Série: Quer seja oportuno, quer não
Outubro
Tema: Criança, não verás país nenhum como este!
Explicação do tema: Outubro é o mês em que a criança é homenageada, exaltada, celebrada como futuro da nação. Nos mais diferentes âmbitos a data de 12 de outubro é festejada, conferindo à criança uma posição de destaque.
A realidade em que vive a grande maioria das crianças em nosso País, porém, nos mostra um quadro totalmente diferente. Este quadro reflete de maneira concentrada as ameaças que pairam sobre a vida dos brasileiros em geral. Abandono, miséria, exploração, marginalização, fome e morte fazem parte deste retrato, que exige de nós, a partir do Evangelho, uma tomada de posição e a procura por uma nova perspectiva, que não seja meramente assistencialista, mas que busque o suprimento básico dessas carências.
Texto para prédica : Êxodo 1.8-22
Autora: Ana Maria Koch
I — Análise histórica
Já aí, a agricultura era uma indústria, e os donos das terras seguiam o sistema da Roma antiga, conquanto não o soubessem. Importavam escravos, conquanto não os chamassem de escravos: chineses, japoneses, mexicanos, filipinos. Eles vivem de arroz e feijão, diziam os negociantes. Não precisam de muita coisa para viver. Nem saberiam o que fazer com bons salários. Ora, veja como eles vivem. E se eles se tornarem exigentes, a gente os expulsa do país.
E as propriedades cresciam cada vez mais e os proprietários iam simultaneamente diminuindo. E haviam miseravelmente poucos fazendeiros nas terras. E os escravos importados passavam fome e eram maltratados e sentiam-se apavorados, e alguns regressavam aos lugares de onde tinham vindo, e outros rebelavam-se e eram assassinados ou deportados. E as propriedades cresciam e diminuía a quantidade dos proprietários. … (Steinbeck, p. 281)
Observando a história da Humanidade, através de dados ou de relatos, podemos notar que ela registra os momentos de mudança, suas consequências, e o processo histórico pelo qual passa um povo nesse período de mudanças. É isso que importa percebermos na história do Egito, se quisermos compreender o que se passou com os hebreus (termo que designa o povo estrangeiro na terra; Bright, p. 119) no Egito e, com isso, o texto de Êx 1. Portanto, vejamos a história do Egito e a situação dos hebreus.
O Egito aparece como império, como poder unificado sob um controle central, nos sécs. 29 a 23 a. C., um poder baseado no direito divino. A base desse poder se calca na agricultura, na organização centralizada dos celeiros e do abastecimento, e na necessidade de regulação do rio Nilo através de obras de alto custo, pois o Nilo é fator essencial para o favorecimento da produção agrícola. A organização social tem no topo o rei e sua família, camadas intermediárias de funcionários e na base os agricultores, que acumulavam a função de construtores (mão-de-obra).
Depois do auge, o Egito passa a um período intermediário (sécs. 22 e 21) de anarquia política, com o poder sofrendo descentralização e, ao mesmo tempo, havendo expansão comercial com áreas na Ásia e África. Há lutas internas pelo poder e, neste período, começa a infiltração de tribos nômades asiáticas no delta egípcio. Num período de conflitos, ascendem dois grupos ao poder, formando-se reinos no Norte e no Sul do Egito, com a predominância política surgindo no Sul.
Esta predominância inaugurou um novo período de unificação (sécs. 21 a 18), caracterizado pelo fortalecimento político e prosperidade interior, pela agressividade comercial no exterior, também significando a existência de um exército e o controle de rotas comerciais e das tribos nômades em parte da Ásia. Este período caracteriza-se também por um descrédito e desprestígio da monarquia.
Um segundo período intermediário (1785 a 1570 a.C.) mostra o Egito sofrendo uma infiltração progressiva pelas tribos nômades estrangeiras, reunião heterogênea dos habitantes da Ásia ocidental (semitas em sua maioria, mas não todos) (Cassin, Vol. 1, p. 309). Estes hicsos penetraram pelo delta, chegando a quase todo o território egípcio, com tal influência política, a ponto de estarem nomeando rei a um dos seus… Tinha sua sede em Mênfis e recebia tributo do alto e baixo Egito. (Cassin, Vol. 1, p. 310) Característica deste período é a coexistência e até assimilação de costumes (também religiosos) entre o povo estrangeiro e o egípcio, primeiramente sob reinado egípcio e depois sob reinado hicso. Nesse período surgiram inovações, particularmente no exército, com a introdução do uso do cavalo por parte dos hicsos. Como reação a este seu crescente poder, ressurgiu e cresceu uma nova força política egípcia vinda do Sul, de caráter nacionalista, que acabou por impor-se (com a ajuda de tropas mercenárias) num pais onde grande parte dos egípcios estavam mesclados por interesses aos estrangeiros hicsos. Esta força política egípcia, buscando a centralização, pela força, expulsa aos hicsos.
Essa centralização caracteriza a época imperialista do Egito (a partir de 1550), época dentro da qual se deu o Êxodo, a saída (La Nueva Bíblia Latinoamericana, p. 67), não registrada pelos egípcios (Cassin, Vol. 1,p. 241).
Na primeira das duas dinastias, o Egito volta a se impor sobre as áreas vizinhas, dali buscando cativos para suas atividades construtoras e sufocando rebeliões internas, trazendo assim prosperidade para o Império Novo, na religião, arte, cultura e política. Este decai com o último herdeiro dessa dinastia, mais preocupado com mudanças teológicas (Cassin, Vol. 2, p. 215-224), mudanças de teor político nas mãos de grupos sacerdotais. Como reação, surge a segunda dinastia. O novo rei provém das fileiras do exército — é general! (Cassin, Vol. 2, p. 226) — e seu herdeiro (Ramsés l) tem a tarefa de enfrentar aos inquietos vizinhos orientais do Egito na Palestina e Síria (Cassin, Vol. 2, p. 227). Destacam-se neste período as atividades construtoras. Com o crescimento do Império, a política externa do Egito, nesta época, marca-se por um perigo iminente de confronto com o império hitita, resultando disso confrontos e acordos, e havendo necessidade de estabelecer posições, de ambas as partes, na área intermédia da Ásia, onde Canaã se sobressaía. Sethi l (1308-1290) penetrou no começo do seu reinado em Canaã e empreendeu diversas campanhas para submeter aos príncipes rebeldes e às tribos nómades do shasu, que apareceram sobretudo nas regiões periféricas do sul e nas montanhas. Ao mesmo tempo, conteve a expansão do poder hitita para a Síria meridional. (Cassin, Vol. 2, p. 169). Mais tarde, Ramsés II firmou tratado de paz com os hititas; uma paz instável, ameaçada por cidades rebeldes, na Galileia e em outras áreas, e por rebeliões internas, no sul do país. (Cassin, Vol. 2, p. 170)
O que mais nos interessa neste período (Conforme Cassin, II e Bríght) é a existência, na Palestina e regiões adjacentes, de convulsão social, fator preocupante para os egípcios Imperialistas. Esta convulsão é causada por grupos dissidentes, têm lugar de destaque entre os subversivos os Apiru… estes não representam uma invasão recente de nômades do deserto como muitas vezes se pensou. Antes, parecem ser hordas de subversivos formados pela escória da sociedade — gente inquieta sem lugar definido na ordem estabelecida, cujo número aumentava… com os escravos fugitivos, com mercenários mal pagos ou descontentes de toda espécie… (Bright, p. 14l)Conforme Cassin (Vol. 2, p. 178), a denominação Apiru… designava uma camada inferior de apátridas que não tinham lugar no marco social normal, se aplican¬do a elementos semitas-cananeos também instalados dentro do Egito. Estes apiru foram utilizados na construção das cidades-armazém do Império (Pi-Atôn — Casa do Deus Aíón e Casa de Ramsés, o amado de Amóm) e nos trabalhos necessários. (Cassin, Vol. 2, p. 178)
II — Análise do texto
Os homens que tinham sido expulsos de suas terras e vagavam pelas estradas formavam agora um povo em migração… Reinou pânico no oeste quando se multiplicaram os homens nas estradas. Os proprietários receavam pelas suas propriedades. Homens que jamais tinham sentido fome viam os olhos de esfaimados… E os homens das cidades, e dos campos suburbanos que rodeavam as cidades, organizavam-se para a sua defesa. Tinham estabelecido que eles eram bons e que os outros, os das estradas eram maus e deviam ser combatidos. Diziam: são uns malditos okies, uns ignorantes, sujos. São uns degenerados… Não têm senso do direito da propriedade. E era certo esse último julgamento, pois de que maneira um homem que nada possui pode compreender as preocupações dos que possuem alguma coisa? E os que se defendiam diziam: são uns imundos, que espalham epidemias. Não podemos deixar que os filhos deles frequentem a mesma escota que os nossos filhos. Eles são estranhos. Que é que tu ia dizer se a tua irmã saísse com um deles? (Steinbeck, p. 345s).
O texto compreendido no cap. 1 tem um caráter fundamental para a compreensão do êxodo (e não só para o êxodo dos filhos de Israel!).
Depois de situado historicamente, este relato chama a atenção por catalisar a situação vivida pelo povo estrangeiro no Egito. Sob um período imperialista, que a história egípcia relata como de grandes feitos e conquistas, a história dos apátridas vai contar como é o outro lado da moeda. E o faz concentrando períodos e contando a história; não para reconstruí-la e, no entanto, com uma intenção definida. O povo oprimido não tem do que se vangloriar; ele conta o seu sofrimento e as formas até inéditas ou casuais pelas quais saiu deste sofrimento.
O texto fala do povo como os filhos de Israel. Temos que considerar que foi todo um povo heterogêneo, aparentado entre si de semi¬tas e cananeus, que sofreu a opressão. Toda esta diversidade é concentrada sob este título, e um grupo deste povo logra escapar desse sofrimento e se apropria da história, reunindo forças sob uma tradição. Os grupos existentes são assimilados numa intenção subjacente.
Chamam a atenção os vv. 13 e 14 que, não destoando completamente do relato, reforçam e especificam o v. 11. O vocabulário expressa o sofrimento do povo no emprego de termos como afligir (Almeida) e oprimir (Bíblia de Jerusalém) no v. 12, ou com o título, dado aos egípcios, de feitores de obras (Almeida), inspetores de obras (Bíblia de Jerusalém) ou capataces (Bíblia Latinoamericana) no v. 11, deixando transparecer o conhecimento da inquietação egípcia e da sua ação contra os filhos de Israel (cf. v. 12).
A preocupação do relato vai ficando clara à medida que especifica a ação egípcia, de acordo com a sua percepção: a de que o povo oprimido se multiplicava e tornava-se impossível dominá-lo. Do ponto de vista do império, é o processo de empobrecimento que multiplica o povo e não a sua reprodução natural (nascimentos). Com isso temos sob enfoque os w. 15 – 22, onde a política do império não é a de estancar o processo de empobrecimento (p. ex., pela distribuição da terra aos apiru, famintos de terra e sem status, Bright, p. 122), mas de eliminar o aumento dos empobrecidos, pois um número controlável deles é necessário (v. 10: para que não saiam do país) para a manutenção do próprio império e a continuidade e aumento do seu poder.
No v. 15 o rei do Egito chama as parteiras das hebréias. É discutido aqui se as parteiras são egípcias ou hebréias também. Esta questão no entanto, só encontra sentido num contexto político. O encontro relatado no v. 15 ressalta a existência de interesses de dois grupos (ou classes) distintos; o rei do Egito, representando o novo reino, que ganhou o poder e tem caráter nacionalista; as parteiras, representando o povo mesclado, que perdeu o poder e é a reminiscência da situação política anterior. (Bíblia de Jerusalém: Sifra e Fuá são nomes egípcios das parteiras das estrangeiras). E da existência dos interesses surge o confronto (v. 16-19), um confronto de classes.
O texto, ao relatar a história (que não pode ser comprovada por ciados), vai evoluindo para salientar o processo crescente de empobrecimento e também a agressividade do império na procura pelo seu controle; Faraó, no v. 22 (como no v. 11) representa mais do que a vontade de um rei, representa o poder do palácio, a política dirigente que quer — ou precisa — se impor. Ao lado dos estrangeiros (o texto não é restritivo aos filhos de Israel aqui) está também um poder (temeram a Deus, v. 17 e 21; Deus favoreceu, v. 20). Devemos perguntar se este poder corresponde â tradição religiosa vivida antes da entrada no Egito e do processo de assimilação e que ressurge com o confronto.
Podemos considerar o texto como relato do amadurecimento da consciência de uma situação. O reconhecimento de uma crise existente no império exige solução. Essa solução não é a mesma para os grupos que participam da crise. O rei busca solução; as parteiras não fazem o que o rei ordena (v. 17). Este ato de subversão não é apolitico. Temos que associá-lo aos dados da história egípcia, que contam de sublevações generalizadas no pais e fora dele pelos grupos oprimidos, e do recrudescimento da ação (v. 22) controladora.
III — Análise da temática: Criança, não verás país nenhum como este!
La mala racha pasará pronto — dijo Adalberto de Gumucio.— Para mi, no — El hacendado hizo crujir los huesos de sus dedos —. ¿ Saben cuántos se han marchado de estas tierras en los últimos anos? Cientos de famílias. La sequia del 77, el espejismo de los cafetales del Sur, del caucho del Amazonas, y, ahora, el maldito Canudos, ¿ Saben Ia cantidad de gente que se vá a Canudos? Abandonando casas, animales, trabajo, todo? A esperar allá el Apocalipsis y Ia Ilegada del Rey Don Sebastián — Los miro, abrumado por Ia imbecilidad humana.—. Les diré Io que vá a ocurrir, sín ser inteligente. Moreira Cezar impondrá a Epaminondas de Gobernador de Bahia y él y su gente nos hostilizarán de tal modo que habrá que malvender Ias haciendas o regalarias, e irse también.Vargas Llosa p. 185).
O impasse causado pela crise no império egípcio, conforme o texto, não é único ou inédito. Vargas Llosa, escrevendo sobre a fuga do povo nordestino para Canudos por causa da república, ou Steinbeck escrevendo sobre o êxodo rural para o oeste norte-americano por causa do crescimento das empresas latifundiárias assinalam outros dos tantos exemplos de consequências desse processo de poder.
E este processo mostra o mais amargo do seu gosto na opressão dos pobres da terra, quando intenta, como solução, além de lhes sugar toda a força, eliminá-los. É sob este prisma que o Faraó vê as crianças hebréias. E sob o mesmo prisma vivem as crianças brasileiras hoje. Na nossa cultura as crianças são mostradas como a representação do futuro. Mas, qual futuro? São mostradas como o vislumbre de esperança da nação. Mas, que esperança? Talvez isso não deixe de ser verdade, mas é urna verdade parcial do império. Se olharmos a realidade de outro ponto, divisaremos algo diferente. Hoje, por exemplo, se olharmos para as crianças das escolas evangélicas particulares, poderemos ver esta representação de futuro brilhante que nos impingem; mas, se olharmos para a realidade em que vivem as crianças a partir das periferias das grandes cidades e do interior agrícola, veremos, não o futuro ou sua miragem, mas as crianças mostrando um presente em agonia.
Em Alvorada vivemos diariamente esta agonia, como em todas as cidades brasileiras de periferia. Crianças crescendo com frio e fome, sem escola e, muitas delas, com passagem comprada para as penitenciárias estaduais ou cemitérios. Crianças que não prometem esperança, pois seus pais já agora estão desempregados ou perderam seu emprego por terem reivindicado melhores salários, melhores condições de trabalho.
E nós escutamos também, muitas vezes, frases como estas, frases que são sentenças, sobre estas crianças e suas famílias: — Para quê esses pobres têm tantos filhos? — Tantas famílias bem situadas economicamente não podem ter filhos e Deus dá filhos a estas mulheres que não os merecem; que nem sabem cuidar deles. — Por que o governo não castra esses homens bêbados que só sabem fazer filhos e não obriga as mulheres a tomar pílula? — Com essa assistência social que estamos dando vamos só criar vagabundos bem-nutridos. Precisamos educá-los longe dos pais!
Não podemos esconder de nós mesmos que a atitude de Faraó é a nossa atitude hoje, infelizmente. O texto de Êx 1 quer desvendar isso, mostrando que o aumento da população não é a causa da miséria, mas a sua consequência. Se nós vemos aumentando o número de miseráveis na terra e se esse número se torna ameaçador é por estar sendo centralizado cada vez mais o poder: os bens da terra.
Os dados estatísticos que mostram nossa situação econômica e social hoje interessam ao governo (como Êx 1.9); o povo vive das histórias, remendos que vão se juntando um ao outro e formando o tecido. Histórias como a de Lázaro, menino-homem, mulato de 16 anos — promessa de futuro — que encontrei uma manhã dentro de um cano grande de esgoto, onde se refugiou da chuva na noite em que fugiu de casa, Ele e o irmão, aos 2 anos, foram dados pela mãe quando se ajuntara com outro homem. Cresceu numa família que o recebeu e estudou o 1 ° ano só. Agora foi mandado embora, pois já está grande. Conversando com ele, no pátio de uma das tantas empreiteiras de obras em Alvorada, onde fomos buscar emprego para ele, contou que trabalhava numa oficina de chapeação, mas que agora ia no canteiro de obras, pois lá na oficina não dá, lá eles carneiam a gente.Ou, como a história de Rosália, menina-mulher de 14 anos, branca — promessa de futuro — que gostava de estudar, mas teve que parar na 4ª. série, pois na vila só tem escola até ali. Precisa cuidar dos 5 irmãos menores, enquanto a mãe trabalha numa fábrica de costura para sustentar a casa, depois de abandonada pelo companheiro. Uma família de 7 pessoas que moram numa casa de três por três metros, construída num terreno alugado. Ou do Miguel, preto, de idade incerta, que estava na FEBEM e quando fugiu de lá, pois quiseram forçá-lo a ter relações homossexuais, chegou na vila e não encontrou mais a família nem a casa, e que agora mora numa latrina abandonada. Não tem documentos, nem pode tirá-los, pois é preciso alguma referência da família sobre o primeiro registro. Menino que quando chegou até nós só dizia, obstinadamente! eu não posso fazer nada, se alguém se meter comigo eu mato, mas aquele que tá lá em cima sabe.
A crise do nosso sistema hoje, como a do império do Faraó, não tem ainda solução. Tem o problema e uma atitude predominante tomada com relação a ele: a atitude imperialista; mas o texto também não fecha as portas para a solução: uma solução que nasce pela mão das parteiras e que cria vida (v. 21) pela mão de Deus.
IV — Por quê deixam com vida as crianças?
— Calma, tu deve ter paciência. Olha, Tom, a nossa gente estará viva ainda quando já esse pessoal não existir mais. Nós vivemos, Tom, iremos viver sempre. Ninguém nos pode destruir. Nós somos o povo, vamos sempre prá diante.
— Sim, sempre apanhando. Mãe riu.
— É isso mesmo. Talvez seja por isso que a gente se torna tão forte e rija. Aquela gente rica é criada e morre, e seus filhos não prestam e se extinguem. Mas nós, Tom, nós continuamos a
avançar. Não perca a calma, Tom. Outros tempos vêm chegando.
— Como é que a senhora sabe disso?
— Sei lá! Só sei que sei. (Steinbeck, p. 343)
O texto de Êx 1 é a denúncia de uma sociedade que não é povo de Deus. Apresenta drasticamente esta vergonha e exige que nós a apresentemos â comunidade, com a intenção de modificá-la. Denúncia de uma grande mentira que nos é imposta por um poder que não vem de Deus, que desvia o nosso olhar para sentimentos de beleza e grandiosidade e não nos deixa ver a podridão da sociedade em que vivemos. Denúncia da morte que resulta desse poder, do ponto a que se chega quando nem mesmo a vida mais desprotegida, a das crianças, é respeitada.
A pregação deve apresentar essa denúncia. Mostrar o compromisso do cristão e suas consequências e chamar a atenção da comunidade para o seu procedimento. Questionar o objetivo do trabalho assistência! que se faz, por exemplo, em creches, nas escolas, nos centros sociais e no trabalho paroquial, e perguntar se não há necessidade de dar passos em outra direção, passos que não mascarem o problema da nossa sociedade, mas que propiciem uma mudança.
A Igreja recebeu de Jesus Cristo a tarefa de caminhar com o povo, de acompanhá-lo. Ela deve pensar sobre o que está ocorrendo e pôr-se a caminho.
Deus vai caminhar com seu povo, como tez sempre, com Moisés, com Cristo. A Igreja deve proteger a vida, como as parteiras das hebréias, como José quando fugiu de Herodes. Será que a Igreja vai saber temer a Deus?
V — Subsídios litúrgicos
1. Confissão de pecados: Nosso Deus. nosso Pai, nós hoje nos apresentamos diante de ti e vimos, iodos, com o coração dolorido, pois, em lugar de estarmos assistindo o surgimento da vida na bênção que dás a cada criança, estamos repetindo o mesmo erro daqueles que querem contrapor o próprio poder ao teu. Não reagimos contra a subnutrição, contra o analfabetismo, contra a morte. Não deixamos que tu reajas através de nós. Ajuda-nos a reconhecer o nosso erro. Ajuda-nos a partilhar o sofrimento e a compartilhar esperança. Ensina-nos a clamar por ti. Tem piedade de nós, Senhor!
2. Oração da coleta: Pai, nós queremos assumir diante de ti o compromisso pela vida de nossos irmãos. Nós sabemos que esse compromisso não é somente o de dar aquilo que permite a simples sobrevivência do outro, mas sim o de buscar, junto com os irmãos, a existência cheia de vida que tu favoreces quando obedecemos a tua vontade. Nós te agradecemos porque tu nos ensinas isso a cada dia. Amém.
3. Leitura bíblica: Mc 10.13-16. Lc 2.22-32.
4. Assuntos para a oração final: agradecer pelas atitudes tomadas durante a história do Povo de Deus que vão contra o poder imperialista dos homens, o poder des-humano, como a atitude das parteiras contra o Faraó, como o das loucas mães da Praça de Maio, como a de A. P. Esquivel ou de Madre Tereza de Calcutá, como a dos operários grevistas e dos posseiros que reivindicam terra; tomara que possamos agradecer por exemplos de nossa própria comunidade; pedir por ajuda para que nossas creches não sejam instrumento de controle da estabilidade social do nosso império, assim como nossos trabalhos assistenciais, controles que impedem a nossa saída em busca do caminho para o Reino de Deus, apontado por Jesus Cristo; dar glória a Deus, que sempre de novo abre portas na sua Igreja para dar passagem ao povo e o faz numeroso e pródigo em posteridade.
VI — Bibliografia
— BRIGHT, J. História de Israel 2a ed. São Paulo, 1978.
— CASSIN, E. et allii. Los Impérios del antiguo Oriente. Vol. 1. 10ª. ed. e Vol. 2. 5a ed. Espanha, 1970.
— LLOSA, M.V. La Guerra del fin del Mundo. 4ª. ed. Barcelona, 1981.
— STEINBECK, J. As vinhas da Ira. S. Paulo, s.a.