Prédica: Marcos 2.23-28
Autor: Baldur van Kaick
Data Litúrgica: 20º. Domingo após Trindade
Data da Pregação: 16/10/1983
Proclamar Libertação – Volume: VIII
I — Considerações exegéticas
1. Reprodução do texto
Num sábado, Jesus estava caminhando com seus discípulos pelas searas, quando estes começaram a colher espigas. Alguns fariseus, que estavam a observá-lo, logo advertiram Jesus que os discípulos faziam o que não era licito no sábado. Jesus, tomando o partido dos discípulos, respondeu que também Davi, quando teve fome, fez o que não era permitido pela lei: ele e seus companheiros comeram os pães da proposição, que só os sacerdotes podiam comer. E acrescentou: O sábado foi criado por Deus em benefício do homem e não o homem para ser escravo do sábado. E concluiu, dizendo que o Filho do Homem é senhor também do sábado.
2. Palavras chaves
Searas são os trigais. Na Palestina havia trigais principalmente na Galiléia, mais especificamente na planície de Jesreel e nos vales do Mar da Galiléia. Entre os trigais havia caminhos pisados pelo povo do campo. Jesus deve ter caminhado com frequência com seus discípulos por esses caminhos.
Marcos fala que os discípulos colhiam espigas. Mateus acrescenta que eles estavam com fome e as arrancavam para comer. Lucas refere que as debulhavam com as mãos. O costume de triturar grãos de trigo para comê-los é tradicional no Oriente e sempre tolerado, quando alguém o faz para matar a fome. (Schnackenburg, p. 78)
Não é licito. Acrílica dos fariseus não se refere ao colher em si. A lei permitia que os viajantes apanhassem o necessário para comer (Dt 23.25). Mas a casuística judaica o proibia ao sábado, pois o interpretava como trabalho de colheita, e colher não era permitido no sábado.
Pães da proposição. No tabernáculo havia uma mesa com 12 pães, que correspondiam às 12 tribos de Israel. Estes pães eram colocados ali semanalmente. Eram pães sagrados e apenas os sacerdotes se alimentavam deles (Ex 25.30; Lv 24.5-9; Hb 9.2). Jesus se reporta a 1 Sm 21.6, onde é narrado que Davi comeu dos pães sagrados, ele e seus companheiros. O texto se engana ao mencionar Abiatar como sumo sacerdote. O sacerdote era Aimeleque.
Nunca lestes. A pergunta é endereçada a conhecedores da Escritura. Não lhes deve ter passado despercebida, lendo a Escritura, a atitude de Davi em uma situação de necessidade. Davi agiu em liberdade, sobrepondo-se á lei. — Jesus faz uso libertador da Escritura, não opressor.
O sábado foi feito por causa do homem. A forma passiva foi feito indica Deus como sujeito. Este versículo, que sem dúvida é o dito central da perícope, em torno do qual cresceu toda a história (Haenchen, pp. 120-121), significa: Deus fez o sábado em benefício do homem, e não o contrário. O sábado é dádiva em benefício do homem, e não jugo para limitar ou molestar o homem. O fato de que a criação do homem se deu no sexto dia e a ordenação do dia de descanso no sétimo evidencia que foi vontade de Deus que o dia de descanso servisse ao homem, trazendo-lhe bênção. Jesus enxerga no mandamento do Shabbat… um dom de Deus aos homens. Volta-se, ao mesmo tempo, na segunda linha, contra o abuso que consiste em o homem 'ser entregue ao Shabbat'…. isto é, em fazer-se do homem o escravo do Shabbat. (Jeremias, pp. 316-317).
Senhor do sábado. A liberdade frente ao casuísmo sabático tem sua raiz em Jesus, o senhor do sábado. Sob seu senhorio, inicia a comemoração de um novo sábado, entendido como dádiva de Deus em beneficio do homem.
3. Mensagem e objetivo do texto
Willi Marxsen mostra que o texto Mc 2.23-28 pertence a uma unidade maior — 2.1-3.6 —, que reúne conflitos entre Jesus e os fariseus e escribas. Essa unidade maior já existia antes da redação do Evangelho de Marcos e auxiliava a comunidade em seu posicionamento frente à lei do Antigo Testamento. (Marxsen, p. 117) Marcos a inclui em seu evangelho com o mesmo objetivo.
Com a perícope Mc 2.23-28, Marcos quis mostrar, portanto, à comunidade que ela não estava amarrada às leis judaicas. Com Jesus havia iniciado um novo sábado, livre do jugo da lei. Assim como com Cristo veio o tempo da alegria em que não é possível jejuar (cf. 2.18-21), da mesma maneira com Cristo veio um novo dia de descanso, entendido como dádiva e como livre do jugo da lei. Jesus Cristo mesmo guia os seus discípulos através deste dia.
II — Meditação
O texto sobre o conflito de Jesus com os fariseus nos leva à pergunta sobre a comemoração do dia de descanso em nossos dias. O 3º. Mandamento foi o mais desenvolvido no Antigo Testamento. O mandamento do dia de descanso foi também aceito com naturalidade pela primeira comunidade cristã. A controvérsia entre Jesus e os fariseus sobre o sábado mostra, porém, que, no mínimo quanto à maneira de comemorar o dia de descanso, havia disputas na primeira comunidade cristã. — O que significava, concretamente para a comemoração do sábado, que Jesus era o senhor do sábado e que a lei não era mais o caminho para a salvação?
Até hoje a comunidade se ressente de uma orientação clara para o dia de descanso. Se entre católicos é dever cristão frequentar a missa, ao menos entre o povo evangélico de confissão luterana prevalece a opinião de que o cristão pode abster-se perfeitamente do culto dominical, apesar da explicação de Lutero, que vê na prédica e no culto o conteúdo positivo do dia de descanso.
Conforme Karl Barth, que, em sua Kirchliche Dogmatik Hl/4, trata do dia de descanso, o homem não é deixado a seu bel-prazer nesta questão, mas é colocado por Deus em um caminho bem concreto: chamado para deixar de fazer algo (trabalhar) e para fazer algo (manter-se junto à graça de Deus). A fé que renuncia é, para Karl Barth, o conteúdo concreto do mandamento de descanso (Barth, p. 64). O 3° Mandamento é o convite para se alegrar na graça de Deus, para ter de maneira especial tempo livre para Deus, para o louvor a Deus, para a adoração e a intercessão (Barth, p. 54). — Não se trata de não fazer nada no dia de descanso, de matar o tempo, fazendo neste dia uma porção de coisas inúteis, mas de — a explicação do 3° Mandamento de Lutero o diz claramente — ouvir a Palavra de Deus! — isso deve acontecer no dia de descanso.
Além dessa orientação básica — deixar de trabalhar para manter-se junto à graça de Deus —-, útil para nossa reflexão sobre o dia de descanso, a perícope Mc 2.23-28 nos fornece dois critérios para a comemoração do domingo:
a) deveria ser um dia, através do qual Jesus Cristo, o senhor deste dia nos conduziria;
b) e deveria ser um dia alegre, sem jugo.
A partir daí, se impõem várias perguntas para nós:
1. Como seria um dia de descanso, através do qual Jesus, o senhor deste dia, nos guiaria? Deveria ser um dia sem nenhum trabalho. Deveria ser um dia com regras fixas, como os fariseus o queriam. O que combina com um dia, através do qual ele, o senhor deste dia, nos guiaria, e o que deveria cair, por si, por não combinar com este dia? — O que dizer, por exemplo, de nossos domingos, como nós os comemoramos? O que dizer do futebol, do baile no sábado à noite, que faz com que o domingo de manhã seja aproveitado para dormir, do domingo com a televisão, de tanta coisa que cansa e faz de nosso domingo um dia muitas vezes perdido e vazio?
Com Karl Barth, teríamos que dizer um domingo, através do qual o senhor do dia de descanso nos guiaria, seria um domingo com tempo para a graça de Deus.
Além disso: Há tantos contatos que merecem ser aprofundados, para os quais não temos tempo nos outros dias da semana. — Um dia, através do qual Jesus Cristo nos guiaria, não seria um dia com tempo livre também para os outros, para ouvir os outros? Seria certo comemorar este dia só para si? Sem procurar a reunião da comunidade, que recebeu de Deus a ordem de testemunhar e ouvir o Evangelho? Sem procurar os irmãos?
2. Um dia, através do qual Jesus Cristo nos guiaria, deveria ser, no mínimo, um dia alegre, um dia sem jugo, um dia bom. Afinal, o sábado é o dia no qual Deus descansou. O domingo é o dia da Ressurreição. E a alegria não é o conteúdo do Evangelho que é anunciado neste dia?
Pergunta: o nosso domingo está sendo um dia alegre, um dia bom? Como evitar que ele se transforme em um novo jugo? A pergunta para nós, pastores, é também: Como está sendo o nosso domingo? E o culto que celebramos com a comunidade — está sendo um culto alegre? Ou é um lugar de criticas, de denúncias, apenas?
Se o domingo é um dia de alegria, se um critério para a comemoração deste dia é a alegria, o culto não deveria ser em primeiro lugar um lugar de alegria?
III — A caminho da prédica
A partir destas reflexões, poder-se-ia pensar em uma prédica que desenvolvesse o dia de descanso como um dia para manter-se junto à graça de Deus, um dia de alegria, um dia, através do qual o Senhor nos deveria conduzir. E a pergunta seria: o que combina com este dia, e o que não combina e deveria cair por si?
1. Introdução:
— O homem necessita de um dia de descanso, depois de uma semana de trabalho.
— Como é nosso domingo?
— O domingo, como hoje se comemora: com futebol, televisão, veraneio e longas viagens, ainda é um descanso?
2. Desenvolvimento:
Vamos ver o que o Evangelho nos diz sobre o dia de descanso.
Ler Marcos 2.23-28.
Explicar:
— sábado = descanso, comemoração, festa.
— os fariseus levavam muito a sério o dia de descanso, por isso reclamam de Jesus. Havia 39 atividades proibidas ao sábado;
— Jesus não concorda com a maneira como os fariseus comemoram o dia;
— o nosso dia de descanso é o domingo, o dia da Ressurreição; Pergunta: Como seria um domingo, através do qual Jesus, o senhor do dia de descanso, nos conduziria?
— Seria um dia para manter-se junto à graça de Deus. Um dia com tempo livre para Deus. Por isso o culto é que dá a esse dia o seu conteúdo positivo. O louvor, a reunião da comunidade, a Palavra de Deus.
— Seria um dia alegre, um dia bom. O sábado é o dia em que Deus descansou. O domingo é o dia da Ressurreição. O critério para o nosso domingo é: está sendo um dia de alegria, um dia sem jugo? E, se houver algum trabalho no domingo, deveria ser um trabalho alegre, não um jugo, não um trabalho motivado por ganância, mas um trabalho libertador, comunitário.
3. Conclusão:
Os outros dias da semana é que dirão como está sendo o nosso domingo. Se o domingo está sendo bom, se o senhor do dia de descanso está nos guiando através do domingo, também a semana não vai ser amarga. Também nela vou orar, ouvir os outros, trabalhar com confiança, ter alegria. A semana não será um jugo.
IV — Subsídios litúrgicos
1. Confissão de pecados: Senhor, hoje è o dia que nos deste, para que nele se reúna a tua comunidade. Obrigado por este dia. É o primeiro dia da semana. Se ele for bom, os outros dias também o serão. Se nele recebermos tua bênção, ela nos acompanhará nos outros dias. — Assim como olhaste com ternura para os profetas, os apóstolos, para o teu povo, e tua ternura os reanimou, olha hoje com ternura para nós. Tantas vezes andamos pela vida como se estivéssemos sós, como se a vida fosse um jugo, com pouca fé. Perdoa-nos, Senhor, e ajuda-nos com tua presença salvadora. Tem piedade de nós. Senhor!
2. Oração de coleta: Pai celestial, queremos agora ouvir tua Palavra. Tua Palavra é o fundamento absolutamente real, sobre o qual podemos construir a nossa vida. Ao ouvirmos agora tua Palavra, Senhor, teu Espirito a escreva em nossos corações. Amém
3. Intercessão: — pela comunidade, para que tenha, no domingo, tempo para a graça de Deus; — por todos os presentes no culto, para que o senhor do dia de descanso os guie através deste domingo; — para que o domingo não seja um jugo, e também os dias da semana não o sejam; — pelos que têm trabalho neste dia: médicos, enfermeiros, choferes de-táxi, etc.; — para que todos os que trabalham tenham um dia livre por semana, para descanso, também os mais humildes; — para que todos os povos possam celebrar um dia, juntos, o grande dia de descanso, no Reino de Deus.
V — Bibliografia
– BARTH, K.Die Kirchliche Dogmatik. Vol. 111/4. Zürich, 1969.
– HAENCHEN, E. Der Weg Jesu. Berlin, 1966.
– JEREMIAS, J. Teologia do Novo Testamento. 1a Parte: A pregação de Jesus. São Paulo, 1977.
– MARXSEN, W. Einleitung in das Neue Testament. Gütersloh, 1963.
– SCHNACKENBURG, R. O Evangelho segundo Marcos. Petrópolis, 1971.
– WOLFF. H.W. Antropologia do Antigo Testamento. São Paulo/São Leopoldo, 1975.
— Aconselhável para a leitura é o capitulo Der Feiertag, na dogmática de Karl Barth, como também o capitulo Dormir e Descansar na obra de H.W. Wolff.