Prédica: Romanos 6.19-23
Autor: Ricardo Nör
Data Litúrgica: 8° Domingo após Trindade
Data da Pregação: 12/08/1984
Proclamar Libertação – Volume: IX
I — O encontro com a Palavra
Uma turma de alunos do 1 ° grau (7a e 8a séries) e dois grupos de senhoras (OASE), compõem o quadro de referência que é ponto de partida e base para o presente estudo. A tradução adotada é a da Bíblia na Linguagem de Hoje.
Os estudantes procederam, após a leitura do texto, a um levantamento comparativo e estatístico de termos, começando com o último versículo:
— salário x presente de Deus,
— morte x vida eterna,
— pecado x união.
Assim, chegaram a algumas conclusões: A vida eterna é presente que a gente ganha de Deus! Onde existe afastamento, distanciamento, existe pecado. O pecado é igual a desunião! O significado de pecado foi também relacionado com o termo impureza do v. 19.
Após, tratou-se do termo escravo: ser escravo da impureza, do mal, e ser escravo de Deus. Viram que a palavra aparece quatro vezes: duas vezes, relacionada ao pecado; duas vezes, referindo-se a Deus. Paulo faz uma comparação. Ele destaca dois momentos diferentes: passado e presente!
Também chamou a atenção que Paulo usa por três vezes a palavra agora (vv. 19,21,22). No v. 21, ele afirma que agora os cristãos se envergonham. Quer dizer: vivendo com Deus, eles tomam consciência de como viviam no passado: na maldade, na impureza, na fraqueza.
Coloquei a seguir uma pergunta: O que aconteceu entre o passado e o presente?.
Respostas:
— O nascimento de Jesus.
— Jesus ajudou o povo a compreender o que não estava certo: as pessoas eram escravas da impureza, da maldade, do pecado.
— Jesus deu novamente fé, esperança.
— Ele pregou união.
— Despertou novamente o amor.
— Não foram as pessoas que fizeram a mudança. Foi Jesus Cristo!
— Jesus livrou-os do pecado. Em troca, pede dedicação a ele. E como resultado disto, oferece a vida eterna.
— Aqueles que não seguiram e aceitaram a Jesus, tiveram como resultado a morte.
Um último aspecto tratado foi a expressão por causa da fraqueza de vocês (v. 19). Paulo escreve para cristãos! Isto significa que mesmo os cristãos não estão livres de praticar a maldade. Embora vivam numa situação nova, eles são fracos e sujeitos ao mal.
Até aqui, a análise dos alunos. Não abordei com eles a questão referente ao contexto, todo o complexo em torno do Batismo. Uma possibilidade de entrar neste tema seria por ocasião da pergunta o que aconteceu entre o passado e o presente? Ali, eles ligaram normalmente com a pessoa de Jesus!
O aspecto relacionado ao contexto surgiu de imediato no segundo grupo de estudo. A primeira colocação de uma das participantes foi: Como aconteceu esta mudança? O que houve no meio, entre o passado e o presente? Ao que outra participante respondeu: Jesus Cristo já pagou o preço (do pecado). Foi a partir dele que aconteceu a mudança! E trouxe também como exemplo o próprio Paulo: Este teve duas vidas: primeiro, como perseguidor de Cristo; depois, como seguidor. E, com relação aos próprios destinatários da carta, afirmou que eles tinham se arrependido e, por isso, receberam o perdão.
Neste grupo também despertou a atenção o termo escravos, especialmente, escravos de Deus. Uma integrante do grupo reagiu: Não concordo! Nós servimos a Deus porque queremos. Outras, por sua vez, fizeram as seguintes colocações:
— Nós não somos nada diante de Deus.
— Ele é dono da nossa vida.
— Deus não vai nos maltratar.
Fiz aqui a seguinte constatação: Ninguém pode viver completamente livre. Sempre seremos dependentes de algo ou alguém. Relacionei a questão também com o tema da IECLB para 1983: Eu sou o Senhor teu Deus. Neste contexto, uma participante trouxe o exemplo de uma pessoa conhecida que havia lhe dito não crer em Deus: Eu consigo comprar tudo o que preciso para viver. Qual o deus desta senhora, perguntou? E ela mesma respondeu: o dinheiro! Uma outra acrescentou: Mas isto pode terminar de um dia para o outro. Pode desmoronar.
A partir deste ponto, a conversação derivou para outros assuntos. No fim do encontro, a participante que havia feito a pergunta inicial, retomou o assunto e disse constatar a falta de um elo de ligação entre o passado e o presente! Apontei então para o contexto que desenvolve o tema do Batismo. Lemos os primeiros quatro versículos do capítulo, e fiz apenas algumas breves observações (devido à limitação de tempo): Morremos e ressuscitamos com Cristo — pelo Batismo! Somos nova criação de Deus. Por isto, vivamos a nova vida!
O terceiro grupo que tratou desta perícope (OASE de um dos bairros da cidade) igualmente começou com a pergunta: O que significa no passado (v. 19)? Respostas que surgiram:
— O passado era o tempo de escravo. Agora, é tempo de filho de Deus.
— Mas, por causa da nossa fraqueza, a gente se liga e se desliga de Deus. É como a luz elétrica: quando a chave é ligada, vem a luz. E quando a gente se desliga de Deus, também se vive na escuridão.
O termo fraqueza, do v. 19, ocupou um bom espaço na meditação. Inicialmente foi feita uma observação pessoal: Eu me sinto fraca na fé, agora, neste momento. É que a gente não se alimenta. Surgiram, então, algumas complementações:
— A paz com Deus a gente consegue alimentando-se na palavra de Deus.
— Escutar a palavra (de Deus) me dá alegria, me dá paz.
— A gente não tem condições de vencer a impureza e a maldade por si só. Deus tem que ajudar.
— Deus mandou o seu Filho ao mundo para salvar todas as pessoas da maldade.
— A pessoa escrava da maldade é fraca fisicamente. A pessoa perseguida pela maldade é atormentada pelo mal, é fraca, completamente sem ânimo.
(Esta última afirmação foi de uma senhora que esteve, segundo relato próprio, dominada pelo poder do mal. Afirmou que sozinha, pois não encontrou ninguém de confiança que pudesse ajudá-la, através de muita oração, conseguiu superar esta adversidade que a dominou por muito tempo.)
II — O anúncio da Palavra
Dois aspectos, em especial, chamaram a atenção dos grupos: os momentos antagónicos apontados por Paulo, e a situação de fraqueza dos cristãos A prédica seguiu por este caminho aberto na meditação.
No início da pregação, reportei-me à última pergunta do fascículo 3 do Curso por Correspondência Redescoberta do Evangelho: Você já pensou em como ajudar ao pastor para que a sua pregação se torne mais simples e traga ilustrações da experiência dos membros?
Destaquei a necessidade daquele que recebe a tarefa de pregar publicamente a Palavra de Deus, saber o que as pessoas pensam, quais são as suas dúvidas e perguntas, o que para elas chama a atenção e é considerado importante. O pregador deve olhar para a boca das pessoas. (Lutero) Citei também um exemplo de Lutero: um pastor falou durante toda a prédica das vantagens do casamento, mas não se deu conta de que estava falando para senhoras idosas de um asilo.
Após esta motivação inicial, fez-se a leitura do texto.
A pregação desenvolveu-se a partir das perguntas levantadas nos grupos em torno da mudança ocorrida nos cristãos: Como aconteceu esta mudança? O que houve no meio, entre o passado e o presente?
Paulo indica para os dois momentos de vida que são completamente diferentes e mesmo contrários entre si: Antes, a realidade era uma. Agora, é outra, bem diferente! Antes, vocês estavam vivendo de tal maneira, que hoje só podem estar mesmo envergonhados. E o pior de tudo, é que aquela vida que vocês levavam tinha por fim a morte. Agora não é mais assim! Agora, vocês estão libertos de tudo aquilo e estão vivendo uma vida nova. Uma vida que não vai acabar com a morte. Uma vida que vai continuar, que não vai terminar nunca mais!
Antes, eram escravos do pecado, o que leva à morte. Agora, escravo de Deus, o que conduz à vida. Dizendo esquematicamente:
escravo do pecado — vida para a morte,
escravo de Deus — vida para a vida.
Fato significativo foi que em todos os grupos, de uma forma ou outra, se fez a ponte com a pessoa de Jesus Cristo! Aqui, transcrevi li¬teralmente as diferentes afirmações feitas pelos participantes. Tenho procedido assim já em outras oportunidades e a experiência tem se mostrado válida.
Após as citações, indiquei para a necessidade de se considerar também o que Paulo escreve no inicio do capítulo (contexto). Foram de¬senvolvidos, então, alguns pensamentos importantes do Batismo.
Na segunda parte da prédica, tratou-se da questão levantada no início da pericope: Falo como homem por causa da fraqueza de vocês. Como ilustração, foi citado o exemplo muito feliz dado por uma das participantes: Por causa da nossa fraqueza, a gente se liga e se desliga de Deus …. Seguiu-se a descrição da nossa realidade como cristãos: É isto mesmo! Vivemos entre a luz e a escuridão. Somos fracos e nos desligamos frequentemente de Deus. A vida de santidade, como diz Paulo, é a vida com uma nova orientação e sentido. E esta vida já acontece agora, no meio da poeira deste mundo. Não seremos santos só no céu!
Deixar para trás a velha vida que termina com a morte — e que já é morte! — e viver a nova vida de renascidos. Dedicar o corpo e os membros em favor da vida: As mãos que antes estavam fechadas para acusar e ferir, agora se abrem para ajudar e curar. Os olhos que antes enxergavam o outro com ciúme e inveja, voltam-se agora para o sofrimento e as necessidades do irmão. Os ouvidos que antes procuravam o comentário malicioso e a fofoca destrutiva, se dirigem agora para as preocupações, dúvidas, anseios do próximo. A boca que antes insultava e destruía, agora fala daquilo que constrói, levanta, e promove o convívio humano.
Em tudo isso, é a nova vida acontecendo concretamente! Nós já fomos libertados por Deus. Ele já nos tirou da escravidão. Somos agora seus filhos. Então, vamos viver como filhos de Deus!
O encerramento da pregação procurou motivar, a partir de uma atitude de arrependimento, para a necessidade de reorientarmos constantemente a vida com base naquilo que Deus fez conosco no Batismo.
III — Subsídios litúrgicos
1. Intróito (introdução): Vocês são a raça escolhida, sacerdotes do Rei. a nação santa, o próprio povo de Deus. Vocês foram escolhidos para anunciar as obras de Deus, que os chamou da escuridão para a sua maravilhosa luz. Antes não eram povo de Deus, mas agora são o seu povo. Antes não conheciam a misericórdia de Deus, mas agora já receberam a sua misericórdia. (1 Pe 2.9s). 2. Confissão de pecados: Senhor, nosso Deus, reconhecemos a nossa fraqueza. Praticamos atos que não dignificaram a nós, aos nossos semelhantes e a ti. Oferecemos o nosso corpo, com pensamentos e ações bem concretas, ao que é impuro, nocivo, prejudicial, mau. Embora chamados por ti mesmo de filhos, já por ocasião do nosso Batismo, deixamos de levar a sério o que tu fizeste conosco. Caímos muitas vezes, também nesta semana que passou:cometemos injustiças, passamos por cima de outros, ferimos o irmão. Assim, ofendemos a tua santa vontade e manchamos o teu nome. Senhor, estamos envergonhados pelo que fizemos. Não somos merecedores do teu amor. Tem piedade de nós, Senhor!
3. Absolvição (anúncio da graça): Assim diz o Senhor: Ainda que os pecados de vocês são como o vermelho (cor de sangue), eles se tornarão brancos como a neve. Ainda que são vermelhos, se tornarão como a lã. (Is 1.18)
4 . Oração de coleta: Deus misericordioso e bom! Escravos da impureza e da maldade, o nosso fim era a morte. Mas tu nos libertaste do pecado e nos tornaste teus filhos. Somos agora escravos do teu amor. Amor que levanta, que dignifica, que dá vida. Com Jesus Cristo crucificado e exaltado, tu tornaste isto possível. Agradecemos-te e louvamos-te por agires assim conosco. A ti, Deus Pai, Filho e Espírito Santo, toda a honra e glória. Amém.
5. Assuntos para intercessão: por aqueles que permanecem presos à escravidão da impureza e do mal; pelos que estão envergonhados, mas não encontram compreensão e apoio na comunidade cristã; por nós, que caímos, e não podemos, sozinhos, sair da escravidão do pecado; peia comunidade, pelo Povo de Deus, para que ofereça sua vida em favor da promoção do Reino de Deus; acrescentar concretizações especificas da situação local.
IV — Bibliografia
– HOLTZ, J. Meditação sobre Romanos 6.19-23. In: Calwer Predigthilfen. Vol. 12. Stuttgart, 1973. Recomendo a leitura do auxilio homilético de SPERB, U. sobre esta perícope. In: Proclamar Libertação, Vol. V. São Leopoldo, 1979.