RELATÓRIO DO PASTOR SINODAL
“Habite, ricamente, em vós a palavra de Cristo;
Instruí-vos e aconselhai-vos mutuamente em toda a sabedoria,
louvando a Deus, com salmos, e hinos, e cânticos espirituais,
com gratidão em vosso coração. E tudo o que fizerdes, seja em palavra,
seja em ação, fazei-o em nome do Senhor Jesus, dando por ele graças ao Pai”
(Cl 3.16-17).
Introdução
As pessoas do nosso tempo têm dificuldade em expressar gratidão. Isto é assim porque normalmente achamos que o que temos e recebemos é pouco. Por isso mesmo inicio este relatório com um texto bíblico que enfatiza a gratidão. Se Deus nos conduziu até aqui e se ele nos reúne nesta 10ª Assembléia Sinodal, então temos motivos para louvar e agradecer. Temos motivos para orar e pedir que a palavra de Cristo habite ricamente entre nós.
As pessoas que estão aqui representam as comunidades, paróquias e os departamentos do Sínodo, além da presidência da IECLB e de convidados. Trazemos cada qual a nossa história e nossa expectativa. O meu anseio é de que aqui experimentemos comunhão, alegria, crescimento e desafios. Que todos possam ser levados a sério nas suas opiniões e no seu jeito de ser. E, acima de tudo, que as nossas mentes e corações sejam conduzidos para aquilo que contribui no fortalecimento do corpo de Cristo.
O relatório que compartilho se propõe a refletir sobre a caminhada do Sínodo neste último ano. Além disso, considera o período maior de quatro anos, uma vez que a partir desta Assembléia, com a escolha de pessoas para diversas funções, inicia-se a transição para uma nova etapa. O relatório contempla, por um lado, o privilégio que o P. Sinodal tem de acompanhar as paróquias do Sínodo. Por outro lado, esta é também a sua limitação, porque apenas vocês têm o convívio diário com a comunidade e a realidade local. A tarefa conjunta é a de conseguirmos fazer uma boa conjugação do geral e do específico, à luz do Evangelho. Penso que é também disso que o apóstolo Paulo está falando quando recomenda que os membros da comunidade de Colossenses se instruam e aconselhem mutuamente.
1. O dia-a-dia – como vai?
“Pois quando mencionas o ‘pão de cada dia’, pedes tudo
o que é necessário para que se tenha e saboreie o pão cotidiano,
e, por outro lado, também pedes que seja eliminado tudo o que o impede”
(Lutero. Catecismo Maior. P. 467).
A vontade de Deus se relaciona com o todo da nossa vida, já agora e também no futuro. Deus quer ser Deus em nossa vida no dormir e no levantar, no trabalho e no lazer, na igreja e na rua, ou seja, 24 horas por dia. Disso podemos afirmar que a fé se relaciona com todos os âmbitos da vida. Tudo o que diz respeito à vida (e também à morte!) é assunto espiritual. Cada qual de nós tem alegrias e angústias relacionadas a aspectos bem práticos: a criança com febre, o filho que conseguiu um emprego, a dívida no banco. Ao explicar o Pai Nosso nos catecismos, Lutero faz uma extensa lista quando trata da petição do pão nosso de cada dia. Por isso, faço referência a alguns assuntos presentes em nossa realidade. Assuntos que desafiam e influenciam o nosso testemunho de fé.
1.1 – Quando a primavera começa no inverno
“Porque sabemos que toda a criação, a um só tempo,
geme e suporta angústias até agora” (Rm 8.22).
Escrevo este texto no mês de julho. Ao levantar pela manhã uso camisa de manga curta. Não apenas hoje, já faz dias que é assim. Os noticiários dizem que há enchentes na China, que na Europa pessoas morrem por causa do calor e que o Paraná enfrenta a maior estiagem dos últimos 76 anos. A natureza tem os seus ciclos. Enchentes e secas já são mencionadas nos tempos bíblicos e nos relatos dos nossos avós. No entanto, não é mais possível ignorar o fato: o clima está mudando. “Nas últimas três décadas, o total de terras atingidas por secas severas dobrou em decorrência do aquecimento global” (Revista Veja de 21.06.06). O mesmo artigo diz que o Brasil é o 4º maior poluidor do planeta no que se refere à emissão de gases que provocam o efeito estufa.
Nos últimos três anos no sudoeste e no oeste do Paraná e no Mato Grosso do Sul, por questões climáticas, as safras foram irregulares trazendo angústia e incertezas para muita gente. Isto faz lembrar do Jardim do Éden. Quando perguntados a respeito do que tinham feito, o homem e a mulher puseram, primeiro, a culpa um no outro, depois, na serpente e, em última análise, no próprio Criador. Também hoje temos facilidade em culpar o governo e os outros. Mais difícil é perguntar pelas tentações que nos vencem. Qual é a “árvore” que não deveríamos ter tocado? De quais benefícios da modernidade estamos dispostos a abrir mão para que a natureza não precise gemer tanto?
Já em 1855, quando o governo americano queria comprar a terra da tribo, o cacique da tribo Duwamish, em carta ao presidente dos EUA, dizia: “A terra não pertence ao homem, é o homem que pertence à terra (…) Não foi o homem que teceu a trama da vida: ele é meramente um fio da mesma. Tudo que ele fizer à trama, a si próprio fará”. Bem, como se diz por aí, o que pode saber um índio?! Sim, nós é que precisamos urgentemente de mais humildade, sabedoria e coragem para interrompermos o ciclo de destruição. Zelar pela criação de Deus tem a ver com os meus hábitos de vida: a produção de lixo e o destino dado ao mesmo, a economia de água, a forma de cultivar a terra. Trata-se do pão de cada dia: do nosso, dos outros e dos que virão depois de nós. Em nosso meio, o CAPA, mesmo com as suas dificuldades, persegue e propõe alternativas sobre este tema.
1.2 – E a sociedade – como vai?
“O meu povo viverá muitos anos, como as árvores,
e todos terão o prazer de aproveitar as coisas que eles
mesmos fizeram. Todo o seu trabalho dará certo, e os seus
filhos não acabarão na desgraça” (Is 65.22-23).
Estas palavras do profeta Isaías estão entre os muitos textos bíblicos que deixam clara a vontade última de Deus para os seus filhos e filhas, ou seja, uma vida cheia de significado e dignidade. Sabemos que, enquanto Deus não estabelecer o seu reino definitivo, esta realidade poderá ser experimentada apenas em parte. Contudo, como o fermento do Evangelho está colocado entre nós, a esperança é de ver a massa crescer. E aí não podemos ignorar que o Brasil continua tendo uma das piores distribuições de renda do mundo. O nosso modelo de sociedade insiste em: incentivar a competição e não a solidariedade, estimular o individual e não o comunitário, enaltecer a aparência e não a essência, valorizar o acúmulo e não a partilha.
Hoje há um certo consenso de que um dos grandes problemas da sociedade atual é a perda da sensibilidade. A violência e a guerra são apresentadas nos meios de comunicação como se fossem um show pirotécnico. A certa altura, o sofrimento das pessoas já não nos comove. E vem à mente a história do bom samaritano (Lc 10.30-37). De diversas maneiras há pessoas que vão ficando pelo caminho, feridas e machucadas das mais diversas formas. Que sentimentos temos, por ex., quando vemos as crianças sob as lonas pretas à margem das estradas do Paraná e do Mato Grosso do Sul? Que alternativas encontra o pequeno agricultor dentro da lógica do agronegócio?
Os modelos de sociedade estão em crise. Na análise de Frei Beto, um ex- assessor do presidente Lula, “O Capitalismo tem a esperteza de socializar o sonho e privatizar os bens materiais, sobretudo a renda. O socialismo cometeu o erro contrário: socializou os bens materiais e a renda, mas privatizou o sonho” (A Mosca Azul, p. 257). Creio que não se trata de acharmos que vamos ser heróis capazes de modificar todo um sistema. Trata-se, antes de tudo, de perceber que os princípios do Evangelho são outros. Trata-se de alimentar a inquietação e também a indignação. Trata-se de não substituir a compaixão em relação ao ser humano pela lógica do mercado.
1.3 – Política – a nossa participação
“Mas entre vós não é assim; pelo contrário,
quem quiser tornar-se grande entre vós,
será esse que vos sirva” (Mc 10.43).
A vida, o humor e as perspectivas das pessoas também são afetados por aquilo que se passa no meio político. Segundo Lutero, bons governantes estão incluídos quando pedimos pelo pão nosso de cada dia. Não sei que sentimento cada um de nós tem sobre este assunto. Há exemplos bonitos no âmbito público, mas arrisco dizer que poucos não sentem alguma indignação com o que se passa em nosso país. Certamente gostaríamos de ver que presidente, governadores, senadores e deputados usassem os seus cargos para servir ao bem comum. Muitas vezes não é o que vemos. Desviar recursos públicos significa privar pessoas do pão de cada dia, por ex., na forma de educação e saúde. Teremos eleições no dia três de outubro. O voto, a participação em âmbito público e o exercício da cidadania não deixam de ser um testemunho de fé.
Além da escolha de governantes, também na IECLB e no Sínodo escolheremos nesta Assembléia e no Concílio Geral pessoas para funções específicas. Também aqui não devemos ser ingênuos. A busca por poder e por destaque contagia as pessoas de todos os tempos. Ninguém pode se dizer imunizado. E Jesus o sabia muito bem. Por isso mesmo, quando alguns dos seus discípulos pediram um lugar especial no Reino, ele deixou um ensinamento precioso: “… quem quiser ser o primeiro entre vós será servo de todos. Pois o próprio Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate de muitos” (Mc 10.44-45). Sem enrolação, Jesus subverteu a lógica humana e deixou expresso um critério cujo prazo de validade é indeterminado. Disposição para servir! Eis a questão!
Fazemos bem em reconhecer a nossa fragilidade. Nós não sabemos servir. Mas, podemos pedir que Deus nos ensine a fazê-lo. É motivo para constante oração. Se tivermos esta humildade, creio que não faltarão pessoas para assumir funções nas comunidades, paróquias, sínodo e na IECLB. Mais do que isso, saberemos discernir o propósito de Deus, através dos dons concedidos, dos interesses ou das conveniências pessoais.
2 – O Sínodo – um olhar
Os assuntos acima citados colocaram alguns aspectos da realidade na qual se insere o Sínodo Rio Paraná: meio-ambiente, modelo de sociedade e cidadania/política. Entendo ser importante não perder de vista o contexto dentro do qual vivenciamos a nossa fé. Passo agora para alguns pontos mais específicos relacionados ao sínodo
2.1 – Alguns números
Compartilho a seguir alguns dados numéricos do Sínodo, relacionados aos membros, obreiros/as, paróquias, comunidades e pontos de pregação. Ao lidarmos com números estatísticos sempre é necessário ter alguma cautela. De qualquer forma, parto do princípio de que os dados fornecidos pelas paróquias estão numa escala crescente de fidelidade desde que começaram a ser solicitados pela IECLB.
Quadro 1 – Dados gerais
Núcleo
|
Paróquias e Com. em Funções Paroq.
|
Comunidades
|
Pontos Pregação
|
Pessoas – Ano Base 2005
|
Girassol
|
9
|
51
|
10
|
17.084
|
MS
|
8
|
11
|
5
|
1.436
|
Sol de Maio
|
8
|
32
|
22
|
9.180
|
Sudoeste
|
5
|
34
|
27
|
4.360
|
Total
|
30
|
128
|
64
|
32.060
|
O quadro 1 mostra como estão distribuídas as 32.060 pessoas que integram a IECLB no Sínodo Rio Paraná. Um dado interessante é que mais de 50% dos membros está no Núcleo Girassol, isto é, em 9 das 30 paróquias do sínodo. Já as 5 paróquias do Sudoeste têm número superior de comunidades e pontos de pregação que o Núcleo Sol de Maio com 8 Paróquias, ou seja, as comunidades são menores e mais espalhadas. Já o Núcleo MS é a maior área geográfica e tem uma baixa densidade de membros.
Quadro 2 – Obreiros/as
Núcleos
|
Tempo integral ou parcial
|
Voluntários
|
Outra situação
|
Aposentados
|
Total
|
Girassol
|
15
|
2
|
2
|
1
|
19
|
MS
|
6
|
1
|
|
|
7
|
Sol de Maio
|
12
|
2
|
4
|
1
|
18
|
Sudoeste
|
5
|
–
|
2
|
–
|
7
|
Sínodo
|
2
|
–
|
–
|
–
|
2
|
Total
|
38
|
5
|
8
|
2
|
53
|
Este quadro mostra o número e a distribuição dos/as obreiros/as dos quatro ministérios com ordenação: pastoral, catequético, missionário e diaconal. A primeira coluna inclui obreiros/as do ministério partilhado, caso de casais que estão em uma mesma paróquia. Percebe-se também que cresce o número de obreiros/as que estão no ministério voluntário ou em outra situação. É um dado visível dos novos tempos na IECLB , onde por opção ou necessidade obreiros/as passam a exercer outras atividades. Dos/as obreiros/as, 20 (38%) são mulheres e 33 (62%) são homens.
Quadro 3 – Variação nº de membros 2001 a 2005
Núcleo
|
Membros 2001
|
Membros 2005
|
Variação
|
Girassol
|
16.693
|
17.084
|
2,34%
|
MS
|
1.892
|
1.436
|
-24,11%
|
Sol de Maio
|
7.998
|
9.180
|
14,77%
|
Sudoeste
|
5.054
|
4.360
|
-13,74%
|
Total
|
31.637
|
32.060
|
1,33%
|
Já foi dito acima que a análise de estatísticas requer cuidados, até porque, por si só, os números não esclarecem as razões. Pode então acontecer que uma paróquia que “chutou por baixo” o número de membros em 2001, apareça agora com forte crescimento, influenciando inclusive os dados de um Núcleo. Olhando o quadro objetivamente, percebe-se um crescimento de 1,33% no número de membros em quatro anos. Ou seja, longe dos 5% ao ano idealizados pelo Plano de Ação Missionária da IECLB – PAMI.
A análise por núcleo mostra uma variação acentuada para menos no MS. Isto decorre, principalmente, de pontos de pregação e comunidades que, em parte ou na totalidade, deixaram a IECLB por divergência doutrinária. Ainda assim, a Paróquia de Campo Grande teve expressivo crescimento. Em relação ao Núcleo Sudoeste, onde também diminuiu o número de membros, alguns fatores devem ser considerados: Os dados de 2001 referentes à Paróquia de Planalto estavam cerca de 30% acima da realidade; As duas principais cidades do Sudoeste, Pato Branco e Francisco Beltrão têm, proporcionalmente, presença pouco expressiva da IECLB; Em alguns locais, a população diminuiu consideravelmente (migração); Ainda assim, há paróquias do núcleo que tem um número estável de membros. Tenho a impressão, contudo, que se confirma a dificuldade de fortalecer e até mesmo de manter comunidades pequenas e distantes, onde o/a obreiro/a apenas pode estar presente uma ou outra vez. No Núcleo Girassol há um ligeiro crescimento neste período. Cabe aqui uma referência a maior paróquia do sínodo, M. C. Rondon. Por ainda não ter dados mais exatos, esta paróquia manteve, na informação dos dados, o número de 8000 pessoas neste período. Mas, há vários indicativos que apontam para uma crescente mobilização, organização e participação. Por fim, o Núcleo Sol de Maio foi o que apresentou crescimento numérico significativo. Antes que os demais queiram a “receita”, deveria se fazer uma análise mais aprofundada acerca deste crescimento, que também é restrito a algumas paróquias. Mesmo assim, trata-se de um dado animador.
Convém ressaltar ainda que os fatores de crescimento numérico não dizem tudo sobre o trabalho de uma paróquia. Há comunidades que vêem o seu número de membros diminuir em função de uma conjuntura sócio-econômica, apesar da dedicação de presbíteros e obreiro/a. Outras, com bem menos esforço, aumentam porque estão em locais de crescimento populacional. Contudo, temos que tomar algum cuidado. Já foi e ainda é muito usado entre nós o princípio de qualidade é melhor do que quantidade. Às vezes, esta frase pode ser sinal de fuga para não analisarmos mais profundamente o nosso jeito de ser igreja e a nossa tarefa missionária.
2.2 – Lembrando o foco
“O fortalecimento da vivência comunitária
com perspectiva missionária”.
Esta frase, formulada na Assembléia Sinodal de Campo Grande – MS em abril de 2003, expressa o objetivo geral do Sínodo. Entendo que esta meta está em sintonia com o Plano de Ação de Missionária da IECLB (PAMI), já citado anteriormente. As ênfases e as ações definidas, retomadas e ampliadas a cada assembléia sinodal, na forma de planejamento, procuram contemplar este propósito maior. Está claro que sempre vamos experimentar uma saudável tensão entre o potencial que temos, a partir dos dons que Deus nos deu, e as limitações relacionadas às distâncias e às distintas realidades. Tendo em vista o foco colocado, faço os seguintes destaques:
2.2.1 – Número de pessoas por obreiro/a
Um dos desafios específicos do PAMI é o de “que num prazo de sete anos (até 2007!) nenhum pastor/a tenha uma área de responsabilidade superior a 1000 pessoas batizadas”. Esta meta, acolhida no Planejamento do Sínodo, foi quase integralmente atingida. Lideranças e obreiros/as têm se empenhado neste sentido. A criação de novos campos de trabalho e de segundos pastorados e o incremento de ministérios partilhados (casais) foram significativos. É o caso de Cascavel, Toledo, Maripá, Palotina, Nova Santa Rosa, M. C. Rondon, Ponta Porã, Campo Grande, entre outros. Por outro lado, alguns campos de trabalho, com pequeno número de pessoas, estão reavaliando a maneira de ir adiante. É o caso de São Gabriel do Oeste, Rio Brilhante e Maracajú. De qualquer forma, percebo um saldo significativo. São poucos os/as obreiros/as que têm hoje sob a sua responsabilidade muito mais de 1000 pessoas. Um desses casos é M. C. Rondon. Mas também lá, passou-se de dois para três pastorados, além do trabalho de uma catequista, de uma pessoa na área da música e da atividade de um obreiro na pastoral hospitalar.
Não tenho dúvidas de que o propósito acima é acertado. A tarefa da coordenação do Sínodo é de motivar e facilitar as iniciativas locais. Sabemos também que neste assunto muitas vezes se esbarra na questão financeira. E, normalmente, não porque os recursos sejam tão escassos assim, mas porque ainda temos muito a avançar em relação à gratidão que expressamos por aquilo que Deus concede. Mas também aqui há exemplos positivos e animadores. Além disso, a Comissão de Fé, Gratidão e Compromisso está aí para promover novos impulsos.
2.2.2 – Obreiros/as – privilégio e responsabilidade
“E ele mesmo concedeu uns para apóstolos, outros para profetas,
outros para evangelistas e outros para pastores e mestres,
com vistas ao aperfeiçoamento dos santos…” (Ef. 4.11-12).
“Procura apresentar-te a Deus aprovado,
como obreiro que não tem do que se envergonhar,
que maneja bem a palavra da verdade” (2 Tm 2.15).
Uma das funções do P. Sinodal é ser pastor dos/as obreiros/as. Ainda que esta atribuição esteja definida pela Constituição da IECLB (Art. 45), a importância desta proximidade tem sido reiterada. Este acompanhamento pastoral ocorre em visitas pessoais, mas também nos contatos em Conferências de Obreiros e em encontros diversos. Ainda que sob circunstâncias diferentes, também as avaliações são oportunidades de contato, de partilha e de diálogo. Percebo também, com naturalidade, que aos momentos de alegria e comunhão se somam momentos de tensão. Pessoalmente me alegro pelos diversos momentos em que juntos experimentamos comunhão, mesmo em horas difíceis. Mas, reconheço que nem sempre é assim. Por vezes, tem me faltado sensibilidade. Por vezes, o momento em que a visita seria mais necessária passa em branco. Por isso, peço o seu perdão.
Um momento significativo para obreiros/as é a Atualização Teológica. É quando todos podem estar juntos. Uma das ênfases perseguidas nestes dias de estudo é a de construir uma maior proximidade e comunhão entre nós. Isto significa vencer barreiras teológicas e do jeito de ser de cada um/a. Vez por outra, balançamos nos últimos anos em função do velho Adão que nos acompanha. Mas, no geral, o sentido de corpo tem se fortalecido. Este é o meu sentimento. Na avaliação da atualização de maio deste ano foi feita a seguinte afirmação: “Nos últimos 15 anos no Sínodo vivemos três etapas: 1ª – olhar-se de longe; 2ª – nos suportamos uns aos outros; 3ª – agora começamos a nos gostar”. Se esta análise é autêntica – e creio que é – então temos motivos para agradecer e louvar a Deus.
Por falar em obreiros/as e gratidão, devo lembrar do Curso de Especialização em Aconselhamento e Psicologia Pastoral. Iniciado em julho de 2005, sob coordenação do Instituto Ecumênico de Pós-Graduação – EST, o curso se estenderá até abril de 2007, data da entrega da monografia de conclusão. Participam do mesmo mais da metade dos obreiros/as e lideranças leigas de nosso sínodo, além de obreiros de outros sínodos e denominações. Este está sendo para nós, assim vejo, um tempo para: conhecermos melhor a nós mesmos, convivermos intensamente, ampliarmos o nosso conhecimento e, acima de tudo, nos preparar melhor para o exercício do ministério, especialmente, no acompanhamento a pessoas e famílias em situação de crise. Agradeço aqui aos presbitérios das paróquias que têm se mostrado compreensíveis com a ausência dos/as obreiros/as nas diversas etapas do curso.
Ao concluir este tópico lembro que ser obreiro/a na atualidade traz desafios bem específicos. O meu entendimento é de que a maioria de nós foi preparada para cuidar de paróquias prontas. Achávamos que, se soubéssemos entender o meio social onde fôssemos colocados e se fizéssemos uma prédica bem fundamentada teologicamente, o ministério estaria bem encaminhado. Mas, as paróquias estão cada vez menos “prontas” e o sentimento de pertença dos membros é cada vez mais frágil. Hoje precisamos rever princípios e metodologias para que: a) o “sacerdócio geral de todos os crentes”, isto é, o ministério compartilhado, passe da teoria para a prática; b) a nossa mensagem chegue não somente ao cérebro, mas também ao coração; c) entendamos que o assunto contribuição e gratidão faz parte do Evangelho e inicia em nosso próprio bolso e d) percebamos que sem planejamento de médio e longo prazos não chegaremos a lugar algum. É mais ou menos como se tivéssemos sido preparados para conduzir um barco e, lá pelas tantas, fôssemos informados que, dali em diante, a travessia seria a nado. Por outro lado, é consolador saber que em se tratando de água e turbulências, Jesus não permitiu que nenhum dos seus se afogasse.
2.2.3 – Formação de presbíteros/as e lideranças
“Rogo, pois, aos presbíteros que há entre vós (…):
pastoreai o rebanho de Deus que há entre vós, não por
constrangimento, mas espontaneamente, como Deus quer”.
(1 Pe 5.1-2).
Não é por acaso que menciono os/as presbíteros/as e as lideranças em proximidade com os/as obreiros/as. Até porque, na compreensão do Novo Testamento, o/a obreiro/a é também um presbítero. Quer dizer, o barco e o nado acima mencionados são o mesmo.
Eu creio que Deus nos presenteia com alguns tesouros. O maior deles é o Evangelho, que outra coisa não é senão a salvação oferecida em Jesus Cristo. Do ponto de vista da igreja e das comunidades, o maior tesouro são os membros, as pessoas. É às pessoas que o Evangelho se destina. É entre elas que a salvação deve ser experimentada e testemunhada. Este segundo tesouro, os membros, está hoje sujeito à migração. Recorrendo à figura do versículo acima mencionado, pode-se dizer: ou cuidamos bem das ovelhas e lhes providenciamos pastagem, ou irão buscar alimento em outro lugar; mesmo que, às vezes, com risco de intoxicação. Já foi o tempo em que o púlpito era suficiente. Não há alternativa senão chegar onde as ovelhas estão.
Faço esta constatação para afirmar que existe uma “química” capaz de fazer verdadeiros milagres. Ela acontece onde um presbitério em conjunto com seu obreiro/a, à luz do Evangelho, coloca as pessoas (as ovelhas) em primeiro lugar. Quando isto ocorre é praticamente irrelevante se a teologia caminha um pouco mais pelo lado tradicional, evangelical ou social. Temos motivos para agradecer a Deus pelo significativo número de lideranças que, a partir desta convicção, tem colocado os seus dons a serviço das crianças, jovens, mulheres e homens neste sínodo. De forma muito próxima, pude sentir a dedicação das lideranças nas pessoas que compõem a diretoria do Conselho Sinodal.
E, contudo, temos grande tarefa pela frente. Historicamente alimentamos a idéia de que a função da “diretoria” é cuidar da parte material e a função do pastor é cuidar da parte espiritual, como se em algum lugar da Bíblia isto estivesse escrito. Volto a dizer que, no meu modo de ver, temos grande tarefa pela frente, que é a formação constante de lideranças. A Comissão escolhida pela última assembléia para refletir e levantar propostas sobre o assunto tem em suas mãos importante missão. Da mesma forma, aqueles obreiros/as que ainda não priorizam o assunto, precisam fazê-lo com urgência.
Convém enfatizar uma diferença essencial mencionada no versículo acima citado: “por constrangimento” ou “espontaneamente, como Deus quer”. Por constrangimento significa por obrigação. É quando uma função no presbitério é um fardo e não uma oportunidade de servir com os dons que Deus deu. Quando há constrangimento é sinal que precisamos investir mais em evangelização. Se a ordem de prioridade é o clube de serviço, a associação comercial, o clube esportivo e outros mais temos um sinal claro de que está frágil o “espontaneamente, como Deus quer”. Esta mudança apenas o Evangelho pode operar. Disse acima que podemos nos alegrar com as muitas lideranças que se dispõem a servir com prazer, que não medem esforços, que não trabalham para receber elogios. Mas, devemos nos preocupar quando os projetos e os sonhos de ampliar o centro comunitário excedem em muito os sonhos de ampliar a igreja pela perspectiva de que vá ficar pequena.
Arrisco dizer que, como lideranças e obreiros/as, precisamos avançar de forma decisiva na formação de lideranças, acompanhada de evangelização. Para isso não precisamos imitar igrejas neopentecostais e nem colocar em risco a unidade da IECLB. Basta nos colocarmos em oração diante de Deus, zelarmos pela fidelidade ao Evangelho e estarmos dispostos a planejar e investir nas pessoas. Não vejo outro caminho para que daqui há quatro anos o percentual de crescimento no sínodo seja superior aos 1,33% referidos acima.
2.2.4 – Departamentos e Comissões
No presente Caderno da Assembléia Sinodal vocês vão encontrar também os relatórios dos diversos departamentos e comissões do Sínodo, além dos relatórios do presidente e do tesoureiro da Diretoria do Conselho Sinodal. É importante ressaltar que cada departamento, comissão e mesmo a diretoria do sínodo envolve um número significativo de pessoas que se dispõem a colaborar com os seus dons. Gostaria de animar a todos para que leiam aqui ou em casa este amplo material informativo e reflexivo. Também não precisamos ignorar que há departamentos com uma caminhada mais sólida, enquanto a de outros é mais frágil. Entre os departamentos que estão se fortalecendo no momento está o da JE. Pela importância que tem o trabalho com jovens, compartilho da alegria por este novo ânimo.
Faz parte do planejamento do Sínodo a pergunta constante pelo equilíbrio entre as atividades locais, de núcleos e a nível sinodal. Após a constituição das comissões de Fé, Gratidão e Compromisso e a de Formação, percebo que em algumas áreas estamos no limite com encontros a nível sinodal. Percebe-se também que, pelo ritmo de vida da atualidade, há uma crescente dificuldade para reunir pessoas em encontros de mais de um dia. Ou seja, sejamos gratos por aqueles que viajam mais longe para que o Sínodo, enquanto corpo, seja fortalecido. Por outro lado, precisamos ficar atentos para não haver sobrecarga.
2.2.5 – Relação IECLB e MEUC
Historicamente a IECLB convive com movimentos em seu interior. Há um relativo consenso em dizer que isto é saudável, desde que contribua com anúncio do Evangelho e com a unidade da igreja. O afastamento recente de pessoas identificadas com o Movimento Carismático deixou claro que estes assuntos são sensíveis. Dentre os movimentos presentes na IECLB está a Missão Evangélica União Cristã (MEUC), que tem no âmbito do Sínodo Rio Paraná três missionários, atuando em Cascavel, Maripá e M. C. Rondon. Nos últimos dois a três anos foi feito um expressivo esforço para estreitar este relacionamento, cuja história tem mais de 80 anos.
Com a coordenação do P. Presidente, Dr. Walter Altmann, chegou-se a reformulação das diretrizes existentes. Estas novas diretrizes foram aprovadas pelo Conselho da Igreja no final de 2005. Aqui no sínodo iniciamos a fase do estudo das diretrizes e de reuniões sobre a aplicação das mesmas. Cada caso é um caso e como tal precisa ser tratado, mas todos requerem humildade, diálogo e bom senso. Temos uma oportunidade de superar distâncias e rogo para que Deus nos conceda a necessária sabedoria para darmos os passos necessários. A presença de representantes da MEUC nesta assembléia, a exemplo do que já aconteceu na anterior, quer ser um indicativo desta maior proximidade e identificação.
3 – Participação a nível de IECLB
A função de pastor sinodal requer a participação em encontros e reuniões sob coordenação da IECLB. É o caso das duas reuniões anuais da presidência com a pastora e os pastores sinodais e o Concílio Geral. Além disso, faço parte da Comissão Permanente de Diálogo entre IECLB e MEUC, Conselho Curador da Escola Superior de Teologia e Comissões de Colóquio para o Período Prático de Habilitação ao Ministério. Estas atividades normalmente não se tratam de opção pessoal. O mais comum é que já esteja prevista a participação de um ou mais pastores sinodais nestas instâncias. Com isso, ocorre quase que uma distribuição de tarefas, que considera as distâncias, a afinidade e as possibilidades de cada um. São espaços para contribuir e aprender, mas que também exigem tempo.
4 – Aspectos pessoais
“O amor do Deus Eterno não se acaba, e a sua bondade não tem fim.
Este amor e esta bondade são novos todas as manhãs;
E como é grande a fidelidade do Deus Eterno”
(Lm 3. 22-23).
Estou ciente que não abordei todos os assuntos que poderia. Com certeza existem lacunas. Tentei, contudo, me ater àquilo que neste momento vejo como mais importante. Em assembléias anteriores outros pontos foram acentuados, como, por ex., a reflexão sobre a unidade na IECLB e sobre a avaliação de obreiros/as e paróquias.
Compartilho com as pessoas presentes nesta assembléia, lideranças e obreiros/as, que o segundo semestre do ano passado foi um período especialmente difícil para mim. Vivo da esperança de ver o Evangelho sendo vivenciado nas comunidades do Sínodo. As rupturas produzidas, por questões teológicas e éticas, me angustiam. Fazem-me colocar a pergunta pela minha responsabilidade. Ao mesmo tempo, porém, não me deixam esquecer que nenhum de nós, que confessa Jesus Cristo como Salvador e Senhor, pode fugir da pergunta pela coerência entre o que anuncia e o que vive. Cientes, entretanto, de que dependemos da misericórdia de Deus. Por isso, ao olhar para trás, posso dizer que nestes quatro anos como pastor sinodal experimentei o que muitos experimentam na sua vida de fé: erros e acertos, alegrias e tristezas, comunhão e solidão, riso e choro, tensão e paz, angústia e livramento, frustração e esperança. Mas, acima de tudo, foi um tempo para perceber com mais profundidade a fidelidade de Deus, o amor da esposa e dos filhos, A bênção que é a vida em comunidade e a proximidade de irmãos e irmãs. Foi um tempo privilegiado de aprendizado e convívio.
Por isso, concluo este relatório da forma como iniciei, expressando gratidão: a Deus, pela misericórdia e pelo amparo; à família, pela compreensão e carinho; aos integrantes da Diretoria do sínodo, pela dedicação e confiança; ao vice-pastor sinodal, pela capacidade de ouvir e dividir responsabilidades; à secretária executiva do sínodo, pela eficiência no desempenho de sua função; aos colegas obreiros/as, pela comunhão e acolhida em suas casas; às lideranças e membros das comunidades, pela participação e a disposição em servir; à presidência da IECLB, pela orientação e o apoio; a todos, pelas orações.
Compartilho a convicção de que Deus, em sua graça, quer nos usar para transformar vidas e o meio em que somos colocados. Compartilho a convicção de que Deus espera de cada um de nós um consistente testemunho de fé a partir da IECLB no Sínodo Rio Paraná. Que ele, Deus, nos conceda humildade, sabedoria e ânimo na porção que confia em nossas mãos.
P. Nilo O. Christmann