Do círculo vicioso da lei ao círculo virtuoso da graça – Momento pastoral
Experimentamos situações inusitadas nos últimos doze meses. Circunstâncias e acontecimentos excepcionais marcaram o período. Manter a objetividade, sem se perder em juízos recheados de subjetividade e emocionalidade, parece ser difícil. A sobriedade, no entanto, nos é exigida e a ela eu quero perseguir.
Vivemos uma crise pastoral, quem sabe, sem precedentes. Faltam referenciais e modelos definidos e claros. Quebrou-se um certo consenso histórico. Falta confiança entre lideranças para falar sobre o velho em crise e o novo, por vezes ameaçador devido o seu caráter ainda indefinido e informe. Constata-se que a disputa entre tendências quebra as possibilidades de construção de propostas pastorais isentas de pré-julgamentos.
As lideranças laicas veem a realidade comunitária e eclesial, observam o cenário religioso e percebem que algo precisa ser feito. Tecem comentários, fazem cobranças, interpelam, esperam resultados e, muitas vezes, até se inspiram nos grupos religiosos bem sucedidos ou em evidência. Os/as obreiros/as sentem direta ou indiretamente uma certa pressão por mudanças e por resultados. Quando não há disputa entre grupos, surge uma desconfiança pessoal porque somos medidos por aquilo que apresentamos e produzimos. Nunca a sinceridade em relação à fraqueza pode ser considerada positiva. Reconhecer dificuldades significa não poder apresentar louros meritocráticos.
Esquecemos que o modelo pastoral de Jesus foi execrado e não pôde afirmar-se no cenário religioso de seu tempo por suas qualidades mercadológicas. A um certo sucesso inicial seguiu-se um refluxo de simpatizantes e seguidores. Mesmo assim diante de todo fracasso e vazio, representado pela cruz de Jesus, Deus ratificou esse jeito de se fazer presente no mundo.
Falar ao coração das pessoas existencialmente com toda a verdade e a sinceridade que brota do Espírito de Deus, constitui a postura essencial dos vocacionados de Deus. Vivemos, no entanto, num círculo vicioso de autojustificação. Rompê-lo significa depositar a confiança na graça imerecida de Deus diante do qual não subsistimos com todos os nossos esforços autojustificantes.
O filósofo Odo Marquard em entrevista concedida à TV Deutsche Welle por ocasião do processo contra o Presidente Clinton (simultâneo às discussões sobre a assinatura da Declaração Conjunta sobre Justificação por Graça Fé) afirmou que vivemos uma tribunalização da vida. Vivemos sob uma constante pressão para justificar o porquê do que somos o que somos, do porquê fazemos o que fazemos. Somos chamados a nos explicar porque somos vegetarianos ou não, esportistas ou não, casados ou solteiros, atuantes na sociedade ou não (caso sim, por que esta ou aquela ideologia; caso não, por que preocupação unicamente com a vida privada/família e trabalho).
A necessidade de legitimação da vida e das ações no cotidiano faz com que experimentemos de forma secularizada aquilo que no terreno religioso foi o pano de fundo da justificação no século XVI. Hoje Deus não é necessariamente o acusador. Hoje o próprio ser humano é ao mesmo tempo acusado e acusador. Ou então Deus é acusado como causador e responsável por tantos males e dificuldades.
O ser humano, centro da modernidade, vive num círculo de desgraça. Ele precisa provar a todos a todo tempo e o tempo todo que não é um fracassado ou uma nulidade. Precisa mostrar que vale alguma coisa e que produz algo. Em algumas situações, o progresso e o sucesso são colocados até como sinais da graça de Deus. Podemos depreender que o pensamento da produção tem suas raízes na mundanização da justificação por obras.
No processo de tribunalização da realidade coloca-se tudo e cada um sob a pressão da justificação. Nesta pressão justificante/justificadora, para si mesmo e para os outros, o ser humano não consegue resistir até o fim. Ele cria mecanismos de fuga para evitar e se distanciar deste tribunal permanente.
Em primeiro lugar, é possível evitar o tribunal na medida em que a pessoa, ela mesma, se torna o tribunal. Foge-se da acusação, tornando-se o acusador. O ser humano, que precisa responder pelo mal na realidade, se transforma naquela pessoa que diz a outra que ela precisa mudar.
Tornamo-nos a consciência dos outros seres humanos e evitamos, assim, a possibilidade de ter consciência própria. Esta é uma posição assustadora: ser consciência ao invés de ter consciência. Fica-se contente quando se pode reconhecer que a gente não é responsável por certa situação.
Uma segunda forma de fuga é apontar incapacidades e limites. Não pode ser responsabilizado quem é doente ou louco, por exemplo. Estas pessoas estão justificadas, ou são declaradas sem culpa. Aqui poderíamos incluir as crianças tidas sempre como inocentes. Esta é a razão pela qual a campanha voltada para o apoio a crianças sempre tem grande audiência. O mesmo não se dá com adultos. Pode funcionar se forem mulheres vítimas de alguma violência ou injustiça. Caso contrário não se encontra sensibilidade.
Uma terceira forma de fugir das acusações no meio de uma sociedade de massas (urbana com todo o caos aparente), em que a pessoa é marcada pela desimportância e insignificância por causa da anonimidade, é a fuga para a “natureza intocada, virgem e pura”, longe da sociedade acusada por seus males e problemas. Desta forma pode-se, ou quer-se, experimentar uma forma secularizada de graça.
As fugas correspondem ao modo pelo qual se pode ou se quer libertar e salvar da acusação e da justificação.
A Bíblia mesma contempla conceitos legais do direito para reger a vida. Fala em velho e novo testamento, em aliança, justiça e eqüidade, justiça e direito e assim por diante.Usa-se termos jurídicos para tratar das relações com Deus e das pessoas entre si. Na Igreja também experimentamos uma certa tribunalização nas relações eclesiásticas. Facilmente entramos, formal ou informalmente, num círculo vicioso de acusação e defesa.
Vivemos a precariedade humana a partir da qual carecemos de regulamentos e dispositivos que regem a convivência institucional. Na provisoriedade humana não vivemos a plenitude do novo coração preconizada pelo profeta Ezequiel:
“Dar-vos-ei coração novo e porei dentro de vós espírito novo; tirarei de vós o coração de pedra e vos darei coração de carne. Porei dentro de vós o meu Espírito e farei que andeis nos meus estatutos, guardeis os meus juízos e os observeis” – (Ez 36.26s).
Nesta condição humana e por causa deste círculo vicioso somos convidados pelo Espírito de Deus a entrar no círculo virtuoso da graça e do perdão de Deus. Somos chamados a nos colocar sob o amor incondicional de Deus que liberta da tentação da fuga que nos assola constantemente.
x – x – x – x – x
“Um dia vieram, e levaram meu vizinho que era judeu. Como não sou judeu, não me incomodei. No dia seguinte, vieram e levaram um outro vizinho, que era comunista. Como não era comunista, não me importei. No terceiro dia, vieram e levaram meu vizinho, que era homossexual. Como não era homossexual, não dei bola. No quarto dia, vieram e levaram um conhecido meu, que era cigano. Como não era cigano, deixei pra lá. No quinto dia, vieram e levaram meu vizinho, que era católico. Como não era católico, não reclamei. No sexto dia, vieram e me levaram. E não havia mais ninguém para reclamar” – Martin Niemöller.
Trago à lembrança estas palavras para dizer que uma crise e um problema no corpo da igreja envolve e diz respeito a todos os seus membros. É suportado e vivenciado por todos. Será que os desvios e os distanciamentos teológico-pastorais tolerados na IECLB ao longo dos anos não se assemelham (ao menos na atitude e não no mérito) à indiferença, à desconsideração e ao descompromisso expressos pelos cristãos da Alemanha no regime nazista? Enquanto não sou atingido, enquanto na minha comunidade as coisas estão sob controle, enquanto…, eu deixo as coisas andarem e acontecerem. Desde que a minha paz não esteja ameaçada, tudo pode rolar em minha volta.
Acontece que a vida social e eclesial é tecida por relações que, mais cedo ou mais tarde, passam, cruzam, se aproximam de mim e da comunidade. A realidade religiosa contemporânea, marcada pelo pluralismo religioso e pela disputa mercadológica, não isenta ninguém. Nenhuma comunidade está imune. Não há tranqüilidade a toda prova. A afirmação da individualidade se constitui em mérito da modernidade e, nestes tempos ditos pós-modernos com suas fragmentações e volubilidades, as pessoas possuem menos laços institucionais e grupais.
Encarnação, mergulho e vivência do evangelho neste contexto significa erigir uma pastoral que afirme e promova a força contra-cultural dos valores evangélicos. Significa reconhecer o valor do ser humano e das criaturas que o cercam, afirmar sua identidade e dignidade a partir da aceitação incondicional por Deus e restaurar as relações interumanas sempre com um esforço incansável de construir comunidade e promover solidariedade.
A nossa herança teológica é tão rica para ser simplesmente pisoteada por propostas fundamentalistas e autoritárias. É tão profunda para ser vilipendiada por interessados em sucesso fácil a partir de fórmulas simplificadoras e massificadoras. Lembro apenas que as massas deixaram Jesus na mão quando ele começou a aprofundar seu discurso e sua prática, chamando para o seguimento e para o carregar da cruz.
Vislumbro a necessidade de aprofundar o significado da herança confessional oriunda da Reforma em meio à massificação religiosa contemporânea. Compreendo as reais necessidades psicossociais presentes nas buscas religiosas, mas não posso admitir a desfiguração da identidade teológico-confessional do corpo institucional que representamos.
Podemos ter diferenças entre nós porque toda unanimidade é burra ou cínica. O fundamental, no entanto, é que encontremos um nível de consenso tal que permita a confiança mútua e o respeito recíproco. Saber reconhecer e entender na atuação do outro, diferente de mim, a mesma igreja de confissão luterana – Eis nosso desafio e meta a serem buscados.
x – x – x – x – x
Atividades sinodais e/ou extra-sinodais
Conferências de Obreiros/as:
Conferências Plenas:
– Pastores e Pastoras e suas Crises no Ministério – 22-24/09/2000 – Araras/RJ ;
– Doença e Saúde – A Antropologia Bíblica diante da Modernidade e de outras Visões Antropológicas Contemporâneas – Campinas/SP- 27-29-03/2001.
Miniconferências:
– Ipanema/RJ – 14/6/2000 e Centro/RJ – 8/11/2000;
– São Paulo/SP – 7/6/2000 e Campinas – 24/11/2000.
Instalações de Novos/as Obreiros/as:
P. Zulmir Ernesto Penno – Juiz de Fora/MG;
P. Hans Hartmut Hachtmann – Indaiatuba/SP;
P. Guilherme Fredrich – Niterói/RJ;
P. Vera Weissheimer – Centro/SP;
P. João Carlos Muller – Petrópolis/RJ;
Pa. Bárbara Muller-Vogel – Petrópolis/RJ;
P. Matti Peroharju – Igreja Luterana Escandinava – SP;
P. Valdemar Gaede – Teófilo Otoni/MG;
Pa. Marli Hoffmann Gaede – Teófilo Otoni/MG;
P. Inácio Lemke – Internato Rural – Teófilo Otoni/MG;
P. Bela Tóthpál – Igreja Evangélica Luterana Húngara – SP.
Ordenações:
P. Dr. Valério Schaper – Belo Horizonte/MG;
P. João Carlos Muller – Petrópolis/RJ;
Pa. Bárbara Muller-Vogel – Petrópolis/RJ.
Avaliações do PPHP:
Viviane Jung – Teófilo Otoni/MG;
Rodrigo Portela – Ipanema – RJ.
Avaliações de Obreiros:
P. Klaus Wirth – Teófilo Otoni/MG;
P. Antonio Behrens – Limeira/SP;
P. Eldo Krüger – Rio Claro/SP;
P. Luis Henrique Scheidt – Monte Mor/SP;
P. Takeshi Ouno – São Paulo/SP.
Novos PPHPistas:
Célia Gil Pereira – Santo Amaro – SP;
Rubeval Kuster – Rio Claro/SP.
Transferências:
P. Klaus Wirth de Teófilo Otoni/MG para Uberlândia/MG;
P. Hans H. Hachtmann de Petrópolis/RJ para Indaiatuba/SP;
Pa. Vera Weissheimer de Valinhos/SP para Centro/SP.
Visitações a Comunidades/Paróquias/Presbitérios
Belo Horizonte/MG;
Igreja Escandinava/SP;
Campinas/SP;
Indaiatuba/SP;
Artur Nogueira/SP;
Ipanema/RJ;
Cosmópolis/SP;
Centro/SP;
Centro/RJ;
Igreja Húngara/SP;
Santo Amaro/SP;
Niterói/RJ;
Teófilo Otoni/MG;
ABCD/SP Santos/SP;
Monte Mor/SP;
Congregação Japonesa/ -SP;
Rio Claro/SP;
Missão aos Marinheiros – Santos/SP;
Petrópolis/RJ;
Limeira/SP;
Leste – Ferraz de Vasconcelos/ São José dos Campos/ Vila Ema/SP.
Representações/Conversações:
Movimento de Fraternidade das Igrejas Cristãs – MOFIC/SP;
Encontro com Representação da UNICEF;
Mutirão Brasileiro de Comunicação Cristã;
Representantes da OMEL – P. Lüdemann;
Representante Seminário da OMEL – P. Erich Dobberahn;
Presidente da Obra Gustavo Adolfo da Alemanha – P. Karl-Christoph Epting;
Representante Evangelisches Missionswerk ( Serviço na Sociedade ) – Ângela Baehr;
Representante Igrejas Protestantes Unidas da Holanda – Grietje ten Hoeve;
Secretário Geral da Missão aos Marinheiros – Dr. Jürgen Kanz;
Diálogo Episcopal-Luterano;
Diálogo Reformado-Luterano;
Conferência dos Pastores da EKD – Chapada dos Guimarães/MT;
Rabino Henri Sobel – Congregação Israelita Paulista;
Centro Ecumênico de Serviços à Evangelização e Educação Popular – CESEP.
Eventos:
30 anos da Paróquia do ABCD e Centro Social Heliodor Hesse – Santo André/SP;
20 anos do Centro Comunitário Casa Mateus – Mauá/SP;
Inauguração da Creche Cantinho da Criança – Santo Amaro/SP;
80 anos da Folha de São Paulo.
Reuniões:
Fórum dos Pastores Sinodais;
Fórum dos Presidentes e Pastores Sinodais;
Conselho de Igreja da IECLB;
Banca do Exame de Admissão ao PPHP;
Comissão de Educação Formal;
Conselho Curador da EST;
Conselho Deliberativo da ISAEC;
Obra Gustavo Adolfo – Comissão de Avaliação de Projetos;
Assembleia da CAF.
Rolf Schünemann
Pastor Sinodal