Prédica: Mateus 6.9-13
Autor: Dorival Ristoff
Data Litúrgica: Domingo Rogate
Data da Pregação: 08/05/1983
Proclamar Libertação – Volume: VIII
I — Introdução
Rogate é o domingo em que costumamos pregar sobre a oração. Para este ano, o próprio tema do domingo é uma oração: o Pai Nosso. Se já é significativo pregar sobre o Pai Nosso, dada a sua importância para os cristãos, mais ainda o é, se levarmos em conta que, neste ano, estamos festejando o 500° aniversário do nascimento de Martim Lutero, autor do Catecismo Maior e do Catecismo Menor, obras importantíssimas na divulgação da doutrina luterana. Nestes catecismos, como em qualquer outro da Igreja, o Pai Nosso é um capítulo muito especial.
Em Mt 6 o Pai Nosso (vv. 9-13) integra o assim chamado catecismo da oração (vv. 5-13). É, porém, uma unidade própria e, por isso, tomo a liberdade de abordá-lo sem referências de contexto. Para informações a esse respeito, consulte em Proclamar Libertação II o auxilio homilético sobre Mt 6.5-13.
II — O Pai Nosso
1. Pai nosso que estás no céu
a) Quem diz Pai está automaticamente se reconhecendo como filho deste pai. Com ele pode conversar, não mais apenas falar, a exemplo de um tema qualquer. Pai não é um tema, mas um nome, o nome próprio para Deus. Cristo foi enviado para revelar aos homens o nome, Isto é, a pessoa do Pai (cf. Jo 17.3-6). O centro afetivo de Jesus era o Pai, não ele mesmo. O absoluto dele era o Pai. Era um com o Pai (Jo 10.30), o seu primeiro amado. Graças a Cristo, o unigênito de Deus (Jo 3.16) que se fez nosso irmão, tornando-se assim o primogênito entre os filhos de Deus, podemos chamar aquele que criou o céu e a terra de Pai.
b) Quem diz Pai nosso reconhece nos demais os seus próprios irmãos. Cristo é o ponto de união de todos os irmãos. Nele a nossa vida é marcada pela unidade, não mais pela divisão. Nele somos todos iguais, braços dados ou não (VANDRÉ, Pra não dizer que não falei de flores). Nele temos o mesmo Pai, o mesmo amor, o mesmo destino.
c) Quem diz … que está no céu reconhece no Pai o Senhor inigualável, diferente e acima de qualquer outro ser, e a quem devemos respeito impar (temor). O céu, antes de qualquer coisa, é uma pessoa: é o próprio Deus (cf. Mt 4.17; Mc 1.15). É importante, portanto, saber que, onde está Deus, ali está o céu. Se alguém, por exemplo, está com a pessoa amada, para ele pouco importa o lugar onde está, mas com quem está. Deus está lá, onde alguém encontrou novamente o caminho dos céus. O céu está lá, onde alguém voltou novamente ao convívio de Deus. (Por um pedaço de pão, in: Quero cantar ao Senhor p. 18)
2. Santificado seja o teu nome
Quem diz santificado seja o.teu nome reconhece no Pai o santo (Jo 17.11). Santificar o nome do Pai é colocá-lo no lugar que lhe é devido. Deus é santo, seu nome é santo (Lc 1.49). Nenhum outro nome deve ocupar este lugar em nossa vida. Onde o Pai deixa de ser o santo de nossa vida, passando outro nome a ocupar o seu lugar, não estamos mais com Deus, nem mais o amamos. Nosso amor, então, pertence a outro nome (coisa ou pessoa, grupo ou sistema), e, por amor a este outro nome, até usamos e sacrificamos pessoas, como bem mostra a canção Vem meu irmão, onde diz: sangue da gente (trabalhador) vai pros bezerro (do patrão) crescer;… trabaiando toda vida prós rico pode folga. (Vamos cantar ao Senhor, p. 40) Sede santos, porque eu sou santo (1 Pe 1.16), diz o Senhor. Ser santo é unir-se ao Pai e aos irmãos, é imitar Jesus, que se empenhou em partilhar o amor de Deus com aqueles que viviam ao seu redor. Que amor é este? Santo és tu, Senhor, amigo e Pai dos homens. Aquele Deus que agora vai dizer: Eu sou o amor e quero o amor na terra a transformar e alimentar meu povo. Santo és tu, Senhor, no Cristo que ensinou que os homens todos devem ser irmãos, e que a justiça ainda aqui na terra precisa ser segundo o Evangelho. (Quero cantar ao Senhor, p. 23)
3. Venha o teu Reino
Quem diz venha o teu Reino reconhece em Deus o rei, o seu poder e á sua glória. Reino de Deus existe onde Deus governa, Isto é, onde a sua vontade é que vale, e não o nosso egoísmo, nossas vaidades e nossos interesses. A vontade de Deus é sempre a referência fundamental. Através de Jesus, o Reino de Deus irrompeu na terra. Quem quiser seguir os passos de Jesus deve lembrar sempre o que ele disse: Sem mim, nada podeis fazer. (Jo 15.5) Seguir os passos de Jesus é apegar-se a mais ninguém, senão a ele e ao seu Reino, e, por ele, agarrar firme a sua cruz. Agarrando firme a cruz, um novo dia virá, um dia de justiça, um dia de verdade, um dia em que haverá na terra paz, em que será vencida a morte pela vida, a escravidão, enfim, acabará. (Ó vinde vós, os povos. Quero cantar ao Senhor, p. 9) Um cantor do nordeste canta assim este novo dia: Por isso é que eu canto e vou cantar, pois sei que um dia nóis vai libertar. Jesuis é o caminho, nóis tá caminhando, para um mundo novo nóis tamo lutando. A nossa esperança realizará, toda injustiça vai acabar. Todos orgulhoso vai ser derrotado. Quem tá com Jesuis vai ser libertado. Todos vai ser livre, não tem mais opressão. Jesuis é a vida, o amor, a união. Vai ser todos igual, todos como irmão. Ninguém explora o outro e não tem ambição. Avareza e egoísmo vai acabar e de braços dado nóis vamo cantar. (Vamos cantar ao Senhor, p. 14) Para um aprofundamento no assunto através do recurso de canções, sugiro ainda: Vem, Senhor; Prédio do amor; Pirâmide. Todas essas canções podem ser encontradas em Vamos Cantar ao Senhor.
4. Seja feita a tua vontade, assim na terra como no céu
a) Quem diz seja feita a tua vontade reconhece que a primeira vontade que importa é a de Deus e com ela se identifica. Diante de D«us, é fundamental que o tu cresça e o eu diminua, para que a vontade de Deus se realize através de mim. É necessário que ele cresça e eu diminua, disse João Batista, referindo-se a Jesus (Jo :j 30), Qual é a vontade de Deus? É o direito (Is 5.7), a justiça (Jo 17.25), a santidade (1 Pe 1.15s). o amor (Jo 15.12), a nossa entrega total a ele. Deus só quer aquele homem que se entrega inteiramente a ele. Não aquele apegado ao mundo que hora é frio, outra hora é quente. (Eles queriam um grande rei. Vamos cantar ao Senhor, p. 24)
b) Quem diz assim na terra como no céu reconhece que no céu tudo é perfeito, e que o mesmo poderá ocorrer na terra, desde que o homem realize a vontade do Pai. Assim, o céu bem poderá ser aqui. O Senhor poderá fazer com que a terra seja o mesmo paraíso que ela foi untes do pecado de Adão. O Livro de Gênesis nos conta que, depois de criar todas as coisas e entregá-las ao domínio do homem, Deus contemplou toda a sua obra, e viu que tudo era muito bom… Se Deus achou tudo muito bom, é porque… o homem foi criado para viver num paraíso. (Frei Betto, pp. 14s) O paraíso é, pois, possível na terra, como uma extensão do próprio céu. Não sou eu que encho o céu e a terra? diz o Senhor. (Jr 23.24)
5. O pão nosso de cada dia nos dá hoje
a) Quem diz pão nosso reconhece que é preciso repartir o pão com os irmãos. O problema todo está aí: a partilha. Para não repartir o pão, o homem, porém, se defende. Por exemplo, assim: Quem sabe mais tem direito a ganhar mais. (ideologia) Onde está escrito isto no Evangelho? Repartir… Repartiu-se, socializou-se o trabalho, isto sim: muitos trabalham, por exemplo, para confeccionar o mesmo produto. Socializou-se, assim, entre muitos, o trabalho, mas não o lucro, a produção. O salário que a grande maioria dos irmãos trabalhadores recebe só dá para continuar trabalhando. Para mais não dá, quando ainda dá para tanto. Em nossa casa os fiinho só tem fome e os trem que a gente come nem dá prós fio cria. Olha, seu moço, vê as mão que tá doida, trabaiando toda a vida prós rico pode folga. (Vem meu irmão, Vamos cantar ao Senhor, p. 40) O problema é, pois, a partilha. E os recursos para tanto não faltam!!! Acontece que, para certas coisas, o mundo tem dinheiro de sobra, como, por exemplo, mostra a canção Não é justo: Acontece que há pobres que se matam pela vida e recebem de salário o que tu gastas em bebida, e o que gastas em cigarro, festas, roupas, diversão, quem te serve não recebe nem sequer pra leite e pão. (Vamos cantar ao Senhor, p. 35) Enquanto um irmão não tem nada para comer e um outro tem demais em sua mesa, pode este orar: o pão nosso…? (cf. a canção Migrante, em Vamos cantar ao Senhor, p. 26)
b. Quem diz dá-nos hoje reconhece que não pode ter certeza de que terá o que comer amanhã (cf. 1Sm 2.5). Se der graças ao Senhor pelo pão hoje, hoje mesmo, recebido, reconhece que só o Senhor, só ele, é a fonte de todo o bem (cf. Sl 127.1-2; Mt 6.34). Portanto, quer comais, quer bebais, ou façais qualquer outra coisa, fazei tudo para a glória de Deus (1Co 10.31).
6. E perdoa-nos as nossas dívidas assim como nós também perdoamos aos nossos devedores.
Quem diz isto reconhece que o perdão é possível e plenamente realizável na vida das pessoas. Graças ao perdão de Deus em Cristo! Se perdoamos o irmão em dívida conosco (dinheiro, ofensa, etc.), damos testemunho do perdão recebido de Deus. Se, porém, negarmos o perdão ao nosso semelhante, também o Senhor nos negará o seu perdão (cf. Mt 6.14-15). As nossas dividas para com o Senhor estão, pois, colocadas no mesmo plano de importância das dividas do nosso irmão para conosco. Se rompermos as relações com o semelhante, porque está em dívida conosco, o mesmo se dará nas relações com o Pai. O Senhor só nos concede o seu perdão, se o perdão que lhe pedimos vier acompanhado do firme propósito de querermos o mesmo para aquele que está em divida conosco. Nesse caso, Jesus até nos anima a pedir sempre perdão a Deus, porque a sua misericórdia é sem limites.
7. E não nos deixes cair em tentação.
Quem diz isto, reconhece que está sujeito a errar. É sempre a tentação que nos leva a errar. Foi a tentação que levou Adão a perder o paraíso. É a tentação que nos impede de vivermos segundo a vontade do Pai, quando aderimos a ela. A tentação é uma realidade, especialmente para aqueles que arriscam um novo caminhar. Aos que caminham, aos que arriscam um novo caminhar acompanha a promessa: Tu não vais tropeçar nos caminhos, quem te guarda está sempre acordado. O Senhor fica sempre ao teu lado, te guardando com todo cuidado. Ele vai te livrar dos desastres. Ele sempre te afasta dos males. Te protege na ida e na volta, toda hora sem nunca faltar. (Eu me viro para todos os lados, em Vamos cantar ao Senhor, p. 33).
8. Mas livra-nos do mal
Quem diz isto, reconhece a presença do mal. Ele é tão presente, que não está apenas nas estruturas, nos sistemas, portanto, fora de nós, mas no próprio homem, dentro dele. O mal corre no sangue da gente. Um exemplo disso é o desejo de dominar os outros. O próprio Jesus foi vitima dos homens dominados por este mal. Eles queriam um grande rei que fosse forte e dominador, e por isso não creram e mataram o Salvador. (Eles queriam um grande rei, em Vamos cantar ao Senhor, p. 24). Vivemos hoje à mercê dos poderosos que determinam a nossa história, a história dos povos e continentes. Criam conflitos entre nações, organizam guerras e massacres apenas para poder dominar. Até o homem simples, oprimido, do povo, tem noção disso: E todo povo que só pensa em opressãojá nem pode ser irmão pra junto mais nóis anda. (Vem meu irmão, em Vamos cantar ao Senhor, p. 40)
9. Pois teu é o Reino, o poder e a glória para sempre (cf. Ef 3.20-21; Sl 115.1; 1 Co 10.31). Amém!
III — Indicações para a prédica
1. Realizar um trabalho prévio em grupo, por exemplo, com os confirmandos.
a) Pedir que escrevam sobre meus objetivos pessoais na vida (ex: ter saúde, casar, ser amado).
b) Escrever esses objetivos num papel grande, preso à parede por fita adesiva, ou no quadro verde.
c) Pedir que escrevam sobre os objetivos de Jesus Cristo
d) Escrever, ao lado dos objetivos pessoais, os de Jesus.
e) Confrontar os dois grupos de objetivos. Conclusão: Jesus fazia as coisas voltado para Deus e nós voltados para nós mesmos, e hoje ninguém mais faz isto. Só pensamos em nós e no progresso. (confir-manda de 13 anos)
f) Classificar por temas os objetivos de Jesus: O Pai, o Reino e o Homem.
g) Usar o Pai Nosso como cabide para pendurar os três temas. (Pai: invocação e prece 1; Reino: preces 2 e 3; Homem: preces 4 até 7)
2. Iniciar a prédica, apresentando para a comunidade os objetivos mais característicos dos confirmandos e os de Jesus, bem como as conclusões resultantes do confronto dos objetivos.
IV — Subsídios litúrgicos
1. Intróito: O Senhor olha para os justos, e sempre ouve as orações deles. Pois a oração fervorosa do justo tem muito poder. (iPe 3.12; Tg 5.16)
2. Confissão de pecados: Nosso Deus e nosso Pai! Nós te louvamos e agradecemos por nos teres dado a vida e tantos benefícios. Envia-nos a luz do teu Espirito, a fim de que ele nos ilumine e nos ajude a ver os pecados que cometemos. Ajuda-nos também a nos arrependermos sinceramente. — Dei o devido valor à oração? Duvidei da existência de um Deus Pai? Desconfiei do seu amor? Coloquei as coisas do mundo, tais como a riqueza, o prazer, o poder, a fama, os meus conhecimentos, acima de Deus? Deixei de ajudar o meu semelhante em suas necessidades? Causei prejuízo a alguém de propósito ou por negligência? Usei pessoas para satisfazer vaidades pessoais? Partilhei o amor de Deus com aqueles ao meu redor sendo justo e honesto? Fui guloso? Vivi somente a nível do prazer? — Senhor, estamos em divida contigo e com o nosso irmão. Por isso te pedimos, tem piedade de nós, Senhor!
3. Absolvição: Assim diz Jesus Cristo: Em verdade, em verdade, vos digo: se pedirdes alguma coisa ao Pai em meu nome, ele vô-la dará.
4. Oração de coleta: Santo és tu, Senhor, amigo e Pai dos homens. Aquele Deus que agora vai dizer: Eu sou o amor e quero o amor na terra a transformar e alimentar meu povo.
Santo és tu, Senhor, no Cristo que ensinou que os homens todos devem ser irmãos, e que a justiça ainda aqui na terra precisa ser segundo o Evangelho. Amém. (Esta oração também pode ser cantada)
5. Leitura bíblica: Mt 6.5-8.
6. Assuntos para a oração final: agradecimento — pelo domingo Roga-te; pelo 500° aniversário do nascimento de Lutero; pelos trabalhadores no Reino. Intercessão — por todos os irmãos que passam por sérias privações, porque alguns têm demais; por uma nova relação econômica entre as nações hoje em conflito por não quererem compartilhar; pela fraternidade no meio especifico em que estamos atuando; pela juventude, para que tenha os valores do Reino como sua bandeira.
V — Bibliografia
– BUCHWEITZ, W. Meditação sobre Mateus 6.5-13. In: Proclamar Libertação. Vol.2. São Leopoldo, 1977.
– CARDENAL, E. Das Evangelium der Bauern von Solentiname. Wuppertal, 1976.
– BETTO, Frei. A semente e o fruto. 2. ed. Petrópolis, 1979.
– SECRETARIA GERAL DA JUVENTUDE EVANGÉLICA. Quero cantar ao Senhor. São Leopoldo, 1982.
– VOIGT, G. Meditação sobre Mateus 6.5-13. In: Die grosse Ernte. 2. ed. Göttingen, 1976.