Reforma luterana hoje. Traduzindo as intenções do reformador para os nossos dias.(*)
Martin N. Dreher
1.
a. O título desta palestra já delimita bastante seu conteúdo. Queremos falar da Reforma luterana em nossos dias, traduzir aquilo que acontece com Martim Lutero em 1517. Quem era este Martim Lutero de 1517? Era um monge agostiniano. ¨irmão Martim¨. Somente em 1523 é que ele tirou seu hábito de monge. Este irmão Martim nos queremos acompanhar. Não vamos fazer grandes reflexões teológicas. Vamos acompanhar o irmão Martim. Queremos entender sua fé, para podermos compreender nossa fé.
b. Antes de nos lançarmos a esta empreitada. temos que fazer uma outra colocação. O irmão Martim não quis criar uma Igreja Luterana: ele também não quis uma Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil. A Reforma não é propriedade nossa: ela se deu dentro da Igreja Católica, dessa Igreja que é mãe comum de Luteranos e de Católico-Romanos. Além disso, uma coisa ainda deveria gravar-se em nossas mentes: Esta Reforma deu-se dentro de um convento. A Igreja Evangélica-Luterana é apenas uma consequência desta Reforma. A partir daí fica a pergunta: Será que esta nossa Igreja Luterana corresponde, hoje, às intenções, às descobertas do reformador?
c. Uma terceira colocação: Ninguém que leve o Evangelho a sério pode deixar de observar a Reforma, a partir da palavra de Deus, que está ocorrendo na Igreja Católica Romana. Não é por acaso, creio eu, que hoje quem mais pesquisa Lutero são teólogos católico-romanos. Quando estive estudando em Munique (Alemanha) e queria ouvir uma boa palestra a respeito de Lutero, dirigia-me à Faculdade Católica de Teologia! Ali não aparecia mais a imagem de um Lutero neurótico, monge fugido do convento, herege, que encontrávamos na pesquisa católica até há alguns anos atrás. Este Lutero foi posto no lixo. Hoje há a preocupação pelo monge Lutero que quis reformar a igreja-mãe do século XVI, a mãe de católicos e luteranos. Dentro de mais alguns anos teólogos católicos talvez nos perguntem: Onde ficou o irmão Martim na Igreja Luterana?
2.
O pastor e filósofo luterano dinamarquês Sören Kierkegaard escreveu, certa vez, em seu diário: A primeira função do cristianismo é levar ao convento do qual Lutero saiu (1). Realmente, quem quer compreender a Reforma hoje tem que retornar ao quartinho de eremita no Convento Agostiniano de Erfut ou de Wittenberg, onde irmão Martim morou a partir de 17 de julho de 1505. A entrada no Convento de Erfurt foi motivada por um temporal, no qual Lutero fora envolvido quando caminhava de Mansfeld, residência de seus pais, para Erfurt, cidade onde estudava Em meio ao temporal ele exclamou: ¨Santa Ana, ajuda-me e eu serei monge¨ (2). Não sabemos mais se foi apenas o medo ou se também conflitos religiosos íntimos o levaram a sua promessa. Fato é que ele ingressou no convento. Ele que nascera a 10 de novembro de 1483 e que estava iniciando seus promissores estudos de direito, resolveu tornar-se monge. Ali, no convento, nós o queremos acompanhar e compreender.
Sua vida no convento é seria, devota e dedicada. Ali, neste convento, porém. existem algumas pessoas que nos causam pena São os confessores de Lutero e seus irmãos de ordem religiosa. Essas pessoas nos causam pena porque o irmão Martim vivia correndo até eles a fim de confessar seus pecados, sempre atribulado, cheio de culpa. Quando eles lá não se encontravam ele lhes escrevia para confessar sua culpa. Diz ele: ¨Quando eu era monge escrevi muitas vezes ao Doutor Staupitz e, certa vez escrevi-lhe: Oh, meu pecado, pecado, pecado?¨ Depois ele me respondeu o seguinte: ¨Queres viver sem pecado e não tens nenhum pecado verdadeiro! Cristo é o perdão do verdadeiro pecado, como matar os pais. blasfemar publicamente, desprezar a Deus, adulterar, etc.: isto são verdadeiros pecados. Tens que ter um registro onde se encontram os verdadeiros pecados. caso Cristo te deva auxiliar: não deves andar per aí te preocupando com obras mal feitas e pecados de boneca e fazendo de caos peido um pecado!¨(3). A resposta do superior Staupitz, dos confessores e irmãos de ordem de frei Martim mostra que eles não compreendiam o que ocorria no íntimo desse confuso irmão. Ele juntava tudo o que descobria de pecado em si e corria com isso ao confessor. O que judiava dele era a sua situação de pecado diante de Deus (coram deo), a revolta contínua do homem natural contra Deus, Seus confessores, irmãos de ordem e ele próprio não o conseguiam entender. Diz ele, em outra oportunidade: ¨Nós cansávamos os confessores, enquanto que eles nos atemorizavam com suas absolvições condicionais: ‘Eu te absolvo peio mérito de nosso Senhor Jesus Cristo por causa do arrependimento do coração, da confissão da boca, da satisfação de tuas obras e da intercessão dos santos, etc.’ Esta condição provocava todo o mal. Pois nós fazíamos tudo isso por medo de Deus, para sermos justificados — sobrecarregados com incontáveis prescrições humanas¨(4).
Mais tarde nós encontramos um homem que vive na liberdade cristã, um homem que experimentou o perdão de graça e por graça Esta experiência foi Reforma. Mas esta experiência foi uma luta travada no convento, no quartinho de monge, no confessionário.
O fato de Lutero haver descoberto o perdão de graça e por graça, que lhe permitiu viver a liberdade cristã, não nos deve levar a desconsiderar um fato em sua vida que deve ser de importância para nós que perguntamos pela Reforma hoje. Constato: Até o fim de sua vida. Lutero continuou com o hábito de confessar-se regularmente. Ele não eliminou os confessionários aas igrejas evangélicas e designava simplesmente de ¨porco¨ a todo aquele cristão que não mais ia ao confessionário (5). Frei Martim, tendo descoberto o perdão dos pecados como dádiva graciosa. sabia que mesmo vivendo na graça da fé o cristão permanece preso ao pecado necessitando, por isso, continuamente do perdão.
Refletindo Reforma hoje, ternos que lamentar o estrangulamento vergonhoso a que estão submetidos a confissão e o anúncio do perdão dos pecados em muitos cultos evangélico-luteranos. principalmente quando nos lembramos da menção que Lutero faz do ¨porco¨. O pecado e o seu perdão quase não são mais concretos em nossos cultos. O berço da Reforma, o confessionário, justamente ele, se atrofiou na Igreja Luterana!
Não quero discutir aqui a respeito de uma reintrodução da confissão particular na Igreja Luterana. O povo luterano desacostumou-se da confissão. E não se pode reintroduzi-la sem mais nem menos.
Fato é que no confessionário frei Martim viu destruída toda a justificação pelas obras. Ali ele se sentiu nu diante de Deus. Ali ele compreendeu que não podia ficar se escondendo atrás de pecadinhos, fazer satisfação por eles e conseguir perdão, brincando de esconde-esconde com Deus. Ali se evidenciou para ele que pecado não são estas ou aquelas pequenas coisas que faço ou deixo de fazer, pecado é minha situação diante de Deus. Esse pecado é concreto. Não nos podemos esconder atrás dele. E, quando nos escondemos atrás dele somos levados ao desespero.
Quando falamos de Reforma hoje, este pecado tem que permanecer concreto para nós. Caso contrário não chegaremos à Reforma hoje e ela permanecerá sendo algo do passado. A situação de pecado diante de Deus (coram deo) tem, em nossos dias, muitos nomes. O desespero pelo qual Lutero passou no convento é o desespero pelo qual muitas pessoas passam hoje, quando talam da falta de sentido em suas vidas e no mundo em que vivem. Este desespero leva, hoje, a que com a falta de sentido em minha vida eu procure tirar o sentido da vida do outro, através de exploração e de muitas outras formas sutis de pecado. A falta de sentido na existência do homem de hoje e a mesma que Lutero sentiu no convento, quando se sentiu abandonado por Deus. Ali no convento ele procurava, em última análise, pela razão de sua existência, por Deus.
Este fato se evidencia naquela cena em que Lutero sacerdote ordenado, tem que rezar sua primeira missa. Diante do altar ele se vê tomado por medo e temor, pois tem diante de si sempre de novo pergunta: ¨Quem é esse com o qual estás conversando?¨(6) Este irmão Martim procurava pela realidade chamada Deus. Um homem desesperado procurava compreender Deus. E, Deus deu-lhe a conhecer a realidade de Deus, e, com isso, deu-lhe a conhecer quem era irmão Martim. A realidade de Deus passou a ser para ele graça, a realidade do irmão Martim passou a ser fé. Ali, no convento, ele encontrou o Deus misericordioso e gracioso. Esta descoberta está patente em um escrito de frei Martim de 1520, uma das pérolas dentre as suas obras, ¨Da Liberdade Cristã¨. Diz ele ali: ¨… não existem más obras que possam fazer mal e condenar, a não ser a incredulidade… Pois o ser justo ou mau não procede das obras, mas, sim, da fé, como disse o sábio (Siraque 10,14): ‘O princípio de todo o pecado é: afastar-se de Deus e não confiar nele’ ¨(7).
3.
Quando nós, hoje, perguntamos pelo sentido de nossa existência, não estaremos perguntando por Deus, assim como o irmão Martim?
Permitam-me um exemplo de nossos dias. Um escritor de nosso século, Franz Kafka: escreveu um romance intitulado: ¨O Processo¨ (8). O bancário José K. é preso e acusado. Mas jamais alguém lhe diz qual é a acusação que pesa contra ele, nem perante quem ele é culpado. José K. quer se justificar, contrata um advogado, mas jamais consegue passar pelas instâncias inferiores Ele quer chegar ao Supremo Tribunal, mas nem mesmo os advogados conhecem este tribunal. No fim do romance José K. é apunhalado e morre como um cachorro.
Assim como José K. é o irmão Martim. Cheio de sofrimento, martirizando-se em sua vida, na cela do convento. E o homem que corre de um lado para o outro querendo justificar-se, ciente de sua culpa, da acusação que pesa sobre ele, mas sem chegar ao fim do túnel, à boa nova do Evangelho. Para José K. o céu não se abriu, para o irmão Martim o céu se abriu e, por isso houve Reforma.
Ouçamos a irmão Martim em sua luta. Ele escreve a este respeito no prefácio ao primeiro volume de suas obras latinas: ¨Entrementes eu voltara neste ano (de 1519) aos Salmos para expô-los novamente, confiando em que fosse mais experiente depois de haver lecionado sobre as Epístolas de São Paulo aos Romanos e aos Gálatas e sobre a Epístola aos Hebreus. Fora comovido por um ardor, certamente maravilhoso, de entender Paulo na Epístola aos Romanos, mas até então houvera um obstáculo nisso, não a frieza de meu coração, porém uma única palavra no primeiro capítulo: ‘A justiça de Deus se revela no Evangelho.’ Eu odiava esta palavra ‘justiça de Deus’, pois conforme o uso e o costume de todos os doutores (da Igreja) tora instruído a entendê-la no sentido filosófico, a saber, como a justiça ‘formal’ ou ativa’, segundo a qual Deus é justo e castiga os pecadores e injustos.
Eu, porém, não conseguia amar o Deus justo que castiga o pecador, odiava-o isto sim; pois mesmo vivendo como monge irrepreensível, sentia-me como pecador diante de Deus e, inclusive, inquieto em minha consciência e não podia confiar em que estivesse reconciliado através de minha satisfação. Estava indignado com Deus, se não em blasfêmia clandestina, pelo menos num resmungo tremendo, dizendo: Não basta que os pecadores miseráveis, perdidos para sempre por causa do pecado original sejam oprimidos por toda a espécie de calamidades através da lei do decálogo? Será que Deus tem que, além disso, acumular dor sobre dor através do Evangelho e ameaçar-nos com sua justiça e sua ira? Assim estava eu furioso em minha consciência desnorteada, mas, mesmo assim, bati-me duramente com esta passagem de Paulo, cheio de ardente sede por saber o que São Paulo queria.
Aí Deus se comiserou de mim. Meditei incessantemente, dia e noite, até que reparei no contexto das palavras, a saber: ‘A justiça de Deus se revela no Evangelho, como está escrito: O justo vive por fé.’ Aí comecei a entender justiça de Deus como a justiça, através da qual ‘o justo vive como dádiva de Deus’, isto é, ‘pela (da) fé’ e note, que isso deve ser entendido da seguinte maneira: ‘a justiça de Deus se revela no Evangelho’, a saber, a justiça ‘passiva’, isto é, aquela através da qual Deus nos justifica por graça e misericórdia, na fé, como está escrito: ‘O justo vive por (da) fé.’ Aqui me senti totalmente renascido: as portas tinham-se-me aberto: eu entrara no próprio paraíso Então toda a Sagrada Escritura se me apresentou em uma outra face. Em seguida percorri as Escrituras, como as tinha na memória, e encontrei também, noutras passagens o mesmo sentido, por exemplo, ‘obra de Deus’ significa: a obra que Deus opera. ‘poder de Deus’: o poder com o qual Deus nos torna poderosos, ‘sabedoria de Deus’: a sabedoria através da qual ele nos torna sábios O mesmo vaie para: força de Deus’ ‘salvação de Deus’, ‘glória de Deus’.
Quão profundo fora o ódio com o qual anteriormente odiara a palavra ‘justiça de Deus’, tão profundo era agora o amor com que elogiei a palavra como a mais doce e amorosa para mim. Desta maneira esta passagem de Paulo tornou-se para mim uma verdadeira porta para o paraíso. ¨(9).
Nós hoje nos encontramos em situações idênticas às de José K. e de frei Martim. Parece que há muitas existências para as quais não há céu aberto, para as quais Deus não abre o céu. Talvez muitos, hoje, perguntem: Será que Lutero era cego e surdo a tal ponto de descer a esse inferno de abandono de Deus e de desespero? E, falando de Reforma hoje, eu perguntaria: Como é possível que entre nós, entre nossos vizinhos e próximos haja tanto abandono de Deus e desespero? Como é possível? Esta pergunta só raras vezes é feita. No juízo final ela surgirá com toda a certeza. — Para esta pergunta existe uma resposta que, se formos sinceros, deveria ser a seguinte: Nós abandonamos os outros com auto-justificativas. A resposta que damos é quase que a mesma resposta dada a frei Martim: ¨Eu te absolvo pelo mérito de nosso Senhor Jesus Cristo por causa do arrependimento do coração, da confissão da boca, da satisfação de tuas obras e da intercessão dos santos…¨(10). Aí estamos deixando a ¨porta do paraíso¨ fechada para outros.
Por que falamos de tudo isso até agora? Para podermos compreender o que aconteceu na Reforma temos que entender as proporções das angústias do monge que perguntava pela justificação.
4.
Aquilo que o irmão Marfim procurava, sob tormentos e angústias, o perdão de Deus, isso se podia comprar nos mercados públicos de seu tempo. E essa é a origem da Reforma: A desproporção existente entre as tribulações do monge e a negociata feita com as indulgências. Segundo a doutrina da Igreja, as indulgências não eliminavam pecados capitais, mas apenas os pecados veniais. Os vendedores de indulgência, porém, ludibriavam os crentes, anunciando a venda do perdão de todos os pecados: Libertação do pecado por meio de dinheiro.
Quando em 31 de outubro de 1517 o monge agostiniano e doutor das Sagradas Escrituras, Martim Lutero, publicou suas teses a respeito das indulgências, estas se espalharam em duas semanas. Esta rapidez mostra que havia vida na Igreja. O povo, muitos sacerdotes e monges clamavam por uma libertação da miséria pela qual passavam, miséria diante de Deus. É importante que se veja isso: Notavam e reconheciam a miséria pela qual passavam, a miséria diante de Deus. Pois, caso contrário todos teriam corrido às indulgências e, convenhamos, o que era mais fácil do que comprar perdão da culpa por meio de indulgências? Mas isso não trazia alivio, não trazia libertação. É a mesma situação que encontramos, hoje, em nossas comunidades. A simples filiação à comunidade não traz alívio, não traz libertação das angústias e dos temores, da falta de sentido. Perguntemo-nos uma vez, como é possível que um membro da comunidade pode cometer suicídio, senão pelo fato de em sua comunidade não encontrar alívio e libertação de seus temores? — COM suas 95 teses Lutero publicou o anseio das pessoas que gritavam, querendo uma resposta para sua situação diante de Deus (coram deo).
Isto significa que Lutero não estava só com suas lutas no convento. Sua luta foi uma luta vicária pelos homens de seu tempo. Foi urna luta dentro da Igreja Católica, uma luta dentro da igreja comum a luteranos e a católico-romanos. Sem a pergunta desesperadora do povo, que perguntava por sua situação diante de Deus, não teria havido isso que nós chamamos de Reforma; sem esta pergunta Lutero teria estado só.
Também hoje, em nossas comunidades, entre pastores e presbíteros, entre membros de maneira geral, existem perguntas. São perguntas inquietantes. Nós temos medo das consequências de tais perguntas e, por isso, fugimos delas, minimizando-as, ao invés de ataca-las a partir do centro do Evangelho. Nossa época é uma época que como a da Reforma pergunta pelo centro do Evangelho!
O irmão Martim ficou sabendo a respeito do abuso que estava ocorrendo com as indulgências, no confessionário. Durante muito tempo ele nada soube a respeito do abuso que estava ocorrendo. Ele o soube como confessor, como cura d’almas de seus paroquianos que vinham a ele perguntando por sua situação diante de Deus. É importante que se diga que ele ficou sabendo desta miséria no confessionário. Pois ele não era um homem afastado do mundo, como se poderia imaginar quando se ouve falar de que ele era ¨monge¨. .Em sua ordem recebeu incumbências de grande responsabilidade. Eis como ele se expressa em uma carta de 26 de outubro de 1516: ¨Sou pregador conventual e pregador à mesa, diariamente pedem-me também que pregue na igreja paroquial, sou diretor de estudos, sou vigário da ordem, isso é 11 vezes prior, sou administrador do pescado em Leitzkau e procurador dos assuntos de Hezberg em Torgau, dou aulas sobre Paulo e estou coletando material para aulas a respeito dos salmos…¨ (11), Estas palavras nos mostram um homem que é tudo menos um monge afastado das realidades do dia-a-dia.. No final de sua carta ele ainda escreve: ¨No final de minha carta peço-te, insistentemente, que intercedas por mire perante Deus; pois tenho que confessar que minha vida se aproxima dia a dia mais do inferno, porque a cada dia fico pior e mais miserável.¨ A carta é assinada: ¨Martim Lutero, Agostiniano, um desterrado filho de Adão¨.
No estudo da Escritura e na constatação de que é ‘um desterrado filho de Adão¨ é que começa a Reforma. Lutero é professor das Sagradas Escrituras na Universidade de Wittenberg. Nesse estudo das Sagradas Escrituras ele quer ir e vai ao fundo. Nesse estudo ele procura por vida. Aí ele não fez nada de novo. Ele só desenterrou o Evangelho que estava enterrado por baixo de um mundo de tradições mortas. A Reforma não foi consequência de um determinado movimento, mas de uma experiência bem pessoal do monge Lutero que temia por sua salvação. Foi lá no convento, na luta horrível desse frei: no inferno do abandono de Deus, no silêncio de Deus, que explodiu o Evangelho. A Reforma se transformou em movimento, mas sua origem está na luta de um homem. Ele partiu do fato de que ele era um homem totalmente em pecado, rejeitado por Deus. entregue a um Deus raivoso, tão raivoso que silenciava diante das perguntas de irmão Martim. Depois de anos de luta o irmão Marem descobriu que todos os seus pecados. aqueles pecados que ele levara, continuamente, ao confessionário, nada mais eram que ¨pecados de boneca¨. Eles eram ¨pecados de boneca¨ diante do pecado do qual Deus agora o libertara: o pecado de sua descrença. Ele descobriu que todo o pecado vem do pecado que se chama descrença. Ele foi levado à fé. E, por isso, poderíamos também dizer que Reforma, hoje. significa levar à fé.
Como chegar à Reforma hoje? Nos só podemos chegar J: Reforma, hoje, se nós tivermos a coragem de entrar na cela, no quartinho do convento de Lutero. Não adianta nós tomarmos esta ou aquela palavra de Lutero. Lutero chegou a sua Reforma. à reforma de sua pessoa e da Igreja porque compreendeu que sem Deus o homem se encontra em um beco sem saída. A Reforma começou com a confissão de um homem que reconheceu: ¨A minha força nada faz, sozinho estou perdido!¨
Reforma luterana hoje. Onde é que ela ocorre? Ela ocorre ali onde pessoas encontram a resposta pela qual procuraram José K. e irmão Martim. Igreja Luterana existe ali, onde existe comunidade que descobre estas pessoas com perguntas e lhes dá a resposta, apontando para o pai que revelou seu amor em Jesus Cristo, dando novo sentido e novo alento para nossas vidas. Ali se abre a ¨porta do paraíso¨.
(‘) Palestra proferida em Ijuí e Três de Maio (31.10.79 e 2,11.79)
(1) Soren Kierkegaard Die Tagebücher. Band 5. (Düsseldorf KöIn 1974), pág. 192 ¨Es ist ein Rückzug eigener Art den wir machen sollen. Zurück zu dem Kloster aus dem Luther ausgebrohen ist, soll die Sache zuruckgeführt werden.¨
(2) WA TR 4.4707
(3) WA TR 6.6669
(4) WA TR 5.6017.
(5)Die Bekenntnisschriften der Evangelisch-Lutherischen Kirche, pág. 726.35. (6, ed. Göttinger 1967 ).
(6) WA TR 3.3556A e 3556B
(7)Da Liberdade Cristã. (São Leopoldo. 1959) pág. 40
(8) Franz Kafka. O Processo. (São Paulo. s.d.).
(9) WA 54.185.12 — 186.20.
(10) WA TR 5,6017
(11) WA BR 1,72,4ss.
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