Prédica: Jeremias 1.4-10
Autor: Sigolf Greuel
Data Litúrgica: 9º. Domingo após Trindade
Data da Pregação: 08/08/1982
Proclamar Libertação – Volume: VII
Observação preliminar: Este auxilio homilético se baseia no tradução realizada pelo Seminário de Homilética (CAET), realizado no primeiro semestre de 1981, na Faculdade de Teologia da IECLB, em São Leopoldo-RS. Na ocasião, para simular uma situação de carência de material, precisamos de consultar comentários exegéticos e utilizamos apenas o texto original, dicionário e concordância, além da tradução de Almeida A interpretação do texto se apoiou principalmente na pesquisa pela concordância e na exploração do contexto.
I — Texto
V.4: E ocorreu a palavra de Javé a mim, dizendo:
V.5: Antes que eu te formasse (moldasse) no ventre materno, eu te conheci, e antes que tu saísses de um útero, eu te santifiquei; como profeta para as nações eu te coloquei.
V.6: Eu disse: Ah. Senhor Javé, eis que não sei falar, pois sou muito jovem!
V.7: Então disse Javé a mim: Não digas, sou muito jovem. Mas, a todos que eu te enviar, irás; e tudo o que eu te ordenar, falarás.
V.8: Não temas diante deles, pois eu estou contigo para te salvar.
V.9: E estendeu Javé a sua mão e tocou na minha boca e disse: Eis que coloco as minhas palavras na tua boca.
V.10: Olha, eu te instituo hoje sobre os povos e sobre os reinos para arrancar e derrubar, para destruir e arrasar, para construir e plantar.
II — Exegese
1. Estrutura
Vv.4-5 Palavra e comissionamento de Javé a Jeremias. V.6 Revide de Jeremias: resistência. Vv.7-10 Contra-repto de Javé:
V.7a Rejeição categórica da argumentação de Jeremias.
V.7b Incumbência profética.
V.8 Promessa de acompanhamento na dificuldade
V.9 Ato simbólico de Javé e interpretação: Javé faz Jeremias seu procurador.
V.10 Objetivo (função) da procuração; destinatário povos e reinos; conteúdo: juízo e graça.
2. Enfoque detalhado
Vv. 4 – 5: Usando um termo dinâmico como o é a palavra ocorreu, Jeremias parece querer dizer que o que aconteceu entre ele e Javé foi um verdadeiro acontecimento. Um acontecimento de forca e poder, capaz de produzir efeitos. Isto, no entanto, não nos autoriza a vermos neste acontecimento, no qual Jeremias é conscientizado da vontade de Javé em relação a si, um acontecimento sobrenatural. Foi, sem dúvida, um acontecimento incomum, mas somente Jeremias, direta-mente envolvido, o sentiu como tal.
Alguns termos chaves que aparecem no v. 5 nos ajudam na compreensão da vocação de Jeremias, bem como da função que ele u ia desempenhar: As duas frases que começam com antes que…, apontam para o fato de que antes mesmo de ser concebido, Jeremias já estava determinado para a função de profeta. Antes mesmo da concepção já havia a preocupação de Javé por ele. O seu nascimento aconteceu em função desta vocação. Jeremias existia por causa dela. Não havia saída.
Antes de ser concebido e antes de nascer, Javé conheceu Jeremias e o santificou. O termo santificou é usado no AT em relação a pessoas ou coisas. Algo ou alguém santificado é algo ou alguém dedicado a Javé (Lv 22.2: 27.19). O termo pode ser usado no sentido de preparar algo ou alguém (Jr 6.4), designar para uma função (Jr 22.7), preservar da ira, proteger (Sf 1.7). Jeremias é alguém dedicado a Javé, designado por este para uma função especifica, preparado para esta função. A função de ser profeta para as nações. Certamente pensa-se nas nações com as quais Israel tinha contato. O termo profeta será explicado mais detalhadamente ao longo do texto.
V.6: A expressão AHAH, ah!, demonstra toda inconformidade de Jeremias com a sua vocação. Seriamos precipitados, se disséssemos que a desculpa de Jeremias foi fria. Ele tinha consciência do que significava ser profeta. Ele sabe que ser profeta tem a ver com falar, falar com conteúdo especial; ele sabe que isto pode ser perigoso. Jeremias se sente inseguro e alega que é jovem demais para o cargo. Alega que lhe faltam a experiência e sabedoria necessárias para falar. Falta-Ihe autoridade. Provavelmente teme que, pelo fato de ser jovem, sua mensagem não seja reconhecida. Por causa destes argumentos estamos inclinados a admitir que a desculpa de Jeremias é até legitima.
VV.7-10: Apesar dos protestos e desculpas de Jeremias, ele é enviado. Um breve estudo do termo SLH enviar, no Livro de Jeremias traz alguns bons resultados para a compreensão da vocação de Jeremias e de seu envio. Enviar é mandar mensageiros a algum lugar, com uma missão (2.10); é mandar alguém para outro alguém (7.25): mandar algo (espada) contra alguém (9.16); mandar alguém fazer alguma coisa (4.3); mandar trazer alguém a algum lugar, perante alguém (37.7 e 38.14). É um verbo que vem associado à ideia de poder. Um superior dá uma ordem a um subalterno no sentido de executar uma tarefa.
O v.7 deixa clara a autoridade absoluta de Javé sobre Jeremias. Ha também um caráter absoluto no uso das palavras tudo e todos. Além disso, o v.7 lança uma luz sobre o que é ser NABI. Há dois momentos especiais: ir e falar, a mando de Javé. Em 20.7a e 20.9 nos é trazida uma ideia de como Jeremias sentiu este seu envio.
Javé promete salvar Jeremias dos perigos (V.8). A que perigos estaria ele exposto? Olhemos o contexto: os reis de Judá, os príncipes, os sacerdotes e o povo pelejarão contra ele (1.18-19); maquinações da parentagem (11.18): perseguição (15.15): tortura e prisão (20.2): escárnio todo dia e zombaria (20.7b); tortura psicológica (20.10); solidão (15.17): sentimento de abandono de Javé (17.51): incoerência de Javé (12.1-4; 17.15). E textos como 1.18; 11.22; 15.11; 15.20-21; e sobretudo 20.11 testemunham que, de fato, Javé acompanhou Jeremias nas dificuldades. Salvar, neste contexto, não significa evitar que as ameaças atinjam o profeta, mas dar-lhe forças para enfrentá-las. Este versículo nos mostra que ser NABI significa também correr risco de vida.
Javé faz Jeremias seu procurador (v.9). Este recebe a difícil tarefa de falar em nome de Javé. Mas. ao mesmo tempo, recebe um conforto. Javé mesmo lhe dirá o que dizer nas diferentes situações. Podemos aqui traçar um paralelo com Mt 10.16ss, onde Jesus promete aos seus discípulos que diante de reis e governadores lhes será dado o que falar. Podemos também relacionar este trecho com 2 Co 4.7.
E com o v.10 chegamos ao ponto alto de nossa perícope porque aqui se encontram os destinatários da mensagem que Jeremias vai trazer, bem como o conteúdo desta. Hoje te instituo… — num momento histórico especifico, Jeremias é nomeado para uma importante função. E esta função é aclarada com o uso de alguns verbos que demonstram claramente toda radicalidade da atuação do profeta. Arrancar, em 12.4, tem o sentido de eliminar e extirpar; destruir tem a conotação de acabar por completo (25.9). A mensagem de Jeremias é uma pala-vra de juízo e graça.
Olhemos mais uma vez para o contexto a fim de descobrirmos mais exatamente o conteúdo da proclamação de Jeremias. Por que virá este juízo Jeremias aponta os seguintes motivos: idolatria (1.16: 2.10ss, e muitos outros); apostasia de pais, pastores e profetas (2.26): sangue de pobres e inocentes é derramado (2.34); não há direito nem justiça (4.2; 22.3): não há verdade nem fidelidade (5.1ss); pessoas perversas colocam armadilhas que prendem os homens (5.26); conquista de poder e riqueza à custa de fraude (5.17); a causa dos órfãos não é defendida, nem são julgados os direitos dos necessitados (5.28); as lideranças religiosas abusam de seu poder (5.31); fofocas (9.8); esquecimento de Javé (.13.25); abuso do templo como covil de salteadores e lugar de refúgio contra a vontade de Javé (7.11); sacrifício de inocentes (19.5): más ações dos governantes (21.12); as lideranças dispersam o povo (23.2); os profetas fortalecem a maldade dos malfeitores (23.14). Há ainda um sem número de outras passagens que aqui poderiam ser arroladas, mas estas apontadas acima devem ser as principais.
Jeremias indica também para as formas como o juízo de Javé se realizara: inimigo do Norte (1.14; 4.5ss; 5.15ss: 6.1): abalo total da natureza (4.23-28); exílio (5.19); enfermidades (16.4); servirão de esterco para a terra (16.4); fim da alegria (16.9); negação de consolo (16.7): Javé mostrará as costas ao povo (18.7): fará passar fome (19.9): a casa leal do Judá será desolada (22.5).
Mas a proclamação de Jeremias é também proclamação de graça — construir e plantar: Javé é compassivo e não manterá para sempre a sua ira (3.12); o Senhor faz misericórdia, juízo e justiça na teria o se agrada dos que se gloriam em conhecê-lo (9.24); promissão condicional de terra (7.3); graça condicional (12.15; 18.8); rendição ao inimigo do Norte é vida (21.9); Javé trará suas ovelhas de volta (23.3); a Davi será levantado um renovo justo (23.5); promessa de graça (r.M 5-7); as coisas voltarão a ser como antes e melhorarão (32.1-15).
Jeremias é, portanto, vocacionado para destruir e derrubar os velhos e injustos valores de vida aos quais o povo é submetido; ele é chamado para acabar com a velha mentalidade que lançou o povo num caos total, e é chamado também para instalar uma nova mentalidade e uma nova maneira de viver. Por Javé ele é indicado para denunciar a velha situação de injustiça e corrupção, e para ajudar na construção da sociedade de direito e justiça.
3. Escopo
Em um determinado momento histórico, no qual não há direito nem justiça,no qual a causa dos órfãos e das viúvas não é defendida e nem são julgados os direitos dos necessitados, no qual príncipes, sacerdotes, profetas e povo estão corrompidos e desnorteados, Javé fala em forma de juízo e graça,
e, para tanto, faz uso de um homem pré-escolhido e capacitado, prometendo-lhe acompanhá-lo na sua missão.
IV — Meditação
1. Jeremias é chamado a ser profeta, por causa da situação histórica na qual vive. É a situação e o momento histórico que exigem um profeta. E por causa de um momento histórico, no qual o caos político, econômico e religioso havia se instalado, que Jeremias é convocado para apresentar o protesto de Javé contra esta situação contrária à sua vontade.
2. Ser NABI é ser separado por Javé para uma tarefa, é estar à sua mercê. Ser NABI eira quem ele mandar, e falar o que ele ordenar.
Ser NABI é falar as palavras que Javé lhe põe na boca. Ser NABI é correr risco de vida. Ser NABI é proclamar juízo e graça.
3. Cremos que, ao atualizar este texto, não podemos pura e simplesmente levá-lo ao plano individual. Temos que levar em conta que somos vocacionados para sermos profetas, como comunidade. Jesus, ao enviar seus discípulos, os enviou dois a dois; Paulo denomina a si, em conjunto com a sua comunidade, de embaixadores (2 Co 5.18-21): e em 1 Pe 2.9 a comunidade é chamada de = raça eleita, sacerdócio real. O ser profeta é uma tarefa para a qual a comunidade é vocacionada.
V — Sugestão de prédica
O que segue é a base de uma prédica — até certo ponto, dialo¬gada — proferida nas comunidades da Paróquia Evangélica de Ituporanga. SC, no mês de junho de 1981:
1. No inicio, apelei para os conhecimentos bíblicos da comuni¬dade, pedindo que citassem o nome de alguns profetas. Feito isto, coloquei duas perguntas que determinariam em traços gerais, toda a pregação:
a) o que faz o profeta?,
b) existem profetas ainda hoje?, se existem, quem são?
(Neste ponto ouvimos algumas respostas da comunidade.)
A seguir, fiz a leitura do texto.
2. Voltamos à primeira pergunta: O que é um profeta, o que ele faz? (Um membro da comunidade apontou para o V.10 de nosso texto) O profeta arranca, derruba, destrói, constrói e planta! Mas arranca e derruba o quê? Aqui se torna necessária uma pequena exposição do momento histórico no qual Jeremias viveu:
— viúvas abandonadas, órfãos abandonados:
— não havia direito nem justiça na terra;
— as lideranças do país e da igreja estavam corrompidas:
— o povo estava desorientado e desnorteado;
— havia um caos total: ninguém mais sabia o que era certo e o que era errado.
Deus não suportou essa situação caótica criada peio homem. Ele chama Jeremias. Quer usar a boca deste (V.9) para falar de sua inconformidade com toda essa situação.
Deus chama Jeremias para:
— arrancar o capim e o inço que crescera e havia tomado conta da vida das pessoas;
— derrubar a mentalidade egoísta que tinha provocado toda confusão;
— ser instrumento na mão de Deus para construir um novo mundo, diferente, de fraternidade, igualdade e entendimento,
— dizer aos homens o que é certo e o que é errado.
A esta altura há condições para responder nossa primeira pergunta, colocada no inicio. O que faz um profeta?
— Fala, no mundo, da vontade de Deus que quer a igualdade, a justiça e o direito.
— Diz aos homens o que é certo e o que é errado.
— E alguém que Deus usa para se fazer ouvir e se fazer presente em meio ao mundo.
— Profetas são usados por Deus lá onde a vida entre os homens anda mal.
3. A segunda pergunta: Há profetas ainda hoje? Quem são? (Nesse ponto contamos a história de alguém que dissera não haver 11 uns profetas hoje. Lançada a questão para a comunidade, alguns concordaram e outros ficaram na dúvida.)
Se no ponto anterior, foi dito que há profetas lá onde a vida entre os homens anda mal, e se dissemos que hoje não há profetas, então deve ser porque:
— a convivência entre os homens hoje é a melhor possível:
—— Deus não precisa dizer nada aos homens, vivemos num verdadeiro paraíso:
— não há viúvas nem órfãos abandonados; as nossas lideranças são as melhores do mundo;
— o nosso país se banha em direito e justiça:
— o povo é um povo feliz e realizado:
— todos sabem o que é certo e o que é errado,
(Neste ponto alguém interrompeu e disse: as coisas não são bom assim.)
De fato, as coisas não são bem assim. Há muita coisa errada. Há viúvas e pessoas idosas abandonadas (asilos); há crianças abandonadas (basta ler jornais ou ir a urna cidade média ou grande); as lideranças estão corrompidas, o povo sofre. A titulo de exemplo, perguntei a um aposentado pelo Funrural quanto recebia por mês, e compare: a aposentadoria com o salário de Zico. Mencionei que o Governo brasileiro destinou 11% de seu orçamento para a fabricação de armas, e 3% para a educação. Talvez isso explique por que tantas de nossas crianças no ensino confirmatório são analfabetas. Então perguntei à comunidade: lsto tá certo ou errado?”
Se não há profetas hoje então é porque alguém não está cumprindo a sua tarefa. O mundo precisa de profetas. A situação é caótica como no tempo de Jeremias.
Mas quem são os profetas hoje?
Aqui, li Ml 9.35-38.
Também o nosso povo parece muitas vezes cansado e aflito.
4. Por isso a comunidade cristã é chamada para assumir seu papel profético. A falar, no mundo, da vontade de Deus que quer a justiça, a igualdade e o direito. Conclui com algumas considerações de como a comunidade pode agir como profeta em sua situação concreta.
VI — Subsídios Litúrgicos
1. Confissão de pecados: Pai, nós somos a Igreja de teu Filho Jesus Cristo no Brasil. E, como tais, somos participantes da nova vida e da nova realidade que tu deste de presente aos homens através de Jesus. E temos tampem uma tarefa. A de levar adiante a sua mensagem de vida, de vida digna, a todos. Reconhecemos, no entanto, que falhamos como Igreja. Somos Igreja que não consegue cumprir sua tarefa. Como membros desta Igreja somos individualistas. Pensamos somente em nossa dor e em nossos problemas. Somos negligentes em relação às necessidades de vida daqueles com os quais convivemos. Ainda assim, permites que te chamemos de Pai. E, por isso, confiantes levamos a ti nossa negligência em relação aos outros, nossas falhas como igreja e como comunidade e pedimos que as elimines de nosso meio. Tem piedade de nos. Senhor!
2. Oração de coleta: Pai, pela tua palavra estamos certos de tua presença em nosso meio. Sentimos isto com alegria profunda. Alegria por sabermos que falas conosco como falaste com os discípulos. Alegria porque o privilégio de tua comunhão nos é também acessível. Que esta tua presença nos faça conscientes da dádiva e do compromisso que advém do fato de sermos teus filhos. Que ela nos mostre o papel que tu queres que nós desempenhemos no mundo. Em nome de Jesus Cristo. Amém.
3. Assuntos para a oração final: Deus nos desperte para nossa vocação profética que recebemos como Igreja. Deus esteja conosco em nossa tarefa de proclamar ao mundo a sua vontade para a justiça, a igualdade e o direito. Deus esteia com viúvas e órfãos abandonados e, mais, que elimine as causas do abandono de viúvas e órfãos. Deus nos dê lideranças justas que cumpram o papel que lhes foi dado por Deus, a saber, a promoção e a preservação da vida acompanhe todos os que lutam por justiça e direito: que venha o Reino de Deus.