Prédica: 2 Reis 5.1-19a
Autor: Edson Streck
Data Litúrgica: 3º. Domingo após Epifania
Data da Pregação: 17/01/1982
Proclamar Libertação – Volume: VII
I — Eliseu
No segundo Livro dos Reis, nos caps. 2 a 8, nos é apresentado o profeta Eliseu. É o sucessor de Elias.
Sua atuação caracteriza-se, por um lado, pelos milagres, às vezes, um tanto estranhos, que realiza. Tais milagres mostram que Eliseu é um homem que tem poder. Alguns exemplos: os milagres que realiza junto à sunamita, inclusive ressuscitando o filho dela (4.8-37); ele tira o veneno que havia numa panela de comida (4.38-41); alimenta cem homens com apenas vinte pães (4.42-44); cura da lepra o comandante sírio Naamã (5.1-27); faz um machado flutuar (6.1-7); etc. Esses relatos mostram a sua atuação em situações do dia a dia, junto aos seus discípulos e a pessoas do seu circulo.
Por outro lado, Eliseu é um profeta bastante envolvido politicamente: institui reis (Hazael, 8.7-15), intervém em guerras (contra Moabe, 3. 4-27). Esses relatos, ao lado de outros, mostram a sua atuação em relação à política interna e externa do seu país, envolvendo-se com pessoas politicamente relevantes de seu tempo. Coloca-se, inicialmente, contra a dinastia reinante e apressa a sua queda. Torna-se um dos esteios da revolução de Jeú, afastando-se do cenário político logo que Jeú toma posse.
Seu nome — Eliseu — encerra os significado Deus ajuda. Em toda a ajuda que prestou, principalmente a necessitados, pobres e doentes, Deus estava atuando e ajudando. A luta de Eliseu foi a de levar as pessoas a depositarem a sua fé em Javé.
II — Naamã e Eliseu
Tomei a liberdade de optar por todo o relato que fala da cura de Naamã (vv. 1-19a): desde o momento em que retorna para casa, curado. Alguns comentaristas ainda adicionam ao texto o acontecimento posterior: Geasi, um moço que acompanha Eliseu, vai pedir a Naamã os presentes que o profeta havia rejeitado, e a lepra recai sobre ele, como um castigo.
O texto que encontramos nos vv. 1 a 19a traz muito conteúdo e pode ser visto perfeitamente como um bloco compacto.
Esse texto presta-se, como bem poucos, para uma prédica narrativa: o desenrolar dos acontecimentos pode ser trazido à comunidade e comentado logo a seguir. Para tal é necessário aceitar a divisão que o próprio texto nos apresenta, em cinco atos (que podem, inclusive, ser encenados diante da comunidade em forma de peça teatral, com ajuda de grupos locais).
Por esse motivo trago agora o próprio texto, já dividido em cinco atos, ressaltando o que há de mais importante em cada um deles. Coloco após o comentário ao texto de cada ato, alguns pontos que servem para reflexões, que nos ensinam lições, ou que inclusive já trazem aspectos para a atualização da mensagem.
1° ato: O poderoso general Naamã é leproso: Que será dele? (vv. 1-3)
Texto: Naamã é general, é comandante do exército da Síria: um homem muito poderoso. Naamã é herói pelas vitórias já conquistadas: um homem benquisto pelo povo. Mas Naamã é surpreendido por uma doença: a lepra. Uma doença muito temida na sua época, por ser considerada praticamente sem cura. Que será de Naamã? Será levado ao deserto para morar em cavernas, como acontecia com muitos leprosos? Será um homem a pedir esmolas, como outros leprosos? Será um homem condenado a uma morte lenta, degradante, em abandono? A resposta a todas estas perguntas é dada por uma criança. Alguns anos atrás, após uma vitória síria sobre Israel, Naamã também levara consigo uma escrava: uma menina judia que ficou a serviço de sua esposa. Essa criança é a pessoa que vai indicar o caminho para a salvação do seu patrão. Ela fala que em Samaria existe um profeta que tem poder para curar a doença de Naamã.
Reflexão: Todo o poder, todo o status, todo o IBOPE, toda a força que podemos ter e alcançar ainda não nos autorizam a dizer que somos auto-suficientes, que não precisamos de Deus, que já estamos realizados. Naamã é um exemplo disso. Ele tinha tudo o que um ser mortal poderia desejar: era forte, rico, poderoso, benquisto, bem sucedido. Mas frente a uma doença como a lepra ele se vê perdido, fraco, inútil, condenado à morte.
Deus usa pessoas para salvar alguém, para chamar outras pessoas para si. Aqui Deus se vale de uma criança, de uma menina escrava, para indicar o caminho da salvação a um general. Deus muitas vezes envia os seus mensageiros em momentos inesperados, de forma imprevista, usando até mesmo pessoas geralmente desconsideradas.
2º. ato: Ordem do rei da Síria ao rei de Israel: cura a lepra de Naamã! (vv.4-7)
Texto: Ao tomar conhecimento de uma, embora remota, possibilidade de cura, Naamã corre ao seu rei. Este escreve uma carta ao rói de Israel, um dos seus vassalos. Naamã, então, parte, com uma grande comitiva. Leva consigo muitos presentes: ouro, prata, e vestimentas de luxo. Chegando ao destino, Naamã entrega a carta ao rei de Israel. Ela contém a ordem de curar a sua lepra! É compreensível o pavor e o desespero que tomam conta do rei israelita: Por acaso sou Deus com poder para tirar a vida, ou dá-la? Ao raciocinar, deduz que a ordem do rei sírio (ordem que ele jamais poderá cumprir) é pretexto para uma nova guerra. Então, reconhecendo sua situação sem saída, ele rasga suas vestes: estou perdido!
Reflexão: Tudo tem limites; também o poder dos que se julgam poderosos, também a força e a sabedoria dos que se julgam donos do mundo. O rei de Israel reconhece que seu poder chegou a um limite: não pode fazer nada, é importante, não conseguirá impedir uma nova guerra. E entra em pânico. É o que diz o SI 33.16: Não há rei que se salve com o poder dos seus exércitos; nem por sua muita força se livra o valente.
Toda a pessoa chega a conhecer limites, muitas vezes, em sua vida: situações em que os caminhos parecem terminar e as forças acabam. Mas estará tudo perdido? O SI 33 também diz o seguinte: 'Nossa alma espera no Senhor, nosso auxílio e escudo. Nele o nosso coração se alegra… (vv. 20,21a) quando nos reconhecemos num beco som saída, quando confessamos estarmos impotentes para nos salvarmos a nós mesmos, ai estamos prontos para ouvir a palavra de Deus, p.ira aceitar a sua força e para andar nos seus caminhos.
3º. Ato: O desespero toma conta de Naamã: nada acontece de acordo com os seus planos! (vv. 8-12)
Texto: Eliseu envia uma ordem ao seu rei que está todo desesperado. Deixa-o vir a mim, e saberá que há profeta em Israel! Imediatamente Naamã e sua comitiva dirigem-se à casa de Eliseu. A casa está fechada. Naamã espera. O momento tão sonhado está para acontecer, finalmente! Mas Eliseu não aparece pessoalmente. Ele apenas envia um mensageiro com a seguinte ordem: Vai. lava-te sete vezes no Jordão; e a lua carne será restaurada e ficarás limpo! A revolta de Naamã é imediata. Totalmente decepcionado, ele vê que nada está acontecendo de acordo com os seus planos e com a sua imaginação. Encontra vários motivos para revoltar-se: a ordem de seu rei, de curar a lepra, não é obedecida; o profeta que pode curá-lo nem aparece pessoalmente para realizar essa cura; ao invés disso, manda um mensageiro com um recado (e que recado!); seu recado é humilhante — tomar banho no rio Jordão, um rio sujo, em que pastores e o próprio gado se banham, um rio que nem é sagrado; sua cura deveria ser feita com grandes sinais, palavras, danças e magias, conforme ele havia imaginado, mas nada disso acontece! Há motivo suficiente para retornar para casa.
Reflexão: Quando alguém chega a Deus, procurando ajuda, aproxima-se com certas expectativas. Como acontece conosco essa aproximação? Também com ordens de que tudo deve ser de acordo com o nosso pedido e com a certeza de que Deus deverá nos satisfazer? Também esperando que Deus venha ao nosso encontro com grandes abracadabras, com grandes aparatos e sinais majestosos? Também carregando conosco muitas coisas para dar em troca por uma graça alcançada e dispostos a pagar as nossas promessas? E, finalmente, também revoltados com Deus quando vemos que ele não nos atende conforme os nossos planos e as nossas necessidades? E por isso lhe viramos as costas?
Na atitude de Naamã nós nos vemos, como num espelho.
Um dos pontos altos deste texto (a afirmação de Eliseu saberá que há profeta em Israel!) esclarece mais um ponto importante: ao invés de exigir algo de um rei, Naamã terá que pedi-lo a um profeta. Importante aqui é a pessoa do profeta (ele nem aparece pessoalmente). Importante é a palavra de Deus que ele prega. Seu conteúdo deve ser seguido, caso contrário a pessoa se afasta cada vez mais de Deus.
4° ato: Naamã, por que não fazes o que o profeta pediu? (vv. 13-14)
Texto: Subalternos falam com o seu general. Mostram-lhe o seu erro, a sua teimosia, ao não fazer o que Eliseu lhe ordenara: se fosse algo praticamente impossível de realizar, certamente o tentaria! Fazer o que o profeta pede é tão fácil e tão simples! E Naamã segue o conselho de pessoas que estavam acostumadas apenas a obedecer-lhe. Vai banhar-se, por sete vezes, no Jordão. E o milagre acontece: ele fica curado! Sua carne está restaurada!
Reflexão: Obedecer a Deus não é algo extraordinariamente complicado ou praticamente impossível. A pessoa descobre Deus ao seguir sua palavra, passo a passo, na vida do dia a dia. Deus revela-se nas coisas simples e pequenas. Fala através de pessoas consideradas insignificantes, muitas vezes. A pessoa descobre Deus e assim chega à fé, quando se torna humilde, quando demonstra uma obediência ampla, geral e irrestrita à sua palavra. A pessoa descobre Deus, quando o eu penso, eu quero, eu exijo se calam e dão lugar ao que Deus tem a dizer.
Naamã saiu à cata de sua cura, mas encontrou a sua salvação. Mais importante para Naamã do que recuperar a sua saúde e a sua vida agora sem a data marcada da morte, é encontrar-se com Deus e conhecê-lo.
A consequência de sua obediência à palavra de Deus, da sua imunidade, é o milagre. A vida com Deus é um milagre que se torna possível somente quando descemos lá do alto onde nos colocamos, quando experimentamos o Deus que tira e dá a vida (ser afogado e renascer na água). Os milagres de Deus somente são perceptíveis e compreensíveis àqueles que têm fé.
5º. Ato: Naamã confessa: não há Deus senão em Israel! (vv. 15-19a)
Texto: Após constatar a sua cura, Naamã retorna com sua comitiva para junto de Eliseu. Naamã lhe confessa a sua fé: Agora reconheço que em toda a terra não há Deus senão em Israel! Agradecido pela sua cura, o general tenta deixar seus presentes com o profeta, Eliseu recusa-se, entretanto, a aceitá-los. Naamã faz então um último pedido de que lhe seja permitido levar ao menos um pouco da terra de Israel consigo, para que ele em casa possa, sobre essa terra, oferecer sacrifícios ao Deus de Israel. E antecipadamente pede por compreensão a Eliseu: às vezes ele terá que acompanhar o seu rei no culto a Rimon – que isso lhe seja perdoado! Eliseu despede-o, dando-lhe o seu SHALOM : “Vai em paz!”
Reflexão: Naamã entende, finalmente, que ele não tem nada a dar. Nem pode dar! Porque Deus lhe deu, de graça, uma nova vida. E ela deve ser recebida, também de graça! O dom de Deus não se compra nem se paga — Deus quer gratidão eterna.
O pedido de Naamã (de levar terra consigo), o pedido de desculpas ao mesmo tempo, lembram a vida e o culto de todo o israelita que se encontra na diáspora. Lembram algo muito importante: que Deus não é monopólio de um povo, nem está preso a uma terra ou a um lugar. Esse pedido de Naamã torna-se atual ali onde a Igreja vive em absoluta minoria.
III — Naamã, Eliseu e eu
A pergunta de Naamã, como livrar-me do meu mal?, leva-o a encontrar a resposta a uma outra pergunta: como encontrarei Deus?. Seu caminho até Deus é longo, dá-se em degraus: ele desce do alto em que se encontra, torna-se humilde, obedece à palavra de Deus. Ai está a receita pata descobrirmos Deus e chegarmos a ele. A escada que eu — e muitos outros eus — temos para descer está descoberta e deve dar-se no nosso dia a dia. Naamã desceu a sua: reconheceu sua situação desesperadora e sem saída ao tomar conhecimento de sua doença: seguiu o conselho de uma guriazinha, de uma escrava judia insignificante: procurou a sua cura em um pais subjugado: viu não ser cumprida a ordem de seu rei ao rei de Israel; teve que procurar um profeta para curá-lo: esse profeta nem se dignou a falar-lhe pessoalmente; ouviu ordens através de um mensageiro de um profeta; ouviu os conselhos de seus subordinados; obedeceu a tudo o que lhe foi dito que fizesse: tomou banho no Jordão, o que ele via como uma humilhação; viu rejeitados os seus presentes; chegou a pedir terra desse pais para levar consigo; pediu desculpas pelas vezes em que tivesse que ajudar seu rei no culto a Rimom…
O outro ponto alto desse texto, o v. 15, nos mostra: os limites do país e os limites da adoração do Deus de Israel não são os limites do seu poder. (Steck, p. 129) Deus é Senhor sobre vida e morte — em relação à vida de cada pessoa. Jesus Cristo veio tornar essa mensagem bem clara. Todas as pessoas, todos os povos, quer o conheçam quer não. estão nas mãos de Deus. Ele é o Deus que age na História.
Epifania é justamente isso: a luz de Deus brilha nos caminhos obscuros daquele que ainda não conhece Deus.
IV — Subsídios Litúrgicos
1. Hinos: Podem ser cantados os hinos 41. 42, 09, 171. 163, 180 de Hi¬nos do Povo de Deus. No Hinário da IECLB — velho — eles estão sob os números 33. 07. 157. 163.
2 Introito: Salmo 33. vv. 16,20-21 a: Não há rei que se salve com o poder dos seus exércitos, nem por sua muita força se livra o valente… Nossa alma espera no Senhor, nosso auxílio e escudo. Nele o nosso coração se alegra.
3. Confissão de pecados: Erros que cometemos: procuramos Deus em lugares errados; ou esquecemos de procurá-lo em nossa vida; ou fugimos dele. Com isso nos afastamos cada vez mais de Deus. Meio sem rumo chegamos a Deus, pedindo-lhe: que ele nos aceite, desperte em nós a fé, perdoe o nosso egoísmo.
4. A absolvição: 2 Co 5.17: E assim, se alguém está em Cristo, é nova criatura: as cousas antigas já passaram: eis que se fizeram novas.
5. Oração de coleta: Pedimos que Deus nos dê muita humildade para ouvirmos a sua palavra, para sabermos escutar o que tem a nos dizer e não aquilo que nós gostaríamos de ouvir.
6. Leitura bíblica: Mt 5.8-13. a cura do criado de um centurião.
7. Assuntos para a oração final: Como doentes te procuramos: conduze-nos à salvação, pelo teu caminho. Desperta — ou fortalece — em nós a fé em ti. Não permitas que nos declaremos donos de ti, querendo manipular-te, conduzir-te, orientar-te pelos nossos planos. Que não fechemos as portas para outras pessoas que ainda não te conhecem: mas que sejamos, cada um de nós, onde tu nos colocas, teus mensageiros, pessoas que convidam outras para o caminho que leva à fé em ti.
V — Bibliografia
– HILLER.S. Prédica sobre 2 Rs 5. In.Homiletische Monatshefte. Ano 53. Caderno 2. Göttingen, 1977.
– HOMBURG, K. Introdução ao Antigo Testamento. São Leopoldo. 1975.
– MEYER, B. Meditação sobre 2 Rs 5.1-16. In: Homiletische Monatshefte. Ano 50. Caderno 10/11. Göttingen. 1975.
– STECK, K. G. Meditação sobre 2 Rs 5.1-19a. In: Herr, tue meine Lippen auf. Vol.5. 2.ed. Wuppertal — Barmen. 1961.
– VOIGT, G. Meditação sobre 2 Rs 5.1-19a. In: —. Das verheissene Erbe. Göttingen, 1965.