Vencer o mal com o bem
Proclamar Libertação – Volume 47
Prédica: Romanos 12.9-21
Leituras: Jeremias 15.15-21 e Mateus 16.21-28
Autoria: Jorge Batista de Oliveira
Data Litúrgica: 14° Domingo após Pentecostes
Data da Pregação: 03/09/2023
1. Introdução
As três leituras deste domingo podem ser relacionadas com o tema “vencer o mal com o bem”. A tendência humana é tentar vencer o mal com mais mal. Mas isso não é possível, pois o mal só pode ser vencido com o bem. A bondade de Deus é mais forte do que qualquer mal, e o caminho de Deus sempre desafia a nossa natureza e nos chama a viver o amor pelo poder do Espírito. Vejamos!
Em Jeremias 15.15-21, o profeta dirige-se a Deus querendo abandonar sua vocação. Jeremias apresenta queixas e protestos pelos sofrimentos e pelas perseguições a que se via submetido e pede vingança contra seus inimigos. Deus responde consolando o profeta, promete apoio e proteção, desde que ele se converta e retome sua vocação.
No Evangelho de Mateus 16.21-28, Pedro tenta fazer Jesus desistir da cruz. É difícil para a mente humana compreender e aceitar os propósitos divinos. Por isso Jesus reage repreendendo o seu discípulo e ensinando-lhe que é preciso negar a si mesmo, carregar a sua cruz e acompanhar o mestre para alcançar a vida verdadeira. Jesus foi o exemplo perfeito de vencer o mal com o bem.
Em Romanos 12.9-21, Paulo enumera uma lista de virtudes baseadas no amor, as quais devem ser alcançadas através da oração e do agir do Espírito Santo. As pessoas cristãs são convocadas a vencer o mal com o bem, manifestando amor umas pelas outras, especialmente pelos inimigos. O amor é a base dos nossos relacionamentos. Por isso nossas atitudes devem ser regidas por ele.
2. Exegese
De modo simples, a Carta aos Romanos pode ser dividida em duas grandes partes. A primeira vai do capítulo 1 até o 11 e apresenta grandes considerações doutrinárias da fé. A segunda vai do capítulo 12 ao 16 e trata da parte prática, versando sobre a conduta cristã ideal e a ética cristã. Temos, nessa segunda parte, aquilo que se espera dos seguidores e das seguidoras de Cristo quanto ao seu comportamento diário.
Paulo inicia o capítulo 12 falando da consagração do corpo e da mente ao Senhor como um compromisso básico requerido de toda pessoa cristã. O assunto dos v. 1 a 8 é o verdadeiro culto e o emprego dos dons no serviço a Deus.
A perícope em estudo (v. 9-21) destaca a vivência do amor dentro e fora da comunidade. Paulo enumera principalmente os deveres para com os nossos irmãos e nossas irmãs (v. 9-13) e nossa responsabilidade com todas as pessoas nas diversas situações da vida diária (v. 15-16) e com aquelas que nos perseguem e nos desejam o mal (v. 14, 17-21).
A estrutura do raciocínio de Paulo é digressiva. Ele apresenta uma lista de imperativos baseados no amor aos quais as pessoas cristãs devem obedecer. Por esse motivo, as exortações têm de abranger diversas situações da vida.
V. 9 – Paulo descreve dois imperativos que assinalam nossa responsabilidade como seguidores e seguidoras de Cristo: amar de forma genuína, sem hipocrisia e detestar o mal, apegando-nos ao bem.
O termo anypokritos, no grego, significa sem hipocrisia. Essa palavra caracteriza os atores que utilizavam máscaras nas peças de teatro, no mundo antigo, para representar um papel.
A palavra grega usada aqui para amor é agapē, bastante usada para descrever o amor de Deus pelas pessoas (5.5, 8; 8.39). Esse termo denota um amor sacrificial, diz respeito a um ato da vontade por meio do qual uma pessoa busca o melhor para a outra. Cristo é o maior modelo de amor sacrificial (Fp 2.3-8), e o amor é o maior de todos os dons e o princípio básico do verdadeiro cristianismo. Por isso não pode ser teatro. A pessoa crente deve ser sincera, e não um ator na vida. Seu amor precisa ser autêntico, genuíno e sem fraude.
O verbo detestar, do grego apostygeō, ocorre só aqui no NT e significa repelir com repugnância, ter aversão tão grande a algo que a pessoa se mantém longe daquilo. O amor cristão verdadeiro leva a pessoa a repelir o mal, apegando-se ao bem que é a boa, perfeita e agradável vontade de Deus (v. 2).
V. 10 – Paulo destaca, agora, a responsabilidade das pessoas cristãs para com os irmãos e as irmãs na fé, dizendo que devemos amar os irmãos em Cristo assim como amamos nossa família e engrandecer uns aos outros. Filostorgos quer dizer afeto familiar, sendo traduzido no versículo por amor fraternal, que existe entre parentes próximos.
A palavra grega filos significa consideração afetuosa, e a forma derivada filadelfia é traduzida por amai-vos cordialmente neste versículo. O termo descreve o vínculo estreito que deve existir entre os irmãos e irmãs na fé (1Ts 4.9; Hb 13.1; 1Pe 1.22; 2Pe 1.7). As pessoas crentes consideram as outras superiores a si mesmas, pois, no verdadeiro amor, a pessoa não busca a própria honra ou vantagem, mas está disposta a honrar as outras pessoas.
V. 11 – Paulo convoca as pessoas cristãs para a responsabilidade em relação aos deveres espirituais. Tendo em vista o perigo da letargia espiritual, o apóstolo nos desafia a não sermos indolentes, mas aplicados na vida cristã.
A expressão no zelo, não sejais remissos, implica que não devemos ser preguiçosos na vida cristã e no trabalho para Deus; antes, precisamos ser fervorosos. Do grego zeō, literalmente, ferver. A pessoa cristã zelosa sempre mantém o interesse na causa de Deus, como se estivesse a ponto de ebulição.
V. 12 – Devemos nos alegrar na esperança que nos faz olhar para além da escuridão e das dificuldades do mundo presente para as coisas invisíveis e eternas (2Co 4.17, 18), sendo pacientes na adversidade e diligentes na oração. O sofrimento tem o poder de amadurecer a pessoa cristã para, assim, torná-la cada vez mais semelhante a Cristo (2Co 4.17-18).
V. 13 – Agora Paulo apresenta os deveres sociais, destacando que as pessoas cristãs devem compartilhar as necessidades de seus irmãos e irmãs na fé, e atendendo-as como se fossem as suas próprias. A generosidade para com os irmãos e as irmãs em necessidades e a hospitalidade são aplicações práticas do princípio do amor.
A hospitalidade, do grego filoxenia, significa literalmente “amor aos estranhos”, portanto “abrigar os estranhos”. Desde cedo, as pessoas cristãs consideraram a hospitalidade uma das mais importantes virtudes cristãs (1Tm 3.2; Tt 1.8; Hb 13.2; 1Pe 4.9). Isso ocorria em vista do grande número de viajantes e perseguidos. Muitas pessoas cristãs eram expulsas de suas casas e obrigadas a procurar abrigo com aquelas que mantinham a mesma fé (ver At 8.1). A hospitalidade que as pessoas crentes praticavam umas para com as outras contribuía para os vínculos que mantinham unidos os membros dispersos da igreja.
V. 15-16 – Paulo fala das obrigações relacionais e expõe a responsabilidade das pessoas cristãs no vínculo afetivo. Ele apresenta uma orientação para que mantenham a harmonia que existe entre elas. Não devem ser arrogantes, convencidas, nem somente se associar com pessoas aparentemente mais importantes. Não podem permanecer indiferentes ao sofrimento ou à alegria umas das outras. Devem alegrar-se com aquelas que se alegram e chorar com aquelas que choram (v. 15), vivendo em conformidade umas com as outras e ser humildes (v. 16). V. 14 e 17-21 – Paulo apresenta uma série de imperativos sobre como as pessoas cristãs devem agir com aquelas que as consideram inimigos. Diante da perseguição em Roma, as pessoas cristãs são chamadas a reagir abençoando os perseguidores. Pois o amor não se limita aos irmãos às irmãs na fé. Elas devem:
– Não amaldiçoar, mas abençoar os inimigos (v. 14). O verbo amaldiçoar, do grego kataraomai, significa desejar o mal, rogar pela destruição de outrem. Já o verbo abençoar, do grego eulogeō, significa falar bem de, solicitar a bênção de Deus sobre outrem.
– Não retribuir o mal que recebemos com o mal (v. 17), mas tentar viver em paz com todos (v. 18). A frase se possível indica que nem sempre viveremos em paz com todas as pessoas, mas que devemos tentar com afinco viver pacificamente. Assim, viver em paz com todos torna-se um desafio.
– Ao invés de sermos vingativos, devemos dar lugar à ira (v. 19), fazendo o bem aos inimigos (v. 20). As pessoas cristãs não devem buscar a vingança pessoal, mas devem deixar que Deus promova a punição devida à iniquidade, pois a vingança e a recompensa pertencem ao Senhor. Por meio de atos de bondade, as pessoas cristãs podem amontoar brasas de fogo sobre a cabeça dos seus inimigos, ou seja, provocar vergonha e talvez arrependimento a eles (Hb 10.30). O melhor modo de livrar-se de um inimigo é torná-lo amigo. Esse é o poder do amor de Deus, com quem as pessoas cristãs estão conectadas por meio de Cristo. Paulo cita Provérbios 25.21-22 quase literalmente.
– Vencer o mal que recebermos com o bem (v. 21). Esse versículo resume toda a perícope, sendo também o ápice do capítulo. Paulo exorta que não devemos permitir que o mal triunfe sobre nós. Devemos lutar para não sermos vencidos pela atitude de retribuir a perversidade que sofremos de nossos adversários com a mesma moeda. Devemos retribuir o mal que nossos oponentes nos infligem com expressões de bondade. É dessa maneira que triunfamos sobre a maldade.
3. Meditação
Todos querem viver bem, mas saber conviver bem poucos sabem. Conviver é uma arte que precisa ser cultivada e praticada, para a qual há alguns princípios práticos a serem seguidos. O principal é fazei aos outros aquilo que quereis que os outros vos façam (Mt 7.12).
Ao escrever para as pessoas crentes da igreja em Roma, o desejo do apóstolo Paulo era que tivessem uma vida de consagração a Deus e que vivessem um amor genuíno para com todos, inclusive pelos próprios perseguidores. Por isso o apóstolo apresenta uma lista de princípios e virtudes a serem cultivados.
Somos desafiados a odiar o mal e nos apegar ao bem, tratando as pessoas com humildade, demonstrando amor sincero, buscando praticar o que é bom. Paulo ensina que não devemos ser preguiçosos no zelo. Devemos ser fervorosos no Espírito, pois o Espírito é quem deve julgar, ou antes, trabalhar na vida de cada crente, a fim de que viva longe do pecado.
Devemos ser generosos e saber dividir o que possuímos, pois uma maneira muito prática de demonstrar nosso amor é quando ajudamos quem precisa e quando somos hospitaleiros. É muito importante identificar e fazer o que pudermos para atender às necessidades das outras pessoas. Isso nos lembra da igreja primitiva em Jerusalém, que tinha tudo em comum (At 2.44). Estejamos atentos à realidade daquelas pessoas com as quais convivemos.
O amor nunca se mantém longe das alegrias ou das dores das outras pessoas. O amor mostra-se solidário. Por isso nos alegramos com aquelas pessoas que se alegram e choramos com aquelas que choram. E isso não somente com os irmãos e as irmãs na fé, mas com todas as pessoas com quem mantemos um relacionamento, compartilhando as necessidades físicas e espirituais.
Em tempos de exibicionismo nas redes sociais, somos desafiados a não ser orgulhosos, mas humildes. Um dos piores tipos de orgulho é o esnobismo, pois a pessoa esnobe vive obcecada por status e seleciona as pessoas com quem anda. A vanglória pode colocar uma barreira muito grande em nossas relações com outras pessoas. Jesus entrou em contato com pessoas de todos os níveis sociais e falou a respeito do reino de Deus com pessoas de todas as classes.
Realmente, conviver com outras pessoas, às vezes, pode causar-nos dificuldades, mas a Bíblia diz que devemos fazer tudo o que for possível da nossa parte para viver em paz com todas as pessoas. Se alguém nos persegue, no lugar de praticar a vingança, devemos orar por essa pessoa, pedindo a bênção de Deus sobre a vida dela. Nosso papel não deve ser de fazer justiça com as próprias mãos, pois nos colocar no papel de juiz é pecado, e tampouco faremos justiça. Precisamos ter uma vida de confiança em Deus, sabendo que a ele pertence o julgamento.
Sabemos que não é fácil abençoar nossos inimigos. Mas a recomendação de Paulo está fundamentada em Jesus, que nos ensina a amar os nossos inimigos, desejando que lhes ocorra o bem. Quando agimos assim, fazemos com que se envergonhem a si mesmos em razão de receber o bem, mesmo tendo praticado o mal.
Por mais que seja difícil a convivência, seja em casa, no trabalho ou na igreja, não podemos viver isoladamente. Temos que aprender a conviver com os espinhos dos relacionamentos, sabendo que, com amor, podemos entender melhor as pessoas com quem convivemos. Na medida do possível, devemos viver em paz com todos. Claro que a fé cristã não implica uma tolerância permissiva que aceita qualquer coisa e fecha os olhos para tudo. Há circunstâncias nas quais é impossível o estabelecimento ou a manutenção da paz. Por exemplo: se vemos alguém agredindo uma pessoa, não devemos ter paz com ele. Somos chamados a parar o mal, ainda que para isso tenhamos que intervir.
No entanto, vamos perceber que quando tratamos as outras pessoas com amor e humildade, somos também tratados de melhor forma até por pessoas com quem considerávamos impossíveis de conviver.
O mal só pode ser vencido com o bem. Isso não é tarefa simples, ao contrário, aprender a amar e perdoar é muito difícil, porque vai contra nossa natureza egoísta. Mas o amor de Deus revelado em Jesus vence o mal. E esse amor nos move a amar o nosso semelhante de tal forma que aprendemos a dialogar, perdoar, reconciliar e abençoar. Aprendemos a amar sem fingimento, pois o verdadeiro amor não usa máscaras. Nesse amor, encontramos reciprocidade, que nos leva a depender um do outro e a fazer o bem a todos. Podemos experimentar na família, na igreja e na sociedade relacionamentos mais fraternos, justos, de paz e felicidade. Nossas comunidades seriam muito mais fortes e fariam a diferença neste mundo se os e as crentes amassem uns aos outros dessa forma.
4. Imagens para a prédica
Havia duas vizinhas que viviam em pé de guerra. Não podiam se encontrar na rua que era briga na certa. Depois de um tempo, Maria descobriu o verdadeiro valor da amizade e resolveu que iria fazer as pazes com Clotilde. Ao se encontrarem na rua, muito humildemente, Maria disse: – Minha querida Clotilde, já estamos nessa desavença há anos e sem nenhum motivo aparente. Estou propondo para você que façamos as pazes e vivamos como duas boas e velhas amigas.
Clotilde, na hora, estranhou a atitude da velha rival e disse que iria pensar no caso. Pelo caminho, foi matutando. “Essa Maria não me engana, está querendo me aprontar alguma coisa e eu não vou deixar barato. Vou mandar-lhe um presente para ver sua reação.”
Chegando em casa, preparou uma bela cesta de presentes, cobrindo-a com um lindo papel, mas encheu-a de esterco de vaca. “Eu adoraria ver a cara da Maria ao receber esse ‘maravilhoso’ presente. Vamos ver se ela vai gostar dessa.”
Mandou a empregada levar o presente à casa da rival, com um bilhete: Aceito tua proposta de paz e, para selarmos nosso compromisso, envio-te este lindo presente.
Maria estranhou o presente, mas não se exaltou. “O que ela está propondo com isso? Não estamos fazendo as pazes? Bem, deixa pra lá.”
Alguns dias depois, Clotilde atende a porta e recebe uma linda cesta de presentes coberta com um belo papel. “É a vingança daquela asquerosa da Maria. Que será que ela me aprontou?”
Qual não foi sua surpresa ao abrir a cesta e ver um lindo arranjo das mais belas flores que podiam existir num jardim, e um cartão com a seguinte mensagem: Estas flores é o que te ofereço em prova da minha amizade. Foram cultivadas com o esterco que você me enviou e que proporcionou excelente adubo para meu jardim. Afinal, cada um dá o que tem em abundância em sua vida.
5. Subsídios litúrgicos
Confissão de pecados: Senhor, como é bom saber que somos amados e amadas por ti. Esse amor tão grande nos foi revelado em Jesus Cristo, que venceu o mal com o bem. Confessamos que não sabemos amar assim. Nosso amor é egoísta e interesseiro. Escolhemos a quem amar e desprezamos muitas pessoas. Por isso te pedimos perdão pelos pecados que cometemos em palavras, atitudes e pensamentos, pelo que fizemos ou deixamos de fazer. Senhor, alimenta-nos com o teu amor e ensina-nos a amar o nosso próximo, respeitando-o como alguém criado e amado por ti. Que o verdadeiro amor permeie nossa vida e nossos relacionamentos, para que possamos vencer o mal com o bem. Em nome de Jesus Cristo, amém.
Hinos:
Liturgia de entrada: LCI 4, 7, 13, 25, 31, 36, 56
Liturgia da Palavra: LCI 157, 159, 582, música do Tema do Ano 2022 – Viva o
Amor
Liturgia de despedida: LCI 287, 293, Oração de São Francisco
Bibliografia
BRUCE, F. F. Romanos: Introdução e Comentários. São Paulo: Vida Nova; Mundo Cristão, 1979.
CHAMPLIN, Russell Norman. O Novo Testamento: Interpretado versículo por versículo. São Paulo: Candeia, 1985.
PERROT, Charles. Epístola aos Romanos. São Paulo: Paulinas, 1993.
Proclamar libertação é uma coleção que existe desde 1976 como fruto do testemunho e da colaboração ecumênica. Cada volume traz estudos e reflexões sobre passagens bíblicas. O trabalho exegético, a meditação e os subsídios litúrgicos são auxílios para a preparação do culto, de estudos bíblicos e de outras celebrações. Publicado pela Editora Sinodal, com apoio da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB).