Prédica: 1 Tessalonicenses 5.1-8
Autor: Albérico Baeske
Data Litúrgica: Antepenúltimo Domingo do Ano Eclesiástico
Data da Pregação: 11/11/1984
Proclamar Libertação – Volume: IX
O DIA DO SENHOR QUALIFICA O NOSSO DIA
I — ESCATOLOGIA: Pregação e confissão do ESCHATOS ( = último), que traz as novíssimas. — Aspectos e perspectivas, lances e visões.
Para saber em que uma pessoa crê, não se deveria perguntar por aquilo em que ela afirma crer, mas por aquilo que realmente espera. (Miguel Unamuno)
O cristianismo é a religião da esperança por excelência. (Ernst Bloch)
O fogo da antiga escatologia cristã, embora pervertido, continua em brasa entre os fanáticos políticos e nos círculos dos heréticos, enquanto nas Igrejas restou um pouco mais do que a cinza. (Eugen Rosenstock-Huessy)
As doutrinas políticas de salvação de nossos tempos como resposta, na história, ao fracasso da força cristã de esperança — isto … deve tornar-nos pensativos. (Paul Schütz)
O socialismo é o dedo em riste de Deus que lembra aos cristãos a sua tarefa específica. (Christoph Blumhardt)
Uma vez a fé poderá ver o que creu; uma vez a descrença precisará ver o que não creu. (Samuel Rothenberg)
A esperança cristã espera para o mundo, para todo o universo da criação. (Paul Schütz)
Quem faz da morte o auge, quem pensa: Em breve tudo acaba, eu morro logo — este não raciocina no sentido bíblico. Pensar até que o nosso Deus vem, até que o nosso grande tempo vem! — isto é bíblico … Naquele tempo tudo será bom; os ruins se tornarão bons, será uma época colossal de conversão. (Christoph Blumhardt)
Existe uma dupla ameaça … A primeira se acha no meio dos que inventam uma crença e eliminam a Palavra, como o fazem os espíritos profanos. A outra, reside no meio dos que têm a Palavra, mas não a seguram, e assim são levados à idolatria, como aconteceu com o Papa. Mas a terceira tentação é a mais pesada. Pois, quando Satanás não consegue, por via normal e direta, que nos desviemos da Palavra pregada para os nossos pensamentos auto-fabricados, como os hereges, ou, mesmo que, observando por forma a Palavra, nos viremos para a idolatria, como os papistas, então ele diligencia para nos vencer no cansaço. Por causa disso não é só preciso grande coragem para porfiar, mas também perseverança para que não consintamos em ser persuadidos por sua perfídia. Vimos muitas vezes que pessoas, invencidas pela enormidade do perigo, são derrotadas pela pertinácia (da gravidade dos inimigos)… Triunfa-se não apenas mediante uma fé firme e corajosa, mas também mediante uma fé incessante e de fôlego, e por intermédio da esperança, que, de princípio, não se deixa cansar.
Quem nunca esteve em tentações não pode saber o que é esperança. (Martim Lutero)
II — Existência escatológica
O trecho 1 Ts 5.1-8 (9-11) e o imediatamente anterior, 4.13-18, tratam da escatologia aplicada. Eles estão inseridos na terceira parte da Primeira Carta aos Tessalonicenses, caps. 4 e 5, que contêm diversas exortações. 4.13-18 e 5.1-11 se referem aos enlutados pelos que já morreram (4.13). Enquanto 4.13ss faz frente à tristeza dos destinatários e ao seu medo em relação aos falecidos (e, quem sabe, até n eles próprios), 5.11ss se volta contra a falsa segurança que, inclusive, pode contagiar a eles.
Independente da possibilidade de que 4.13ss e 5.1ss sejam de autores diferentes — do apóstolo Paulo e de um aluno dele (cf. G. Friedrich, 1 Tessalonicenses 5.1-11, a intercalação apologética de um posterior: Zeitschrift für Theologie und Kirche, Tübingen, 70(3):288ss. 1973) — ambas as perícopes visam, pastoralmente, os vivos e a sua conduta em vista do Dia do Senhor (5.2). Elas os animam para o consolo (4.18) e a edificação (5.11) comunitários. 5.1-8(9-11), em particu-lar, coloca as características da existência escatológica.
1. Cientes do Dia do Senhor(vv. 1-3)
No termo tempos e prazos (melhor do que épocas), trans¬parece a ocorrência irresistível da invasão do Dia do Senhor (Dn 2.21; At 1.7). O mesmo é um dado tranquilo para os irmãos em Tessalônica, como, aliás, também o desempenho do amor fraternal (4.9). Em verdade, eles são o modelo para todos os crentes na Macedônia e na Acaia (1.7) — e no Brasil, uma vez que a operosidade da fé, a abnegação do amor e a firmeza da esperança (1.3) se aprendem com exemplos vivos.
Os irmãos tessalonicenses não estão ávidos por saber quando o Dia do Senhor vai irromper. Têm com clareza que é de todo impróprio proceder conjeturas e cálculos a respeito. Eles ensinam a abrir os olhos neste particular: sob profunda religiosidade e dedicado estudo bíblico, aparecem o amor próprio descarado e a tentativa desavergonhada de se imiscuir no plano de Deus. Ajudam a indicar a rebeldia contra Deus, o que vale dizer, a ausência da fé, justamente entre cristãos. Recebem, pois, contundente avaliação os expedientes desde Daniel até os Testemunhas de Jeová. E certamente, por extensão, também a recebem os que com versículos referentes a sinais do fim dos tempos (nos Sinóticos e no Apocalipse, por exemplo), surgem na IECLB, propalados significativamente como efusões de corações que amam o Senhor Jesus.
E isto tanto mais que o Dia do Senhor penetra imprevisto, ameaçador e destruidor igual a um ladrão (cf. Lc 12.39s; Mt 24.43 par., Ap 3.3) e de súbito, inevitável e doloroso como o parto assalta àquela que está para dar à luz. Destarte acontece o Dia do Senhor. Não importa a sua data, mas a sua maneira de vir. Por conseguinte, evidencia-se que é de fato do Senhor. Todavia, este age a despeito das nossas ideias e do nosso conselho (Lutero). Sua liberdade é paciência, e a sua paciência, misericórdia — em especial em meio, através e sob a destruição e a dor que provoca.
O Dia do Senhor (cf. por exemplo: Am 5.18,20; Fp 2.16; Mc 13.32) é a radical metamorfose universal do que está aí, a libertação integral e a salvação completa da criação, acima de qualquer entendimento, ideia e sonho nosso. Soberano, Deus revela em definitivo que dele são a humanidade e o cosmo — e os que duvidarem disto se admira de como puderem chegar a tal. Ele, pessoalmente, ajuíza e endireita a tudo e a todos, tornando, de novo, o mundo e os homens assim como os queria desde sempre:
E vós, os oprimidos,/ e vós, os explorados,/ e vós, os que viveis em agonia,/ e vós, os servos, coxos,/ vós cativos, sós,/ sabei que em breve vem o novo dia./ Um dia de justiça,/ um dia de verdade,/ um dia em que haverá na terra paz,/ em que será vencida/ a morte pela vida,/ a escravidão, enfim, acabará.
(Um Cântico Novo, 10.2)
Esta certeza se contrapõe à paz e segurança existentes antes e fora do Dia do Senhor. Ela ameaça, na Igreja, tanto a paz que o mundo dá —a do descompromisso em forma de unidade na pluralidade e a do para inglês ver em doutrina e vida comunitária —, quanto a segurança que o mundo proporciona — em investimentos rendosos, em relações e em andar inquieta, preocupando-se com muitas coisas. E, na sociedade, ameaça tanto a paz reinante nela — a hipócrita entre oprimidos e opressores e a arranjada sob o principio de uma mão lava a outra —, quanto a segurança da lei de segurança nacional e os mais diversos seguros, que fazem da insegurança do povo o seu lucro.
Aquela certeza desmente os propagandistas de paz e segurança, estejam eles na Igreja ou na sociedade, sejam eles religiosos ou seculares. Demonstra aos que gastam e se sacrificam por paz e segurança a sua falta mortal de realismo. Desinstala os que constroem a sua religião, a sua existência pessoal e familiar, as suas estruturas sociais e econômicas sobre paz e segurança antes e fora do Dia do Senhor. É subversiva por natureza, em todos os sentidos e circunstâncias. Ao passo que se livra de todos os … que dizem …: Paz, paz! e não há paz, ela bem-aventura os … que dizem: Cruz, cruz! e não há cruz (Lutero).
Assim não se está em trevas, e o Dia do Senhor não nos apanha de surpresa (v.4). Esta é a preparação em humildade (cf. Hinário da IECLB, 1975, hino n° 7).
Com isto, de jeito nenhum está sendo proclamada a fuga deste mundo. Pelo contrário, o Dia do Senhor faz encarar o mundo, tal qual ele é. Tendo-o às costas, o seu brilho cai, por sobre os ombros dos irmãos em Tessalônica e em outras plagas, para dentro do respectivo dia-a-dia. Acontece agora que vêem espargir os raios da sua luz sobre tudo, desvanecendo as trevas. O Dia do Senhor os transforma em filhos do Dia (v.5), não os deixa dormir (v.6) nem alienar-se (v.7). Ele os exercita na vigilância e na sobriedade (v.6).
2. Filhos do dia são os que:
— lançam fora qualquer segurança, seja ela fundamentada em ideologia ou religiosidade, em lideres natos ou hierarquias sociais ou Eclesiásticas, em aperfeiçoamento das estruturas econômico-políticas ou desenvolvimento superior do ser humano, em conhecimentos do passado ou visões do futuro, em programas científicos ou capacidade de produção, em valores materiais ou espirituais, em moral ou exploração,
Não ponho minha confiança em pessoa alguma neste mundo, nem em mim mesmo, nem em violência, arte, posses, piedade ou que mais eu possa ter. Não ponho minha confiança em criatura alguma, seja no céu, seja na terra. (Lutero);
— se deixam cair nas mãos de Deus, cegos e mudos, sem perguntas ou senões. Não os alegram terra ou céu, nem todo o mundo e o seu brilho, procuram a ele somente (cf. Schalling).
Eu arrisco confiar unicamente no Deus invisível, incompreensível, único que criou céu e terra …
A despeito de tudo, tenho fé em Deus, mesmo que seja abandonado ou perseguido por toda gente.
A despeito de tudo, eu creio, mesmo que eu seja pobre, ignorante, sem instrução, desprezado ou carente de tudo. A despeito de tudo, eu creio, mesmo sendo pecador…
Também não exijo nenhum sinal dele para prová-lo. Confio nele com perseverança, ainda que ele demore, e não lhe ponho um limite, tempo, medida ou maneira de agir; mas, numa fé livre e verdadeira, confio tudo â sua divina providência. (Lutero);
— vêem as trevas e os nevoeiros. Denunciam os seus idealizadores, produtores e sustentadores. Socorrem os enganados e espoliados por eles. Libertam os seus dependentes e vitimas, a começar pelo comércio, com os vícios e a opinião comum de que cada um tem o seu, prosseguindo pela doutrinação aberta ou disfarçada, com a mentalidade correspondente, de que a pessoa vale tanto quanto possui e produz, chegando, finalmente, à moral e ao civismo — que divide o povo em cidadãos bons e ruins e declara que grupos sociais ou parte da humanidade pertencem à claridade enquanto que outros à escuridão.
3. Vigilantes são aqueles a quem o iminente Dia do Senhor:
— faz rir resolutamente de si próprios. Torna desconfiados para consigo mesmos, para com a sua consciência e vontade, para com o seu espírito e pensamento. Deixa céticos perante os bajuladores. Mostra mais erros em si do que nos outros. Impossibilita imaginar que existem maiores pecadores do que eles. Ensina soletrar com Simone Weil: O pecado é olhar na direção errada (significa: para os demais em vez de para si mesmo), e com Martim Lutero: Enquanto o justo, antes de tudo, é o seu próprio acusador, o injusto é o seu próprio defensor;
— desaloja em todos os sentidos. Conduz a abrir mão do seu pão e dos seus privilégios, das suas conquistas e dos seus valores, das suas convicções e dos seus princípios. Leva a informar-se com carinho e estudar com afinco a caminhada do seu povo e os movimentos na comunidade internacional, no passado e no presente. Mantém atentos e abertos, sensíveis e compreensivos em relação às preocupações e aos anseios humanos. Desperta para a percepção das correntes mais profundas da índole do homem. Faz irradiar paciência e encorajamento para que as pessoas criem vontade e desprendimento de se explicarem e confiarem uns nos outros. Arrebata a refletir sobre onde e como se colocar à disposição;
— torna responsáveis para com o aqui e agora. Convence da seriedade e singularidade do presente momento, como se fosse o seu primeiro e último. Ensina existir só um tempo importante, a saber: este instante (Tolstoi). Não deixa pular por cima do presente, refugiando-se no passado ou sonhando com o futuro. Deixa claro que cada pulsação lhes enfraquece a vida (cf. v. Droste-Hülshoff). Aponta para o fato de que já é mais tarde do que pensam. Impede que empurrem para amanhã o que deve ser feito hoje. Alerta para que quem hoje não está prestes a agir, amanhã o estará muito menos … Adiamento é uma peste encoberta que, por sua vez, promove dano tanto maior. O Espírito Santo dá os seus dons não àqueles que são vagarosos e preguiçosos, mas aos rápidos, prontos e determinados (Lutero).
4. Sóbrios são aqueles a quem o iminente Dia do Senhor:
— faz enxergar que o céu é a força da terra (Troeltsch). Mostra que amigos de Deus são amigos dos homens. Adverte contra aqueles cujo Deus está no céu. Ensina que crentes são raciocinadores. Leva a descobrir que homens de oração são homens de ação. Esclarece que candidatos ao céu são estudantes da terra. Cientifica de que membros da Igreja são pessoas às quais a vida nua e crua no dia-a-dia dá sentido ao seu credo. Instiga a rejeitar a interpretação do mundo. Encarrega, no entanto, com o melhoramento do mesmo. Encoraja a ter em mente e tornar público que erram os senhores do mundo que pensam que justiça só virá depois da morte (cf. Marti);
— liberta do saudosismo e do carrancismo em relação ao status quo pessoal, familiar e social. Tira da empolgação e da resignação no tocante à situação vigente, geral e particular. Impele a insistir na análise objetiva da mesma. Treina no uso da razão e do raciocínio. Move a desafiar a competência e criatividade de planejadores de toda espécie. Incentiva a criar e integrar equipes de trabalho. Exorta a dar chances e espaço ao espírito comunitário e a cooperar com ele. Chama a encorajar a todos — sem distinção nem seleção ideológica — a participar, contribuir e decidir sobre um mundo mais feliz e mais irmão (Gomes). Abre consciência para desgraças oriundas de cálculos mal feitos e da ausência da prática democrática;
— estimula a desempenhar — com coração, boca e mão — responsabilidades e funções na estruturação democrática do bem-comum. Induz a apoiar e a chegar a decisões inusitadas, bem como a defender e a arriscar tomada de partido, desde que não seja em seu favor particular e do clã a que pertence. Exorta a sujar as mãos e a não resguardar a sua consciência individual limpa, em se tratando do próximo em perigo. Leva a suportar em favor deste, de boa vontade, consequências pessoais, desagradáveis e prejudiciais. Prontifica a sacrificar por causa dele corpo, bens e honra (Lutero). Ensina, se for preciso, a dizer não aos companheiros, resistir aos amigos e comprovar coragem perante os familiares.
5. Os filhos do Pai, vigilantes e sóbrios:
— enfrentam e suportam estes e outros arrochos, revestindo-se da couraça de fé e amor e tomando como capacete, a esperança da salvação (v.8) — o Dia do Senhor, que bem perto está (Hinário da IECLB, hino n° 6, estrofe n° 5; veja também hino n° 176).