Série: Quer seja oportuno, quer não
Abril
Tema: Libertação: vitória sobre a cruz!
Explicação do tema
A manifestação do poder do pecado— a morte — torna-se real em pessoas e povos inteiros, perpassando a Humanidade toda. No Brasil, os desgarrados — que podem ser simbolizados, neste caso, nos po¬vos indígenas (19 de abril) — experimentaram e experimentam este poder constantemente, chegando ao ponto de sofrer uma descaracterização total como seres humanos. A figura de Tiradentes (21 de abril) nos lembra alguém que lutou contra tal manifestação do poder do pecado. Contudo, sucumbiu, sendo hoje meramente festejado. Assim sendo, aparentemente a morte continua tendo a última palavra em nosso mundo. Em Jesus e sua morte percebemos algo seme-lhante. Mas a sua ressurreição, efetuada por Deus, nos dá uma nova esperança, libertando-nos do jugo e do poder da morte.
Texto para a prédica: 1 João 3.13-18
Autor: Wilfrid Buchweitz
I — Pano de fundo do texto
Há vários textos da Primeira Epístola de João abordados em Proclamar Libertação, volumes III, V e VII. Em todos eles são feitos comentários acerca do movimento filosófico/religioso chamado Gnose. O autor da epístola luta contra ideias e representantes desse movimento dentro da comunidade cristã. Estavam confundindo aspectos básicos do Evangelho de Jesus Cristo. Os gnósticos consideravam ter alcançado um estágio avançado em termos de conhecimento de Deus. Pensavam ter penetrado uma esfera espiritual elevada. Menosprezavam o mundo. Desprezavam também as pessoas que não tinham alcançado seu nível de conhecimento. Não aceitavam a encarnação de Deus em Jesus Cristo. A inferioridade da carne não era conciliável com a superioridade do Espírito de Deus.
Nossa epistola coloca com insistência o amor de Deus ao homem em Jesus Cristo encarnado e insiste em que a postura adequada do nornem é amor a Deus e amor ao irmão.
II — Considerações exegéticas
O acontecido em Jesus Cristo criou para o mundo, para o homem no mundo, uma realidade nova. O amor de Jesus Cristo torna possível um amor encarnado a nível de convivência humana. A partir do amor de Jesus Cristo o ser humano sente força e liberdade de amor ao próximo sem limites. O Jesus Cristo presente na vida do cristão e da Igreja liberta para um amor sem limites. O amor ao próximo é sinal de se ter passado de um mundo para outro, do mundo da morte para o mundo da vida. (v.14) Quem odeia seu irmão não evoluiu para um nível espiritual superior. Pelo contrário, continua preso ao mundo separado de Deus, ao mundo da morte. Rejeita a vida e perde a vida. Quem experimentou e entendeu o acontecido em Jesus Cristo reparte a vida com o irmão, assume a morte, mas uma morte que é semente de vida. Quem experimentou e entendeu Jesus Cristo reparte sua vida com o irmão. Reparte também os bens com o irmão. Empenha-se para que o irmão tenha uma vida com sentido e, também, condições económicas para uma vida digna. Não é um amor de boca apenas, mas um amor de fato, um amor de mãos, de braços, de pernas, de cabeça.
Um cristianismo que pretenda cultivar qualquer tipo de superioridade humana não pode gostar do acontecido em Jesus Cristo e das consequências disso. Um cristianismo que pretenda uma espiritualidade fora ou acima do mundo comum, falsifica o Evangelho de Jesus Cristo ou entra em conflito com ele. Qualquer esquema religioso, ou económico, ou outro, que não inclua o amor ao próximo e a valorização do próximo ofende o Evangelho de Jesus Cristo. Por isso, tem que odiar os cristãos (v.13). Experimentar ódio faz parte da vida do cristão e da Igreja. Pode até ser a confirmação da autenticidade do cristão e da Igreja. A lei do mundo é subir, querer subir, ter que subir, em lermos de religião, em termos de posse de vida, de valores econômicos, de poder, de fama. A lei de Cristo é descer, ir ao outro, amá-lo como a mim mesmo, morrer. A subida acontece por si, pela graça de Deus. Vida, ressurreição são graça. Por isso, a Igreja põe em cheque o mundo, e a consequência é o ódio do mundo.
III — Meditação
Libertação de um estado de ódio para uma possibilidade de amar o irmão e de, a partir do amor, repartir as coisas da vida, repartir a própria vida com o irmão, mesmo que isso signifique dar a vida, este é o caminho que vejo no texto. Deixar de ser assassino do irmão e vir a ser defensor e promotor da vida do irmão, este é um conteúdo central do texto.
Estar disposto a contribuir para que um próximo, um irmão passe de um estado de morte para um estado de vida através de um ato ou processo de eu repartir a vida com ele, para isso a motivação já tem que ser muito especial. Chegar à conclusão de que é sinal de libertação repartir amor e vida com o próximo, é atestado de amadurecimento, é sinal de que através da fé me foi dado um novo espírito, um novo conteúdo de vida. Descobrir a liberdade de não precisar olhar o próprio umbigo o tempo todo, mas de poder olhar o mundo ao redor, é sinal de ser adulto. E esse ser adulto é dádiva de Deus.
Quando olho para o mês de abril com os olhos do texto, da Sexta-Feira Santa e da Páscoa, posso ficar confiante: a vida vence a morte, depois da morte vem a vidar a última palavra é do Senhor da vida, do Senhor da Vida. Vida após a morte, mas também Vida durante a vida. Isso é muito importante num mundo com todo o tipo de traços de morte. No mês de abril traços de morte são colocados na nossa frente especialmente através de duas datas: o Dia do índio, no dia 19, e o Dia de Tiradentes, no dia 21. Se, como cristãos, andarmos de olhos e ouvidos abertos por este mundo, se abrirmos os olhos, se permitirmos que nossos olhos sejam abertos pela fé, enxergaremos muitos traços de morte no mundo do índio e naquele mundo em que Tiradentes perdeu a vida. Paralelamente enxergaremos muita Vida a partir do acontecimento da Sexta-Feira Santa e da Páscoa. Uma pergunta se nos faz, se dá para levar vida, e Vida da Páscoa, para o mundo de morte do índio e de Tiradentes.
Quando olhamos a história do índio brasileiro, constatamos que ela é uma história de agressão por parte do branco, desde o descobrimento do Brasil até nossos dias. Também os imigrantes alemães invadiram as terras que eram dos índios. Os índios foram agredidos em suas terras, expulsos, aprisionados como escravos, suas mulheres foram violentadas, sua cultura e costumes foram taxados de primitivos no sentido de atrasados, ultrapassados, ignorantes. Centenas de milhares de índios foram dizimados pelos colonizadores, pelas armas, com veneno, ou então caíram vítimas de doenças trazidas pelos brancos e para os quais não tinham anticorpos. Calcula-se que na época da descoberta do Brasil havia entre 1 e 2 milhões de índios no Brasil. Existem até estimativas mais elevadas. Hoje conta-se com 150.000 a 200.000 Índios. A diferença a menos vai por conta dos colonizadores, direta ou indiretamente. Agora mesmo o Jornal Evangélico, número 12/83, está publicando matéria sobre o conflito de dois grupos de índios em Guarita, RS. Sabe-se que a origem do conflito está no fato de brancos arrendarem terras dos índios e tirarem madeira dos matos dos índios. E os brancos que assim procedem são membros de igrejas cristãs, membros da igreja evangélica ou da igreja católica. O v.15 do texto diz que são assassinos. Todos que contribuem para o desaparecimento dos Índios são assassinos. Todos os que diminuem a qualidade de vida dos índios são assassinos. Todos os que deixam de participar na preocupação e na luta por salvar a vida e melhorar as condições de vida dos índios são assassinos. Todos aqueles que não aceitam que o índio é tão criatura de Deus como eu sou criatura de Deus, são assassinos. O Jornal Evangélico citado mostra que a população Waimiri/Atroari, no Norte do Amazonas, de 1905 a 1982 diminuiu de 6.000 para 571 pessoas. A terra deles está sendo constantemente diminuída por decretos do Governo brasileiro. As estradas que estão sendo construídas na região não trazem maiores facilidades para os índios, mas facilitam os caminhos dos assassinos dos índios. Os Kulina, no Acre, estão sendo ameaçados por exploradores de madeira. Os missionários, muitas vezes, São os únicos que se põem ao lado do índio — alguns missionários, porque outros favorecem o acesso da civilização assassina dos índios.
Tiradentes viveu de 1746 a 1972 na região do ouro em Minas Gerais. Cresceu na presença de mineradores, comerciantes e soldados portugueses que juntavam suas próprias fortunas e abasteciam Portugal. O Brasil e seus filhos tiravam bem pouco proveito da riqueza explorada. Tiradentes começou a enxergar isso. E, quando ideias de liberdade provenientes da Europa chegaram ao Brasil, Tiradentes se interessou. A conquista da independência dos Estados Unidos da América tivera início numa guerra contra impostos muito altos, em 1773. Tiradentes começou a participar de reuniões e grupos que começaram a planejar a independência do Brasil e, com ela, o fim da exploração por Portugal e da evasão das riquezas para meia dúzia de famílias fora do Brasil, em prejuízo do próprio Brasil e de seus habitantes. Quando o processo de planejamento de um passo concreto em direção à declaração da independência estava se aproximando do final, o grupo de Tiradentes foi traído e denunciado, e Tiradentes mesmo foi enforcado. Vencera a morte. Ela vencera a vida de Tiradentes e venceria por mais 30 anos, até 1822, a vida e a liberdade e a força do trabalho de todos que tinham o Brasil por sua terra. Depois da independência do Brasil até hoje continuou de outra forma o processo de diminuição de vida, e cerceamento da liberdade do povo brasileiro. A ação do FMI, atualmente, é apenas uma forma de assassinato do povo brasileiro.
A história dos índios e de Tiradentes coloca na nossa frente muitas formas de diminuição da vida, de não-vida, de morte, de assassinato, de desamor, de espiritualidade superior, de racismo superior, de discriminação, de ódio.
O texto quer lavar nossos olhos para podermos enxergar isso. E para podermos enfrentar isso. O amor de Jesus Cristo não deixa por menos. Ele encara de frente o mundo do índio, e de Tiradentes, e do povo brasileiro. Cristo encara de frente este mundo e oferece sua vida por ele. E o seguidor de Jesus Cristo, a igreja seguidora de Jesus Cristo, pode e deve olhar o mundo do índio de frente, toda a realidade de morte, de diminuição de vida, e pode e deve empenhar a sua vida, repartir sua vida, dar sua vida pelos irmãos (v. 16). A vida de Cristo, e do cristão, e da Igreja quer vencer a morte, a não-vida, a opressão, a agressão, a injustiça, a alienação, a falta de valorização na situação do índio e do povo brasileiro. É qualidade inerente à vida do cristão e da Igreja apoiar, fomentar, defender a vida de povos indígenas e do povo brasileiro, e denunciar, combater, evitar, anular tudo o que agride, diminui e elimina a vida do povo indígena. Não fazer isso é ser assassino. Faz parte do ser cristão repartir sua vida (v.16) e recursos econômicos (v.17) com aqueles que não dispõem de vida livre e recursos económicos.
Se, no entanto, o cristão for coerente com sua fé e com a mensagem do texto dentro da realidade acima apontada, vai ferir interesses de quem vive à custa do povo indio e do povo brasileiro, e vai provocar reações, O amor do cristão e da Igreja desperta o ódio do mundo, na linguagem do texto. Nisso não há surpresa nenhuma. O ódio do mundo pode ser sinal de autenticidade da Igreja e é, então, motivo de conforto na fé. Na Igreja se festeja a ressurreição de Jesus Cristo e se vive essa ressurreição. Por isso, o ódio do mundo não precisa surpreender, nem assustar. É normal que ele surja, mas a ressurreição de Cristo o vence. Já aqui neste mundo, e nesta vida, e na plenitude, quan-do Deus mesmo resolver estabelecer seu Reino na sua totalidade, no fim dos tempos.
IV — Prédica
O fundamento da prédica está na primeira parte do v.16. Ele deve perpassar a prédica como uma espécie de música de fundo.
Cristo não apenas morreu, mas também ressuscitou e capacita a comunidade a viver a primeira parte do v.14, a segunda parte do v.16, o v.17 e 18.
O v.15, o final do 14 e, finalmente, o 13 poderiam ser tratados na maneira como acontece na meditação acima.
V — Subsídios litúrgicos
1. Confissão de pecados: Querido Pai de nossa Igreja e de nossas vidas, nossa Igreja e nós, individualmente, não temos dado muita atenção aos povos indígenas. Não temos percebido o que significam as coisas que acontecem a eles. A morte que eles experimentam de muitas maneiras não tem despertado nossa compaixão e reação de solidariedade. Também a morte presente em vastas áreas de nosso povo brasileiro não nos tem afetado muito como Igreja e indivíduos. Perdoa-nos Senhor e abre nossos filhos, ouvidos, mente, coração, mãos. Tem piedade de nós, Senhor!
2. Oração de coleta: Agradecemos-Te que neste culto colocas diante de nós a comemoração de duas datas importantes no mês de abril. Ajuda-nos a entendê-las com os olhos de tua Palavra. Por Jesus Cristo, que reina contigo e com o Espirito Santo até a eternidade. Amém.
3. Leituras bíblicas: Ez 37.1-14 e Mq 3.9-12
4. Elementos para a oração de intercessão: agradecer pela Igreja, local e global, por estar aprendendo a abrir mais os olhos para o mundo ao redor; pelos olhos lavados pela Palavra de Deus; interceder pela FUNAI para que realize um trabalho realmente para o bem do índio; interceder por todos os grupos missionários que trabalham entre índios, para que tenham sabedoria, fé e amor em sua missão; interceder para que os bens do Pais beneficiem um número sempre maior de pessoas e que cristãos e igrejas achem caminhos para isso; inter-ceder pelo amor ao irmão na comunidade local; interceder para que o ódio do mundo não surpreenda e não assuste.
VI — Bibliografia
— HAUCK, F. Der erste Brief des Johannes. In: Das Neue Testament Deutsch. Vol. 10. Göttingen, 1949.
— MERCANTE, LF. Tiradentes. In: Grandes personagens da nossa história. Vol. 1. São Paulo, 1969.
— SCHLATTER, A. Der ersle Brief des Johannes. In: Scklatters Erläuterungen zum Neuen Testament. Vol. 10. Stuttgart, 1938
— VICEDOM, G. F. et allü. Meditação sobre 1 João 3.13-18. In: Gepredigt den Völkern. Vol. 2. Breklum, 1967.