Prédica: Filipenses 1.12-21
Autor: Valdemar Lückemeyer
Data Litúrgica: Domingo Laetare
Data da Pregação: 21/03/1982
Proclamar Libertação – Volume: VII
I — Considerações preliminares
A caminhada por este texto oferece algumas dificuldades. A primeira que encontramos é sua delimitação: incluir os vv.22-26 ou restringir-se aos vv.15-21? O início deste texto de prédica devemos, em todo caso, colocar no v.12, pois com ele o apóstolo inicia um relato pessoal. Por causa de sua situação de preso é que se sucedem os acontecimentos relatados nos vv.15-18. O v.21, por outro lado, pode ser o limite posterior, pois com ele Paulo chega ao ponto máximo de sua expectativa: Cristo deverá ser engrandecido, seja pela sua vida, seja pela sua morte.
A situação histórica do apóstolo, no momento em que escreve esta carta, é outra dificuldade. Não há nenhuma concordância entre os exegetas em fixar o local da prisão de Paulo e, consequentemente, a época em que foi escrito este relato pessoal. Alguns indicam Roma e outros, Éfeso, como local da prisão. Para nós, e especialmente para os ouvintes do Evangelho hoje, esta questão não altera nada. Basta saber que Paulo estava preso e que essa prisão quase pode ser considerada condicional, pois ele podia morar numa casa alugada (At 28.30).
O texto pode ser estruturado da seguinte maneira: nos vv.12-14 Paulo tala do efeito do seu processo junto aos gentios (guardas) e à comunidade, nos vv.15-18a, entra em detalhes sobre o motivo da pregação ao Evangelho, apontando o certo e o errado; finalmente, nos vv.18b-21. aponta para sua expectativa, destacando a certeza de que Cristo será engrandecido.
Como tradução deveria ser usada A Bíblia na Linguagem de Hoje. Ela é menos fiel ao original, mas de fácil compreensão, pelo que o “regozijo'' (v. 18 cf. Almeida) dos ouvintes certamente também será maior.
II — Observações exegéticas
V 12. Os filipenses querem saber algo sobre Paulo e ele responde falando sobre a divulgação e situação do Evangelho. Como discípulo de Jesus, ele só pode falar de si, falando do Evangelho. Paulo foi chamado para pregar, e desde então a sua vida é dedicada totalmente ao Evangelho. O Senhor está acima dele e ele se tornou cooperador (1 Co 9.23), empregado (Rm 1.9). ministro ou relações públicas (Rm 15.16). A mensagem e o mensageiro estão intrinsecamente ligados e o apóstolo não pode falar a seu próprio respeito, sem comentar a situação do Evangelho. E a prisão, que lhe parecia um entrave, está ajudando para que a palavra chegue aos ouvidos de gentios e estimulando os próprios cristãos a se engajarem com mais ênfase.
V.13: EN XRISTÕ— A prisão não se deve a um crime (assassinato, roubo ou briga) mas à pregação do Evangelho. Paulo procurou ser fiel e obediente ao Senhor, convidando pessoas a aceitarem o senhorio de Jesus, e por isso se encontra preso. Por outro lado, a sua situação só tornou conhecida, mas isto não é obra sua e sim de Cristo.
A guarda pretoriana é a guarda real, isto é, pessoas responsável pela guarda do palácio real em Roma ou das repartições públicas e moradias de autoridades romanas, nas diversas províncias e cidades do grande Império.
Vv. 15-17: Como se relacionam estes versículos com o anterior? No v.14 é falado do entusiasmo dos cristãos por se terem engajado, eles mesmos, e levado a causa de Cristo adiante; e no v.15 se fala em dois grupos, sendo que um é reconhecido e louvado e o outro censurado. Será que os censurados são a minoria do v. 14, os que não se sentiram estimulados no Senhor? Em todo caso, estes pregadores não são hereges, falsificadores da verdade, pois quando é atacado o centro da mensagem cristã, quando é adulterado o cerne da pregação de Jesus, Paulo se torna bem mais agressivo e direto; por exemplo,Fl 3.2,18; Gl 1.6ss; 2 Co 11.13. Aqui Paulo diz que estes adversários anunciam Jesus (v. 15 e 17), só que com intenções maldosas e pessoais. As diferenças não são querigmáticas ou doutrinárias mas pessoais, e estas, aliás, também não deveriam existir. A inveja e o ciúme são os motivos que levam estes pregadores a saírem de si, e eles aproveitam a situação momentânea de fraqueza e insucesso (prisão) de Paulo, para atuar e atrair pessoas para o seu lado.
V. 18: PANTI TROPÕ, de qualquer modo ou por diversos motivos. Como entender esta afirmação de Paulo, justamente dele que sempre foi um ferrenho defensor da verdade pura e cristalina? Justamente do Paulo com quem nem sempre foi fácil trabalhar, por causa de sua obstinação (p. ex. em relação a Barnabé, João Marcos, Pedro). Seja como for, este de qualquer modo não pode ser base para qualquer espécie de doutrina, um vale-tudo, um pluralismo multicolorido, mas indica para as diferenças entre os pregadores. Paulo sabe que a propagação do Evangelho não depende somente dele; pelo contrário, depende somente do Senhor. É necessário que acima das desavenças e diferenças pessoais esteja Cristo. Em Cristo é que Paulo mede e compara os outros e não em sua pessoa. E aqui vale lembrar Ef 4.15; interessa difundir e crescer na verdade, mas a verdade sem amor não é a verdade do Evangelho.
V. 19: O presente e o futuro estão nas mãos de Deus e o apóstolo sabe que em todos os tempos estará único com Deus. O futuro não é ameaçador para Paulo e por isso ele confia como Jó confiou (Jó 13.16).
A expressão o Espírito de Jesus Cristo só é encontrada aqui, nos escritos de Paulo. Em outras passagens ele fala do Espírito de Cristo (Rm 8.9), Espírito do Filho (Gl 4.6), ”Espírito do Senhor (2 Co 3.17). 'Espírito Santo (Rm 5.5) ou simplesmente do Espírito (Gl 3.5). Paulo não confia no seu ativismo ou quem sabe, na sua religiosidade e piedade, mas unicamente na ajuda do seu Senhor.
V.20: Como Paulo seria envergonhado? Se Cristo não seria engrandecido em sua pessoa. Cristo será engrandecido — observa-se o passivo divino! Deus é o sujeito de toda ação e o apóstolo apenas é meio, o instrumento.
V.21: TO ZËN. Aqui os dois substantivos usados no versículo anterior são relacionados em forma de verbo. O viver não é apenas o oposto do morrer (aliás, Paulo nem os coloca como alternativa!) o que importa é viver com Cristo, viver esta vida da qual Cristo é sujeito vida sem limites e sem fronteiras (cf. Gl 2.20). Viver em Cristo não e contraposto a viver na carne (v.22), mas é o viver onde Jesus é Senhor e o centro existencial da vida.
III — Meditação
A situação em que o apóstolo se encontra, se deve à pregação do Evangelho de Jesus Cristo. Isto é estranho? Deveria ser, mas não é Paulo não foi o primeiro que enfrentou incompreensão e dificuldade por parte do poder constituído, ou no mínimo por um setor dele, e lamentavelmente não foi o último. Ele não serviu ao esquema de então e por isso tinha que ser silenciado. Estava ele semeando ideias pessoais, defendendo uma ideologia da esquerda? Não, não estava. Realmente, Jesus estava sabendo para onde enviava os seus discípulos: O mundo os odeia, porque vocês não são do mundo. (Jo 15.18s). Com o Mestre não foi diferente. É justamente no bom discípulo que se conhece o Mestre, assim como no bom aluno se pode conhecer o professor ou no bom membro se pode conhecer o pastor que está por trás!
Os adversários vibram quando conseguem colocar pedras e espinhos no caminho dos outros. Mas o que parece fracasso, insucesso, desmoralização aos olhos do mundo, não precisa sê-lo necessariamen¬te para Deus. Nem tudo cabe no esquema sucesso —- fracasso. E como nós nos deixamos levar facilmente por este esquema, tão nosso e tão pobre! Guando os cultos são regulares e bem frequentados, quando os diversos grupos andam, quando as nossas estatísticas estão em maré alta, quando os nossos orçamentos são realizáveis e muitas vezes até mostram um superávit, achamos logo que, em si, tudo está bem. O contrário nos assusta. Mas a palavra de Deus não está fraca quando nós estamos fracos, nem presa quando os seus pregadores estão presos. Não é exatamente esta a ignorância do mundo, de querer enfraquecer a palavra (Igreja) através de perseguição, opressão? Quantos grandes e poderosos já não se afastaram da comunidade, pensando que sem sua ajuda financeira expressiva nada mais funcionaria?
Alguém já disse que tempos de perseguição sempre foram tempos de bênção para a Igreja. Quando o líder está preso, a comunidade, os membros assumem a causa. Será que Deus não deveria acorrentar, vez por outra, mais líderes? Em todo caso, estes deveriam conscientemente deixar os membros assumir a causa. Claro, os motivos pessoais podem aparecer, embora não deveria ser assim. Uns puxando as brasas para o seu assado, outros desviando a água para o seu moinho, sempre alguém querendo se destacar. Conhecemos bem esta rivalidade também entre colegas.
As diferenças pessoais são um fato e elas até enriquecem o todo, basta pensar nos diversos dons e na diversidade dos serviços dos membros do corpo (Ef 4.1-16 e 1Co 12). Tudo, no entanto, a partir do centro e para ele, caso contrário não teremos mais apenas pluralidade, mas pluralismo. E, por falar em pluralidade e pluralismo, há uma divisa bem clara entre um e outro: ou, de vez em quando, as divisas se confundem e não são mais perceptíveis? Será que pregar Cristo de qualquer modo é carta branca para a pluralidade? É uma pergunta que vale não só intra muros, mas também extra muros. Tantas confissões, tantas denominações, tantas linhas teológicas! A causa provavelmente está nas intrigas e na mesquinhez pessoal. Importa, porém, que acima disso tudo esteja Cristo. Nele é que deve estar a força para o nosso agir: tudo posso naquele que me fortalece (Fp 4.13). Cristo deverá ser o centro existencial de toda pessoa, de toda comunidade e de toda a Igreja, para que se fortaleça sempre mais a unidade e haja motivo para alegria na divulgação e aceitação do Evangelho. Quando Cristo é o viver, então se ama como Jesus amou, se vê como Jesus viu …
IV — A prédica
O nosso texto facilmente nos leva a elaborar e proferir uma prédica com verdades absolutas e eternas — estas prédicas que no domingo à noite ou na segunda-feira levantam insatisfação dentro de nós e nos acusam de termos sido pouco concretos. Por outro lado, há a facilidade de enfocá-lo de vários ângulos e, dependendo das circunstâncias, explorar mais um ou mais outro ponto. Dois pontos básicos, no entanto, deveriam nortear a prédica:
a) Onde eu busco as forças para minha vida?
b) Como Cristo é engrandecido em e por mim?
Algumas considerações que podem enriquecer o ponto a):
— O discípulo de Jesus questiona tudo o que é antievangelho. Conhecemos alguém que sofreu por esta causa?
— Os conceitos teológicos, especificamente cristológicos, são os mais diversos dentro de uma comunidade. Isto é possível ou não? Qual é a fonte destes conceitos?
— Como resolvo as minhas dificuldades? Baseando-me em que fundamentos?
— Cristo, o meu Senhor, me leva a pregar não só por palavras, mas especialmente pela maneira de viver.
E quanto ao ponto b):
— Os meus vizinhos já descobriram que sou discípulo de Jesus? Certamente eles também o são, mas isto é perceptível?
— A fé cristã não pode ser vivida apenas em casa e no culto. mas é abrangente para todos os momentos.
— O que Jesus não quis (quer), isto eu também não posso admitir; e aquilo pelo que ele lutou (luta), também é tarefa minha.
— Viver é assegurar a vida, especialmente o futuro, ou a vida só tem sentido seguindo o Caminho, a Verdade e a Vida?
— Estou fazendo algo pela divulgação do Evangelho? O quê? E me alegro com isso? (A contribuição financeira — também uma forma de auxiliar na divulgação do Evangelho — é, em grande parte, motivo de murmuração e insatisfação!).
V — Subsídios litúrgicos
1. Confissão de pecados: Misericordioso Deus, nosso Pai. Estamos aqui reunidos mais uma vez como tua comunidade. Tu conheces cada um de nós. Tu sabes quando nós nos omitimos e não agimos como teus filhos; tu sabes quanto nós procuramos a nossa honra e esquecemos totalmente a tua honra; tu sabes quando nesta semana passada não aproveitamos a oportunidade de deixar acontecer o teu Reino. Por isso, e por outros tantos motivos, é que nos aproximamos de ti agora para te pedir com toda a sinceridade, confiança e humildade que tu nos queiras perdoar. Baseamo-nos em teu imenso amor para te pedir: Tem piedade de nós, Senhor!
2. Oração de coleta: Querido Deus e Pai. Nós nos sentimos felizes por mais uma vez podermos estar aqui reunidos para te louvar, te agradecer e, especialmente, para te ouvir. Nós precisamos muito de ti. Queremos ser os teus mensageiros, mas para isso precisamos de tua orientação e de tua força. Abençoa a nós e a todos os ouvintes e pregadores da tua palavra neste dia. Por Jesus Cristo. Amém
3. Oração final: Senhor, nosso Deus e Pai. Não queremos sair deste culto sem antes te agradecer pela força e orientação que tu nos deste através da tua palavra. Agradecemos-te que tu nos aceitas como teus filhos e que confias a tua palavra a nós para que nós a divulguemos. Ajuda-nos para que não te decepcionemos nesta semana, que certamente trará muitos momentos para viver com toda a intensidade a tua vontade. Queremos te pedir que nos acompanhes em todos os momentos e em todas as situações, que guardes a todos os membros desta comunidade, a todos nossos parentes, conhecidos e amigos; que' os desamparados e entristecidos, com quem nos encontramos, ouçam uma palavra de estímulo e consolo: que todos os oprimidos e perseguidos encontrem a paz e a justiça: que os governantes se saibam responsáveis diante de ti e diante do teu povo. Ajuda-nos. Senhor, para que anunciemos com convicção, coragem e alegria que tu és nosso Senhor e nosso Deus.
VI — Bibliografia
– EICHHOLZ, Meditação sobre Filipenses 1.12-21. In: Herr, tue meine Lippen auf. Vol. 4. Wuppertal – Barmen, 1955.
– FRIEDRICH, G. Der Brief an die Philipper. In: Das Neue Testament Deutsch. Vol. 8 Göttingen, 1976.
– STÄHLIN. W. Meditação sobre Filipenses 1.12-21 n Predigthilfen. Vol.2. Kassel. 1968.