal. Dei presentes. Recebi presentes. Na igreja houve uma festinha de Natal. O ambiente diz que Natal é alegria.
Estou falando de alegria e, no entanto, você talvez nem está alegre.. Aqui inicio com a dimensão crítica da prédica. Enfoco algumas situações, em que o Natal deixa de ser alegria. O presente não agradou. A família está desunida. Faltou dinheiro para fazer alegria. A ocupação com os preparativos foram tantos que não houve tempo para fazer alegria.
Consigo alegrar-me com o que faço, com o que posso?… Aqui trato de centralizar a prédica. Mostro como estou, no perigo de querer fazer alegria com o que compro ou possuo. Se posso mais, penso poder fazer mais alegria. Isso ilude. Meu poder é grande, mas não pode dar alegria. Quanto mais compro, mais encho os bolsos do comércio e da indústria. Falo aqui com sinceridade sobre os interesses que promovem a festança de Natal. Estes interesses do capital não são os de Jesus.
Estranha é a alegria de nosso texto bíblico… Aqui retorno, com mais insistência, ao texto. E enfoco o que nele é tão estranho: Deus faz alegria! Importa que essa frase não fique na generalidade. A alegria que Deus faz é a de trazer, a partir de uma criança, direito e justiça. Isso aponta para Jesus. E aponta para as crianças de hoje. Elas vão ter direito e justiça, comida e escola. Essa esperança dá alegria. Além disso, a alegria que Deus faz é a alegria de que o povo não vai ter que morar na sombra da morte, em lugares imundos. É alegria contra as evidências. Essa alegria vive em esperança. A esta altura da prédica também se pode preparar a comemoração da Santa Ceia a festa contra a desigualdade.
VII – Bibliografia
ALT, A. Jesaja 8,23 – 9,6 Befreiungsnacht und Krönungstag. In: Kleine Schriften. Vol.2. 3a ed., München, 1964.
– KAISER, O. Der Prophet Jesaja Kapitel 1-12. In: Das Alte Testament Deutsch. Vol.17. 2* ed Göttingen, 1963.
– SCHWANTES, M. Isaías 6-9. São Leopoldo, 1979 (polígrafo).
– WILDBERGER, H. Jesaja. In: Biblischer Kommentar Altes Testament. Vol.10/1. Neukirchen-Vluyn, 1970.