Prédica: Atos 16.9-15
Autor: Werner Brunken
Data Litúrgica: Domingo Sexagesimae
Data da Pregação: 26/02/1984
Proclamar Libertação – Volume: IX
I — Contexto
O presente texto pertence à segunda viagem missionária do apóstolo Paulo. O desejo de Paulo era visitar as comunidades já conhecidas (15.36), mas pela orientação do Espírito Santo (16.6-7) acabou tendo o primeiro contato com o mundo europeu (16.10).
Paulo tinha planejado fazer essa viagem com Barnabé (15.37). Entretanto, quem afinal o acompanhou foi Silas (15.40), enquanto que Barnabé, juntamente com João e Marcos, foi para Chipre (15.39). Com a perda de Barnabé, Paulo recebeu Timóteo em Listra para acompanhá-lo (16.1-3). Todos falavam bem dele.
A Grécia (Europa) ainda não pertencia aos planos do apóstolo Paulo, mas Timóteo, filho de pai grego, parecia querer apontar para esta possibilidade. Timóteo tornou-se, assim, uma das pontes do Evangelho entre Jerusalém e Filipos.
A mudança radical nos planos de Paulo foi provocada pela ação do Espírito Santo (16.6). Os vv. 6-8 descrevem a tentativa de Paulo de seguir os seus planos, mas o poder de Deus traçou novos rumos para o Evangelho. Mesmo não sabendo certo para que lugar ir, Paulo e seus companheiros obedeceram à ação de Deus. Como que guiados pelo poder de Deus, passaram por vários lugares, até chegar a Filipos (16.12). Acabaram encontrando nesta cidade um lugar de oração, onde só havia mulheres. E a primeira pessoa a quem Deus abriu o coração para o Evangelho na Europa, foi Lídia, que era pagã. Esta aceitou o Evangelho, deixando-se batizar e abrindo a sua casa para os apóstolos.
Paulo e seus companheiros permaneceram em Filipos vários dias. Tiveram ainda um encontro com uma jovem adivinha (16.16). Ajudaram esta jovem a libertar-se desse espírito e, como resultado, houve revolta por parte dos que obtinham seus lucros com ela. Estes convenceram as autoridades a prender Paulo e Silas. Estes, mesmo na prisão, deram testemunho do poder de Deus (16.25). O mesmo Deus que os havia conduzido até a Europa libertou-os, a fim de que pudessem testemunhar o Evangelho ao carcereiro, que encontrou o caminho da salvação em Jesus Cristo (16.30ss.).
As próprias autoridades tiveram que reconhecer o poder atuante na vida dos apóstolos e pediram que saíssem da cidade. Antes de fazê-lo, dirigiram-se á casa de Lídia, onde foram confortados pelos irmãos na fé.
II — Exegese
V.9: Pela terceira vez Deus interferiu nos planos de Paulo, e desta vez, através de uma visão. No Livro de Atos temos várias visões, nas quais apareceu o Senhor (18.9; 23.11; 9.10) ou o seu anjo (27.23). Por isso, podemos concluir que, no caso do varão macedônio, também se trate de um mensageiro enviado por Deus. Como tal, Paulo o entendeu nas palavras do v. 10. Este mensageiro pode ser comparado com o anjo dos povos, que encontramos em Dn 10.13,20ss. Este tinha o dever de defender os seus povos. Assim podemos compreender o pedido do varão macedônio, para que venham ao seu povo anunciar as boas novas.
V.10: Paulo entendeu o chamado por socorro como sendo a fome e a sede pelo Evangelho. Só este é capaz de proporcionar verdadeira ajuda nas diversas situações da vida. O próprio relator dos acontecimentos se viu incluído na obediência a este chamado de Deus, pois neste versículo aparece, pela primeira vez no Livro de Atos dos Apóstolos, o tratamento nós. Os comentaristas aceitam a possibilidade de que Lucas, o escritor do Livro de Atos, tenha acompanhado Paulo em várias viagens. De Trôade ele participou da viagem até Filipos. Daqui para diante até 20.6 não aparecem mais textos, nos quais ele esteja incluído. A partir de 20.6, Lucas continuou ao lado de Paulo por mais tem¬po (Cl 4.14).
V.11-12: Depois de estarem conscientes do chamado para ir à Europa, Paulo e seus companheiros tomaram uma embarcação que os levou a Samotrácia e Neápolis. Tinham que ir a pé até Filipos, pois esta situava-se mais no interior. Aí permaneceram vários dias (certamente algumas semanas). Neápolis era uma cidade portuária importante na época. O texto não diz por que Paulo não ficou nesta cidade. É como se estivesse ciente de que o primeiro alvo em terras europeias seria a cidade de Filipos. Esta cidade, depois de sofrer várias derrotas (entre 31 e 42 a.c.), foi colonizada por cidadãos romanos. Como tal, Filipos gozava de certas regalias, como governo próprio e isenção de impostos para o Império Romano. Mesmo assim, era habitada por pessoas de outras nacionalidades, como vemos nas mulheres judias, no lugar de oração, e em Lídia.
V. 13: Também em terras europeias Paulo procurou em primeiro lugar as sinagogas dos judeus. Fez isto no sábado, pois era o dia em que as pessoas se reuniam para orar. Tinha ouvido falar que tais reuniões aconteciam perto do rio. O texto não diz que ali havia uma sinagoga. Só fala de um lugar de oração. Se havia uma sinagoga, ela era pequena e sem influência na cidade. Só mulheres estavam presentes nesse lugar de oração. Por que só mulheres? O texto não responde. O que importa é que Paulo encontrou pessoas, com as quais pudesse dialogar.
V.14: Entre as mulheres judias havia uma estrangeira, Lídia de Tiatira, vendedora de púrpura. A cidade de Tiatira, na Lídia, era conhecida como centro produtor de púrpura. Lídia era fiel às suas origens profissionais e gozava de boa fama na cidade, justamente como vendedora de púrpura. E, com o mesmo fervor com o qual cuidava de seus negócios, era temente a Deus. Participava regularmente dos encontros da comunidade dos judeus. Lídia escutava com real interesse o que Paulo dizia. Mas, mesmo diante de todo o seu esforço, quem lhe abriu o coração para o Evangelho foi Deus mesmo. A ação parte sempre de Deus, para que a pessoa, através da Palavra, possa ser transformada para uma nova vida.
V.15: Onde Deus age, o caminho para a aceitação total está aberto. Por isso seguiu-se logo o batismo de Lídia e de toda a sua casa. O Batismo tornou-se o selo para as suas vidas, expressando: perten¬cemos definitivamente ao Senhor. À casa pertenciam todos (Js 2.12s; 6.17ss), também as crianças. Assim concluímos que ninguém ficou de lado neste ato da entrega ao Senhor.
Outra consequência da conversão de Lídia foi o fato de abrir as portas da sua casa para os apóstolos. Nas suas palavras notamos a seriedade desta atitude. Paulo iria experimentar a transformação acontecida na vida de Lídia. Tudo foi colocado a serviço do Evangelho, nessa cidade. A casa de Lídia tornou-se ponto de partida para o trabalho missionário na Europa e também lugar de encontro da comunidade cristã.
III — Meditação
1. Observando a ordem de Jesus dada em At 1.8, sereis minhas testemunhas, o nosso texto representou um passo decisivo para que o Evangelho chegasse até aos confins da terra. Este objetivo constava, portanto, dos planos de Deus. E, por mais que o apóstolo Paulo e seus colegas procurassem andar pelos caminhos por eles mesmos traçados, não surgia resultado. Vagavam para cá e para lá, mas tudo era em vão, pois Deus tinha determinado o caminho para o seu Evangelho.
Essa incerteza e insegurança teve um fim, quando Paulo foi confrontado com uma visão, na qual um mensageiro o chamou, pedindo sua ajuda. A partir daquele instante, Paulo tinha a certeza de que Deus mesmo o estava chamando para levar o Evangelho às pessoas no continente europeu.
Sereis minhas testemunhas! Estamos sentindo esta responsabilidade ainda hoje? E, se estamos, sabemos aonde ir e a quem comunicar o Evangelho? Como Paulo, certamente temos nossos planos, mas vamos apontar os ouvidos para os planos de Deus. Ele continua a agir em nossas vidas.
2. O alvo deste chamado foi a cidade de Filipos. E nessa cidade não se levou o Evangelho aos quatro ventos, querendo mudar tudo o que estava errado. A Palavra de Deus iria ser semeada no coração de uma pessoa, Lídia. Sem provocar alarme, Paulo e seus colegas dirigiram-se a um lugar de oração, insignificante para a cidade. Ali falaram do amor de Deus às mulheres reunidas. Entre elas encontrava-se Lídia, pagã, mas que tinha respeito para com o Deus dos judeus e o adorava. Essa mulher que mantinha ordem nos seus negócios, ouvia atentamente as palavras que Paulo anunciava. Na verdade, Deus é que estava agindo na sua vida, pois lhe abriu o coração.
Lembramos aqui a explicação de Martim Lutero ao Terceiro Artigo do Credo Apostólico: Creio que por minha própria razão ou força não posso crer em Jesus Cristo, nem vir a ele. Mas o Espírito Santo me chamou peio Evangelho, iluminou com seus dons, santificou e conservou na verdadeira fé. Em Jo 15.16 lemos que não fomos nós que escolhemos pertencer ao Senhor, mas ele nos escolheu para que produzíssemos frutos. Assim, a conversão de Lídia para o Senhor não foi obra de Paulo, nem dela, mas do próprio Senhor, que lhe abriu o coração.
Quão maravilhoso é, quando estamos conscientes deste caminho que Deus anda conosco. Ele abre o nosso coração, para que ouçamos a sua mensagem. Ele mesmo transforma a nossa vida para agirmos em seu nome.
Conclusão: Deus abre o nosso coração.
3. Toda pregação cristã tem como alvo o Batismo e o serviço ao Senhor neste mundo. Sem muitos rodeios, Lídia e sua casa foram batizados. Pertenciam ao Senhor e o Batismo tornou-se o selo que expressava serem propriedade de Deus, dispostos a servi-lo com seus dons nesta vida. O Batismo foi o grande presente de Deus para Lidia e seus familiares. Enquanto hoje muitos colocam obstáculos para levar alguém ao Batismo, Lidia e os seus o aceitaram como parte do seu pertencer a Deus.
Devemos vencer as muitas dúvidas com relação ao Batismo e abrir-nos mais para a ação de Deus no seu Espírito Santo. No encontro do Evangelho com as pessoas, o Batismo era consequência natural da conversão. O Batismo fazia parte da entrega a Deus. Onde Deus abre o nosso coração para ouvir, ai o Espírito Santo age no Batismo.
Conclusão: precisamos ter mentes abertas para receber o presente de Deus.
4. A conversão a Deus sempre nos confronta com o servir neste mundo. Lídia logo colocou a sua casa à disposição, para que os apóstolos nela morassem, comessem e, partindo dali, pudessem levar o Evangelho a outras pessoas. Não se trata de uma questão de formalidade. A transformação na sua vida, operada por Deus, fez com que ela abrisse as portas da sua casa.
O nosso ser cristão consiste em pertencermos a Deus com todo o nosso ser. Somos os pés e as mãos do Senhor, estendidos para o servir. Este servir começa no lar e se estende pela vizinhança, pelos locais de trabalho, pela política e pela sociedade. Ao mesmo tempo, esse agir não pode tornar-se mero ativismo, simples palavras, planos bem elaborados para mudanças radicais. Não esqueçamos que Deus abre o coração para que tudo se torne novo. E só transformados para esta nova vida e que vamos agir responsavelmente (2 Co 5.17). Paz e bem-estar para todos jamais podem ser mais importantes do que o Evangelho transformador e renovador. Hoje vemos grandes planos no campo social tornarem-se vazios nas fileiras da Igreja cristã, por não colocamos mais em primeiro lugar a ação do Espírito Santo, o qual continua a chamar e transformar pessoas para uma vida responsável no lugar onde vivem. Quando Paulo teve a visão e o chamado ajuda-nos!, ele não foi à Europa para transformar as estruturas. Ele agiu sem fazer alarde, conseguindo que Deus abrisse o coração de uma mulher. Pessoas transformadas por Deus são agentes transformadores neste mundo. Pequenos sinais — é com eles que o Evangelho age também hoje.
Conclusão: Deus quer casas abertas para agir neste mundo.
IV — Esquema para a prédica
1. Introdução: Hoje ouvimos muitos chamados para falar e agir. Corremos para cá e para lá. Cansamos e no fim perguntamos: o que resultou da correria e das muitas palavras? Vamos procurar descobrir onde hoje planejamos, falamos e nos desgastamos, sem que algo mude na vida das pessoas e do mundo.
2. Deus abre a porta: Descrever a ação de Deus. Sereis minhas testemunhas. Deus mostrou o caminho a Paulo. Vemos nós as portas abertas? Para que as usamos?
3. Deus abre o coração: O pertencer a Deus não é nosso merecimento. É obra do Espírito Santo (Terceiro Artigo do Credo Apostólico).
4. Deus abre a mente: Onde Deus age através da sua Palavra, aceitamos livremente o selo que nos marca, o Batismo. Is 43.1: Chamei-te pelo teu nome; tu és meu.
5. Deus abre a casa: Onde pertencemos ao Senhor, tornamo-nos seus instrumentos no servir. O abrir da nossa casa e de tudo que nos pertence é consequência da transformação acontecida no poder do Espírito Santo. Como Deus é o agente em tudo, precisamos perguntar constantemente como ele espera o nosso agir neste mundo. Grandes planos, muitas palavras? Ou agindo como uma pequena semente que é plantada e que produz frutos no devido tempo? Precisamos reaprender a agir na humildade e no caminho que o Senhor nos aponta, a fim de que ele possa usar-nos também nos grandes planos da sua obra. Foi o que aconteceu com Paulo, que encontrou a jovem adivinha e, mais tarde, o carcereiro e as autoridades.
V — Subsídios litúrgicos
1. Confissão de pecados: Senhor, nosso Deus! Tu nos dás tantas oportunidades para ouvir a tua mensagem, que nos transforma para servirmos a ti e ao mundo. Entretanto, nós temos tantos outros planos a realizar, que não notamos o teu chamado. Perdoa-nos por procurarmos realizar e ouvir mais o que nós queremos, e não o que tu nos dás em tua Palavra. Perdoa-nos pelo sangue de Jesus. Tem piedade de nós, Senhor!
2. Leitura bíblica: Lc 5.1-11
3. Oração de coleta: Pai celeste! Queremos agradecer-te de coração por podermos estar reunidos em teu nome. É nosso desejo que faças calar em nós tudo o que é contrário ao teu Evangelho. Dá que, pelo agir do teu Espírito, possamos receber a boa nova com humildade e disposição. Precisamos da tua orientação para podermos servir-te neste mundo. Em nome de Jesus Cristo. Amém.
4. Oração final: Senhor, nosso Deus! Louvamos e glorificamos-te, pois toda a iniciativa de transformar pessoas e o mundo vem de ti. Tu és o agente transformador. Tu penetras o intimo de nosso ser e nos capacitas para servir e agir em teu nome no dia-a-dia da vida. Sabemos que a tarefa é imensa e difícil. Mas fortalece-nos pelo poder do teu Espírito Santo, para que possamos continuar a receber a orientação da tua Palavra. Ao mesmo tempo, capacita-nos para servirmos nesta vida com os dons, com o tempo e com o tesouro que tu colocas a nossa disposição. Na nossa fraqueza, usa-nos como teus instrumentos.
— Interceder pelos doentes, pelos famintos, pelos marginalizados, pelos governos, para que possam servir para o bem-estar de todos. Pedir que, por nosso intermédio, Deus possa agir em todas as situações, onde ele nos coloca.
VI — Bibliografia
– BÜRKLE, H. Meditação sobre Atos 16.9-15. In: Calwer Predigthilfen. Vol. 10. Stuttgart, 1971.
– DEHN, G. Meditação sobre Atos 16.9-15. In: Herr, tue meine Lippen auf. Vol. 4. 5. ed. Wuppertal-Barmen, 1965.
– STÄHLIN, G. Die Apostelgeschichte. In: Das Neue Testament Deutsch. Vol. 5. 10. ed. Göttingen, 1962. – VOIGT. G. Meditação sobre Atos 16.9-15. In: Die neue Kreatur. 3. ed. Göttingen. 1977.