Prédica: Miquéias 5.1-4a
Autor: Huberto Kirchheim
Data Litúrgica: Natal
Data da Pregação:25/12/1980
Proclamar Libertação – Volume: VI
Tema: Natal
I — Considerações iniciais
Para melhor compreendermos a mensagem do profeta é necessário definir o seu contexto histórico. Isto porque a mensagem profética é, de certa forma, condicionada historicamente. Sua pregação surge num determinado momento e tem em vista uma determinada realidade. É sempre palavra de Deus e interpretação dela para dentro de uma situação vivencial específica. Para a nossa pregação hoje, é importante descobrir a realidade de então para ter consciência da intenção do texto. Da mesma forma se faz necessário, em termos de meditação, detectar a realidade existencial de hoje para a pregação atual da palavra de Deus.
II — Contexto da mensagem do profeta
Pano de fundo da atuação de Miquéias é a queda de Samaria em 722 a. C. e o terror proporcionado pelo inescrupuloso poderio assírio. A situação de iminente terror e catástrofe determinam as suas palavras. De certa forma Miquéias anteviu, em visão, a catástrofe de Samaria (722) e de Jerusalém (701) (cf. 1.6; 3.12). Todo este período também coincide com a crise do reinado em Israel. Em virtude disso, é época de decadência do povo de Israel, como povo de Deus. A profunda crise é consequência da quebra do pacto com Deus. Sempre quando o rei de Israel, ao longo da história, quebrava pela desobediência o pacto com Deus, todo o povo entrava em crise de vida e de valores.
Bem concretamente esta infidelidade para com Deus se manifestava em todos os níveis de relacionamento e de vida do povo. A injustiça e a corrupção andavam de mãos dadas. O profeta, profundamente enraizado no seu povo, e sentindo-se enviado pelo seu Deus, luta essencialmente pela justiça.
Miquéias investe, em sua pregação de denúncia, sobretudo contra dois grupos tradicionais e constitutivos do povo de Israel:
a) Ataca os seus colegas, os outros profetas. Eles não visam a justiça, mas somente seus próprios interesses, suas vantagens pessoais (3.5). Sacerdotes e profetas, cf. 3.9-11, aceitam bons pagamentos e se tornam cúmplices dos interesses dos poderosos: fazem errar o meu povo.
b) Da mesma forma investe contra os funcionários públicos de Jerusalém, os chamados cabeças e líderes do povo (cf. 3.1,9). Preocupam-se tão somente em aumentar os seus bens, em terem vida fácil e alegre às custas do povo em geral. Ajeitam a justiça para si e comem a carne do povo.
Em termos gerais, os ricos, por causa da sua ganância, tiram os campos dos pobres (2.1-5) e roubam conscientemente; passam a perna nos outros (6.10-11).
Em vista disso, o profeta Miquéias tem que anunciar o juízo de Deus. Ao contrário dos falsos profetas que anunciam salvação, Miquéias se sente autorizado pelo próprio Javé a denunciar desobediências e a descobrir-lhes a culpa e o pecado (cf. 3.8). No entanto, Miquéias também sabe que a história de Deus com o seu povo é, acima de tudo, história de amor, de busca constante, de salvação. O próprio juízo também é manifestação do amor de Deus, do desejo de salvação para o povo.
Deus destrói toda a falsa segurança do seu povo (5.9-14) com o objetivo de reconduzi-lo, em forma de verdadeira aprendizagem, à irrestrita confiança nele, Deus, e no seu agir. Por isso Miquéias também é o profeta da promessa da nova esperança.
III — Contexto da nossa perícope
A nossa perícope está no contexto maior do anúncio da promessa, que inicia com o cap. 4 e vai até o cap. 5.8. Em contraposição às palavras que anunciam o juízo, estas são introduzidas com um então, nos últimos dias (cf. 4.1). No meio da queda, da ruína e do desespero humano, ecoa uma palavra de esperança, de futuro, de nova vida. Enquanto que as palavras do agora, indicam o caminho do sofrimento, da cruz, as palavras que encerram em si o anúncio da promessa, têm como tema principal o alvo final, a salvação, o ressurgir da nova vida. Neste contexto Wolff diz: O novo tempo se torna possibilidade na medida em que a palavra do juízo se concretiza totalmente.Wolff, p.95) O nosso texto, Mq 5.1-4a, fala de maneira bem concreta do motivo desta esperança, deste futuro de Sião e seu povo. Por conseguinte, o fim de Jerusalém ainda não significa o fim da história de Deus com o seu povo. Isto, porque da insignificante Éfrata , Belém, Deus fará surgir o verdadeiro Senhor da Paz. Desta forma o v.4a ainda pode ser integrado no texto do anúncio da promessa.
Os versículos subsequentes, 4b até 15 (fim do cap. 5), ilustram na prática a expectativa de salvação de Miquéias, bem como do povo. A salvação será abrangente. A vinda de Messias também implica, para Miquéias, libertação política. O poder assírio será quebrado.
Mq 5.l-4a é uma profecia de cunho messiânico: anuncia o futuro Rei para Israel.
IV – Conteúdo exegético
O povo de Deus fracassou. As suas santas e tradicionais instituições como: reinado, Jerusalém como centro da vida religiosa, seus líderes … estão decaídos e desacreditados. A Filha de Sião se tomou presa fácil de um bando de salteadores. No meio do fracasso, do desespero e da desesperança, surge a mensagem da nova esperança, do novo início. Mq 5.1-4a é anúncio do Messias, do novo Rei, para o povo de Deus em processo de decadência.
V.l: Justamente a este povo é anunciado o Messias. E de onde virá este Messias? De Éfrata, pequena demais entre grupos de milhares de Judá. Éfrata era uma pequena e insignificante faixa de terra na tribo de Judá, na qual está a cidade de Belém. O novo Rei surgirá do batalhão mais fraco, mais inexpressivo, de nenhuma projeção política, militar ou econômica de Israel. Ele realmente surge da margem. Já Mateus, ao citar em 2.6 o nosso texto, ressalta mais o lugar da sua origem, por causa da própria missão do Messias, ou seja, a de ser o guia do povo de Deus. No entanto, também Mateus está interessado em sublinhar a sua humildade e pequenez, pois propositadamente deixa de lado qualquer titulação real do Messias. Ao mesmo tempo importa constatar que, apesar da genealogia de Davi (cf. Mt 2.6), Miquéias insiste na humildade e pequenez. Deus escolhe soberanamente a fraqueza neste mundo, o insignificante e desprezado, para revelar a sua glória, sua força e sua misericórdia. Esta realidade da ação e opção de Deus determina a função, a própria missão do novo Rei. O seu reinar em Israel se revela na humildade, na simplicidade e na pequenez. Está voltado essencialmente aos pequenos, injustiçados e explorados. Em contraposição à época .do reinado em Israel, surge uma nova dimensão do reino de Deus, que se manifesta em amor e serviços. E em Jesus Cristo se concretiza a promessa de Deus ao seu povo — naquele, cujas origens são desde os tempos antigos, desde os dias da eternidade.
Desde os tempos antigos, desde o início da história de Deus com os homens, desde a escolha do seu povo, Deus tem em vista a salvação. A salvação do homem pertence à própria essência de Deus (cf. J o 1.1-14). Deus sempre se revelou ao povo como um Deus que realiza as suas promessas de paz e salvação. Esta ação misericordiosa de Deus despertou fé, confiança e esperança nos homens de todos os tempos. Por conseguinte, a fé não existe só hoje, como não existiu só ontem. Ela é muito antiga. Antes de nós pessoas creram em Deus, esperavam nele, confiavam na vinda do Messias. Concretamente se pode dizer que a fé em Jesus tem raízes profundas e é sempre fé que espera salvação plena, pela libertação total do homem.
V.2: Este versículo rompe a unidade da promessa de salvação contida nos vv. l e 3. Como já frisamos, trata-se de um adendo posterior, que tenta definir melhor o tempo da realização da promissão. Enquanto que o sujeito do v.1c e 3 é o próprio Messias, no v.2 o sujeito é Deus mesmo. Ele os entregará até ao tempo em que a que está em dores tiver dado a luz.
Refere-se inicialmente a um tempo de espera do povo até a libertação. E este tempo é tempo de dor, de sofrimento. É tempo de provação da fé do povo. É tempo de fracasso humano, de destruição de qualquer garantia e grandeza humanas. É o tempo de espera confiante nos conflitos, tensões, injustiças, opressões e guerras. É o tempo da cruz que leva à ressurreição como realização de promessa.
E para o profeta e, por conseguinte, para o povo, o sinal do novo tempo, do cumprimento da profecia, é a mulher que dá à luz. Momento de suprema alegria. Fim do sofrimento. Novo início. A consequência desta vinda do Messias será o retorno do restante dos irmãos e a reunião de todo o povo em torno do seu reino. Ele fará retornar os irmãos restantes. Ele reunirá o povo espalhado em nova comunidade. Provavelmente Miquéias estivesse pensando no retorno dos presos à pátria e não, conforme Isaías, no restante que permanecerá em Israel.
Importante é que estes presos serão libertados pelo Senhor e serão denominados de seus irmãos. Sua vinda representa salvação para os presos e cativos e comunhão com os pequenos e humildes. No entanto, permanece também a perspectiva da espera, do ainda não.
V.3: O v.3, como também 4a, descrevem mais detalhadamente a atuação deste anunciado Senhor.
O que ele fará? O profeta diz: Ele se manterá firme e apresentará o povo na força do Senhor, seu Deus. Para descrever o seu reinado o profeta recorre à velha e conhecida figura do pastor de ovelhas do Oriente (cf. Jo 10…). Sua tarefa de rei é tarefa pastoral, é servir e não ser servido. Parece que o profeta aqui quer sublinhar características importantes deste novo Senhor. O Rei que virá será simples e humilde, pobre e desprezível como os pastores do velho Oriente. Assim como os pastores guiavam as suas ovelhas às fontes de água e aos pastos verdejantes, protegendo-as nos perigos, da mesma forma o Senhor será o guia e protetor do seu povo. Ele quer que todos tenham o suficiente para a sua vida. Ele quer cuidar do seu povo e protegê-lo dos perigos e das tentações.
Wolff expressa isto assim: Apesar de tudo, ele os protegerá e defenderá assim que não precisam temer nada; cuidará deles e os alimentará, para que não necessitem morrer de fome; ele os dirigirá e guiará num caminho claro de encontro a um alvo seguro. (p. 104)
Qual é este alvo? O texto diz: Eles habitarão seguros. Isto significa que o povo não precisa mais fugir do inimigo. Terminou o tempo de andar por aí, sem eira nem beira. Chegou ao fim o tempo de ser expulso da sua própria terra. Certamente o profeta também se refere ao fim de toda uma situação em que os israelitas eram essencialmente nômades, errantes e peregrinos (cf. 4.4). Então o seu nome será engrandecido. Somente a ele serão dadas honra e glória. Somente ele deverá ser engrandecido e não o homem, nem as instituições humanas. Pelo fato de que o próprio Rei, o enviado Messias, atuará exclusivamente na força do Senhor e na majestade do nome do Senhor, seu Deus, o povo, a comunidade, engrandecerá o nome do Rei e Senhor e não o seu próprio. Na medida em que, a exemplo do próprio Cristo, compreendermos a nossa própria vida e atuação como dádivas e graças concedidas pelo Messias, Ele mesmo nos levará à desistência radical do engrandecimento do nosso próprio nome. Ele será engrandecido até os confins da terra.
Nestes termos o novo reinado ultrapassa em muito a própria tradição do reinado em Israel. São-lhe atribuídas dimensões universais (4.1-4). Certamente deve ser ressaltada aqui a dimensão política e social do novo reinado.
V.4a: A característica marcante do seu reinado será a paz. Paz significa salvação em sentido amplo. A um mundo profundamente doente será oferecida a cura total. O profundo caso entre os homens será eliminado e a nova aliança entre Deus e os homens, restabelecida. Cristo significará o radical e total auxílio. De acordo com Ef. 2.14 e o respectivo contexto, a nova realidade de paz só é possível porque Deus reúne o seu povo e com ele estabelece um novo pacto de paz. Com isto fica evidente que a paz entre os homens só se torna uma possibilidade a partir da nova relação que Deus estabelece com os homens por meio de Cristo.
No entanto, enquanto vivermos nesta terra, neste mundo passageiro, esta paz somente será vivida em sinais. Estes sinais de paz denunciam a injustiça, a guerra, a decadência, enfim, os poderes instalados do mal (cf. I Co 15) e apontam para a realização plena da promessa. Por conseguinte esta paz somente poderá ser vivenciada sob a cruz (cf. I Co 15.26).
V – Meditação
O que este texto tem a ver com o Natal?, o que ele quer dizer à comunidade neste dia? Parece que os seguintes aspectos poderiam ser destacados:
1. A promessa da salvação.
O profeta anuncia salvação na vinda de um novo Rei para o povo de Israel. E esta promessa acontece justamente no momento de maior decadência de todas as instituições sagradas e importantes do povo. Do ponto de vista humano não há perspectivas de esperança. Ameaça do poder assírio. Visão da queda de Samaria e Jerusalém. Israel subjugado e explorado pelo poderoso. Internamente o povo está sendo enganado e ludibriado pelos próprios líderes religiosos e políticos. O povo simples é sugado e explorado. Empobrece sempre mais. Em contraposição uma classe privilegiada se apodera das riquezas de toda a nação e engorda às custas do povo simples. Será que o anúncio da salvação e de libertação (até política!) se cumpriu? Sem dúvidas, o anúncio do novo Rei, como guia, protetor do povo e Senhor da paz, tem a sua realização com o nascimento de Jesus Cristo em Belém. No entanto, vale a pergunta: a situação hoje, neste Natal, em que anunciamos o cumprimento desta promessa de Deus em Jesus Cristo, é diferente? Como se sentem as pessoas reunidas no culto?
Será que não estão apreensivas, temerosas com o clima de extrema insegurança internacional? Poderosos disputam nossas riquezas naturais. Multinacionais impõem as suas regras e determinam a nossa vida. O povo está sempre mais pobre; pequenos agricultores lutam arduamente pela sua sobrevivência, operários nas cidades desesperam a suas famílias se desintegram. A inflação dispara. Sempre mais gente empobrece mais e, em compensação, uma classe seleta se adona injustamente da riqueza de Deus. Quais são as perspectivas de paz, de esperança neste contexto?
A esperança do profeta foi ilusória? Esperou demais? Nosso Natal é apenas farsa, compensação? Reduz-se a mero sentimentalismo, formalidade?
2. O acontecimento do Natal contrasta com a realidade do nosso Natal.
O nosso texto ressalta a extrema humildade, pobreza e simplicidade do Senhor. O anunciado Rei vem pequeno, da margem da sociedade e não do grande centro cultural, econômico e político. Como isto se concretizou naquele primeiro Natal? Deus se torna homem e assim vem ao encontro dos homens. Nasce como gente. Como milhões de crianças no mundo: na rua, embaixo de pontes e viadutos, em favelas e choupanas. Também para o Filho de Deus não havia mais lugar. Nasceu numa estrebaria em Belém. Simples e desprezados pastores de ovelhas (bóias-frias e colonos sem terra) observam o sinal de Deus e reconhecem o Rei e Salvador. Tudo é simples, humilde, pobre e fraco. Assim Deus se revela aos homens. Assim Deus se humilha, se encarna em nossa realidade. Natal é antes de mais nada o presente de Deus aos homens – a própria doação em amor, em favor dos que se sabem fracos, insuficientes, pequenos e mendigos neste mundo.
O nosso Natal ainda reflete esta realidade? O lufa-lufa e o corre-corre em tomo do Natal nos tornam incapazes de perceber a real mensagem de Natal. O clima de festa, a comercialização do Natal, o brilho ofuscante de luzes, velas, as bolas de cristal e os presentes mais sofisticados, encobrem o verdadeiro sentido de Natal: o homem se adonou de Deus para o seu próprio proveito. Será que atrás disso tudo não se revela a nossa ânsia de glória, e de grandeza? Não queremos ser pequenos, humildes e mendigos diante de Deus e dos homens! Não conseguimos suportar a realidade humilhante da criancinha na estrebaria – do Cristo indefeso, injustiçado e pregado à cruz! Não suportamos a triste realidade de 30 milhões de crianças abandonadas e carentes – de 10 milhões de bóias-frias – de milhares de brasileiros vivendo em tristes favelas sem as mínimas condições de saúde e higiene.
Será que Natal ainda significa algo importante para nós? Ou será que já estamos distantes demais, grandes e poderosos demais? Será que estamos por demais condicionados pêlos próprios valores da sociedade de consumo e de competição?
3. O que significa concretamente a vinda de Jesus Cristo?
a) Natal significa a ação misericordiosa de Deus em favor do homem, a manifestação de todo o seu amor. Um amor até incompreensível e absurdo. Deus se esvazia, se humilha por amor ao homem. Deus aceita incondicionalmente o homem decaído, egoísta, orgulhoso e pecaminoso. Deus renova a sua aliança de amor, de paz com toda a humanidade, através de Jesus Cristo. Esta nova realidade do reino de Deus em Sião (v.4.8) se concretiza no nascimento de Jesus Cristo em Belém (5.1-3). Neste sentido Deus cumpriu a sua promessa de salvação e libertação para o seu povo na terra. Em que forma? Como se manifesta isto para conosco?
Como pastor que apascentará o povo: importa destacar que a tarefa do novo rei é realmente tarefa pastoral. Neste novo reino, para o qual o Natal nos convida a participar importam outros valores do que os reinantes no mundo. Que valores seriam estes? Servir e não ser servido, amar e perdoar incondicionalmente, não correr atrás de grandeza, honra, prestígio pessoal, mas ser pequeno, humilde.
O fato de o profeta recorrer à velha e conhecida figura do pastor de ovelhas do Oriente para descrever o seu reinado, a sua tarefa, por si só é significativo. Natal significa que temos um Pastor que nos protege, que nos defende e nos liberta do medo. Natal significa a possibilidade de vida abundante e justa para todos, na medida em que todos possam usufruir as riquezas de maneira que todos tenham o suficiente para a vida. Ele mesmo, o bom pastor guiará e dirigirá o seu povo num caminho seguro, de encontro a um alvo claro e firme.
b) Qual é este alvo?
Eles habitarão seguros. Que significa isto? Sem dúvida devemos pensar na segurança que Deus nos quer proporcionar em Cristo. Deus quer ser amparo, consolo, fortificação e fundamento para a nossa vida. Natal diz que podemos contar com ele integralmente. Mas, ao mesmo tempo, devemos perguntar adiante. Será que Natal também não quer significar a promessa de moradia, de casa digna para todos? De condições seguras em termos de pátria, de terra, de um chão, de um lar digno? Condições justas e humanas de trabalho, de salário e lazer?
Como se coaduna esta promessa com a realidade do nosso povo? Todos têm a sua casa? Todos têm habitação segura? O que dizes diante de milhões de brasileiros que não têm onde reclinar de maneira segura a sua cabeça, dos milhões de favelados, dos eternos expulsos, dos constantes peregrinos, das milhões de crianças abandonadas? Natal tem a ver com isto? De que maneira? Será que Natal significa hoje renovação da esperança? Para quem?
Então ele será o Senhor da Paz … Natal significa a possibilidade de paz. Natal é esperança de paz; até mais, mensagem de paz. Mas qual é a realidade no mundo? Existe paz entre os homens? Na comunidade? Verdadeira e autêntica reconciliação? A realidade parece ser outra. Nações em conflito – matrimônios rompidos, discórdia e brigas entre vizinhos, até rivalidades entre os próprios cristãos e as comunidades! No entanto, mesmo nesta realidade vale a promessa de paz para o mundo a partir de Deus, concretizada em Jesus Cristo. Ele mesmo, através de Cristo, reúne seu povo e com ele estabelece um novo pacto de paz. É claro que, enquanto vivemos nesta terra, a promessa de Deus não será experimentada em toda a sua plenitude e totalidade, mas somente em parte, em sinais.
Neste sentido Deus quer transformar a nossa mentalidade de auto-suficiência, de egoísmo, de autojustificação, e fazer de nós, através da criança de Belém, mensageiros e arautos em palavras e vivência desta nova realidade de vida para todos. Natal significa, por isso, a possibilidade concreta de libertação do homem de si mesmo, dos supérfluos, dos seus interesses egoístas, dos seus anseios de grandeza e poder. A mensagem de salvação para os homens, em todas as dimensões, só pode ser experimentada pelo pequeno, pelo pobre, pelo mendigo, enfim, por aquele que permite que o velho homem seja crucificado e morto para o ressurgir do novo homem.
E desta forma o Natal nos envia para o meio dos homens neste mundo, pois Deus quer construir o seu reino de justiça, de paz e amor através da sua comunidade. O que significa isto? Como a comunidade poderia ser um tal sinal da vontade de Deus entre os homens? Vejo sinais desta nova vida, por exemplo, onde Deus .possibilita a reconciliação de um casal, onde uma comunidade compartilha os seus bens com uma outra mais necessitada, onde o empresário desiste do seu lucro em favor dos operários, onde um presbitério e o pastor se desinstalam do centro em favor do bairro, onde um pastor dá apoio e luta junto dos pequenos … (O pregador deverá sentir-se impelido a descobrir outros sinais do seu meio ambiente.)
Finalmente me parece importante destacar que tal comunidade, agraciada tão-somente por Deus, em tudo saberá dar a honra e glória somente a Deus.
VI – Bibliografia
– VOIGT. G. Meditaçãosobre Miquéias 5.1-4a. In: Der helle Morgenstern. Göttingen, 1961.
– WARTH, W. Meditação sobre Miquéias 5 l-4a 5b. In: Calwer Predigthilfen. Vol. 2. Stuttgart, 1963.
– WOLFF, H. W. Mit Micha reden. München, 1978.
Proclamar Libertação 6
Editora Sinodal e Escola Superior de Teologia