Proclamar Libertação – Volume 40
Prédica: Romanos 5.1-5
Leituras: Salmo 8 e João 16.12-15
Autoria: Walter Altmann
Data Litúrgica: 1º Domingo após Pentecostes (Trindade)
Data da Pregação: 22/05/2016
1. Introdução
O texto proposto para a pregação é a perícope da Epístola de Paulo aos Romanos. Neste auxílio, baseio-me fundamentalmente no recente e exaustivo comentário de Michael Wolter, referido na bibliografia e a seguir várias vezes citado.
Dentre as cartas de Paulo, essa é a mais densa sob o ponto de vista teológico. Isso se dá em especial por duas razões. Primeiramente, é a única carta de Paulo que não se refere nem responde a alguma situação específica das pessoas endereçadas. Mesmo suas exortações parenéticas nos capítulos 12 a 14 são direcionadas a situações típicas, não específicas a situações concretas em Roma. Em segundo lugar – e isso é particularmente significativo –, porque Paulo, completando uma intensa etapa de sua vida enquanto missionário, aproveita a ocasião para fazer um balanço teológico de seu apostolado até então. Paulo está em vias de retornar a Jerusalém, levando consigo a coleta que efetuara nas comunidades por ele visitadas ou criadas em favor dos “pobres dentre os santos que vivem em Jerusalém” (Rm 15.26).
O ensejo específico para escrever aos romanos (ver a seguir a quem especificamente) se dá pelo fato de que se dirigia a Roma a “irmã Febe”, “protetora” de muitas pessoas e do próprio Paulo. Ao que tudo indica (cf. Rm 16.1-2), Febe era uma pessoa de respeitáveis recursos, que apoiava a comunidade de Cencreia, cidade portuária, ou também de Corinto, não distante, além do próprio apóstolo, e estava prestes a viajar para Roma a negócios, nos quais Paulo pede o apoio dos irmãos em Roma no que ela venha a precisar.
Ademais, Paulo intencionava, após sua ida a Jerusalém, abrir uma nova etapa de sua obra missionária, dirigindo-se à Espanha, para o que deveria passar pela capital do império, a saber, Roma (15.24). Por que Paulo pretendia ir especificamente à Espanha só pode ser especulado, pois ele não o explicita. Talvez fosse para alcançar com sua obra, numa nova etapa, o extremo oeste do império, depois de haver missionado no leste do império. (Bem diferente do que se imaginava, Paulo haveria de ser levado preso a Roma e, por sua condenação à morte, jamais haveria de alcançar a Espanha.)
As pessoas endereçadas em Roma e o apóstolo Paulo não se conhecem pessoalmente, ainda que Paulo venha no fi nal da carta saudar nominalmente uma série de pessoas (Rm 16.3-15). Assim, Paulo pretende estabelecer com elas uma relação de confiança e apresenta-se a elas como apóstolo e com sua teologia. Elas poderão ler a carta como “um comentário teológico ao evangelho pregado por Paulo” (Wolter, p. 47).
Portanto o assunto da carta, segundo Wolter, não é alguma situação específica em Roma (muito menos a Espanha, que Paulo não conhecia nem viria a conhecer), mas o próprio Paulo. Ele dá razão de sua trajetória pessoal como judeu que pelo poder do evangelho se transformou no missionário dos gentios. Assim, ao referir-se na carta aos judeus ou a Israel, Paulo estaria dialogando “consigo mesmo” em sua condição de judeu.
Ainda assim, brevemente, quem eram os endereçados da carta? É sabido que já décadas antes de Cristo havia em Roma um bom número de judeus da diáspora. Sem que se possa precisar com exatidão, seu número deve ter alcançado várias dezenas de milhares de pessoas. Elas não constituíam uma comunidade uniforme, mas um conjunto de sinagogas independentes num sistema muito descentralizado. Com o advento do cristianismo, primeiramente surgiram em seu interior ou a ela se somaram judeus cristãos. Aqui e ali surgiram tensões que o Império Romano encarou, a princípio, simplesmente como dissensões internas do judaísmo.
Segundo Atos dos Apóstolos 18.2, o imperador Cláudio (gestão de 41-54 d.C.) teria emitido um decreto expulsando da cidade de Roma “todos os judeus”. Sueton, escritor romano da primeira metade do século II e por certo tempo funcionário do império, refere-se ao mesmo decreto que teria ocorrido por motivo de um tumulto causado por um certo Crestos (assim). Essas referências têm sido interpretadas muitas vezes como uma expulsão generalizada de judeus de Roma, tendo posteriormente havido uma nova onda de migração de judeus e cristãos à capital do império.
A pesquisa de Michael Wolter torna muito mais plausível a hipótese de que o decreto mencionado tenha sido aplicado através da força e de qualquer modo atingido apenas uma pequena parcela do total de judeus e judeus cristãos (daí a referência a “Crestos”) residentes em Roma e talvez apenas uma ou de forma alguma muitas das sinagogas existentes. A maioria dos judeus e dos judeus cristãos pôde continuar vivendo em Roma.
Posteriormente, o crescimento do número de cristãos, também pela adesão à fé cristã de um apreciável número de gentios, levou a que o Império Romano fizesse sob Nero uma clara distinção entre judeus e cristãos, culminando na conhecida perseguição massiva e cruel a cristãos sob Nero, imperador de 54 a 68, que os acusou de ter incendiado Roma, trágico acontecimento que a boca popular atribuía ao próprio imperador, interessado em obter espaço para novas construções por ele planejadas para a capital do império.
A carta de Paulo é anterior a esse dramático e trágico desdobramento. O próprio Paulo, tendo sido preso em Jerusalém, sob acusação de ter profanado o templo (At 21.28-29) e, posteriormente, diante do governador Félix, de “sedição” (At 24.5-6), foi enviado a Roma, já que ele interpôs um apelo a César, um direito que cabia aos cidadãos romanos, condição que Paulo também possuía (cf. At 22.25-28). Em Roma, após período de detenção por dois anos e submetido a processo, Paulo foi com toda a probabilidade condenado à morte e executado mediante decapitação, a modalidade de sentença de morte reservada aos cidadãos romanos.
Ainda assim, Atos dos Apóstolos não traz o relato da morte de Paulo, provavelmente porque o plano teológico de seu livro era a trajetória da pregação do evangelho desde a origem da comunidade cristã em Jerusalém, em Pentecostes, até sua difusão na capital do império, Roma, com a chegada de Paulo.
Retornando, contudo, ao momento em que Paulo, antes de retornar a Jerusalém, escreve aos romanos, o número de gentílicos cristãos já se tornara significativo, e é a esses que Paulo, como apóstolo dos gentios, se dirige e se apresenta.
2. Considerações exegéticas
Wolter detecta na Epístola de Paulo aos Romanos a estrutura a seguir apresentada resumidamente (cf. p. 68-72). Afora a saudação e o proêmio no início (cap. 1.1-17) e o epílogo e as saudações finais (cap. 15.14-16.24), seguidas de uma doxologia (16.25-27), há quatro partes principais.
A primeira (1.18-5.21), dentro da qual se encontra a perícope prevista para a pregação, esclarece por que “a salvação de Deus só pode provir da fé em Jesus Cristo (3.22)” (p. 69). Nessa parte, há a contraposição entre a condição humana, tanto de judeus como de gentios, sob a ira de Deus, a causa de seu viver pecaminoso (1.18-3.20), e a salvação provinda de Deus, acessível a quem crê em Cristo (3.21-5.21). Entre os exegetas há, contudo, controvérsia se o capítulo 5 (precisamente a partir do v. 1, portanto início da perícope prevista para a pregação) deve ser incluído nessa primeira parte ou abrir a parte seguinte.
A segunda parte, ainda segundo Wolter, estende-se de 6.1 a 8.39. Nela Paulo desenvolve “uma espécie de antropologia de quem é cristão” (p. 71), delimitando-se de seu passado pré-cristão e voltando o olhar para seu futuro em Deus. Na terceira parte (8.1-11.36), Paulo realça a fidelidade de Deus a suas promessas, dando resposta à pergunta de como fica a situação dos judeus que não aceitaram a fé em Cristo, pela qual os gentios obtiveram acesso à salvação.
Finalmente, com a quarta e última parte principal (12.1-15.13), sempre segundo Wolter (p. 72), Paulo conclui seu arrazoado teológico com uma parênese, contendo recomendações éticas para a vivência cristã em determinadas situações. Assim, remetendo ao início da epístola, os gentios “glorificam a Deus por causa de sua misericórdia” (15.9), superando o pecado fundamental dos povos não judeus de não glorifi car a Deus como Deus (1.21).
Passando especificamente a Romanos 5, os v. 1-5 devem ser vistos em conjunção com os versículos subsequentes, 6-11. A contraposição com a primeira parte da epístola (1.18-3.20), a condição de estar sob a ira de Deus à causa do pecado humano, não deve ser entendida como a contraposição entre “nós” e “eles”, ou seja, nós que cremos em Jesus Cristo e as pessoas que não creem nele, mas entre nós que hoje cremos em Jesus Cristo e nós que anteriormente não críamos nele. Algo ocorreu radicalmente em nossas vidas. Uma transformação radical.
Isso fica extremamente claro nos v. 6 e subsequentes: “quando nós ainda éramos fracos” (v. 6); Cristo morreu por nós, “sendo nós ainda pecadores” (v. 8); fomos reconciliados com Deus quando ainda “inimigos” (v. 10). Mudança tão radical ocorreu pela morte de Cristo (v. 8 e 10), por seu “sangue” (v. 9). Assim, já reconciliados com Deus (v. 10 e 11), podemos olhar com confiança ao futuro, pois “seremos por ele salvos da ira” (v. 9) e, consequentemente, podemos já agora nos “gloriar em Deus” (v. 11). Assim, o trecho não apenas destaca o presente em contraposição a uma condição do passado, quanto igualmente o futuro definitivo de Deus em relação à condição provisória do presente. Há, claramente, uma perspectiva escatológica.
O glorificar a Deus é também um canto firme já nos v. 1 a 5. O gloriar-se “na esperança da glória de Deus” (v. 2) permite, inclusive, que nos gloriemos também nas “próprias tribulações” (v. 3). O v. 1 apresenta como que uma espécie de título ou tese, que é desdobrada e fundamentada nos versículos subsequentes. Nele, “paz com Deus” não deve ser entendido tanto no sentido subjetivo como um sentimento espiritual de tranquilidade que teríamos em nosso íntimo, mas como exposição objetiva da nova relação estabelecida com Deus à base de Jesus Cristo, em particular sua morte, o qual acolhemos em fé e fomos, portanto, justificados. Antes, estávamos sob a ira de Deus; agora, em paz com Deus.
Ainda assim, persiste uma tensão. Podemos gloriar-nos em Deus já agora. Contudo “gloriamo-nos na esperança da glória de Deus”. Ou seja, Paulo descreve o ser revestido da glória de Deus, pelo menos em sua plenitude, como uma realidade a ocorrer no futuro, mas pela qual podemos esperar agora com uma esperança não incerta, porque já é certeza da fé e na fé. Ainda assim, na realidade atual persiste o sofrimento das consequências de que, enquanto pecadoras, todas as pessoas “carecem da glória de Deus”, o que Paulo havia exposto em 3.23 (cf. Wolter, p. 338).
Defrontamo-nos, pois, aqui, com a dialética característica de Paulo do “já agora – ainda não”. Na fé, temos já agora em esperança o que no futuro teremos em plenitude. Mas no presente persistem as consequências das relações pregressas de rompimento com Deus. Trata-se, pois, de encarar a realidade presente em perspectiva escatológica. E isso fazemos “em esperança”.
Daí também a referência de Paulo às tribulações, das quais as pessoas que creem não são poupadas de forma alguma. Contudo, à causa da fé, as tribulações que em si poderiam levar ao desespero ou a um sentimento de revolta são elas próprias “convertidas” em dons positivos e libertadores: primeiramente a perseverança, a qual, por sua vez, produz experiência, da qual brota a esperança (v. 3 e 4). “A realidade do sofrimento não apenas não se encontra em contradição à certeza cristã da esperança, como até mesmo a fortalece” (Wolter, p. 326).
Por fim, trata-se realmente de dons, ou seja, dádivas divinas. Não será possível atribuir o vivermos baseados na esperança a esforços próprios, a uma disciplina voluntariosa. Ao contrário, é o próprio Espírito Santo quem livremente “derrama o amor de Deus em nosso coração” (v. 5), produzindo consequentemente aqueles benéficos dons. Não se pode deixar de ver a radicalidade do pensamento do apóstolo Paulo: através da ação do Espírito Santo o próprio amor de Deus, que se revelou de forma tão contundente e maravilhosa na morte de Cristo, passa a ser parte integrante da nova identidade de quem chegou à fé em Cristo. No final do capítulo 8, Paulo haverá de afirmar que nada “poderá separar-nos do amor de Deus, que está em Cristo Jesus, nosso Senhor” (8.39). Trata-se ainda de um claro paralelo ao que Paulo já asseverara aos coríntios: “As cousas antigas já passaram; eis que se fizeram novas” (2Co 5.17). Por isso mesmo não podemos deixar de nos gloriar em Deus, mas em Deus somente.
3. Meditação
A perícope é proposta como texto para pregação no Domingo da Trindade, que sucede imediatamente a Pentecostes. De fato, ainda que relativamente breve, a perícope faz referência à obra de Deus (Pai), ao Filho Jesus Cristo e ao Espírito Santo. Contudo não parece ser apropriado tentar esboçar na pregação uma doutrina da Trindade. Aliás, não há em todo o Novo Testamento uma doutrina da Trindade, como foi desenvolvida em séculos posteriores na teologia da igreja. As doutrinas da Igreja Antiga foram desenvolvidas, à base do testemunho bíblico, para preservar a pregação do evangelho de desvios que comprometeriam o próprio entendimento da salvação, mas não abstratamente como finalidade em si, muito menos para que substituíssem os testemunhos descritivos das obras de Deus.
Os textos neotestamentários e logo nossa perícope enfocam, pois, as maravilhosas obras experimentadas por quem crê, fazendo-o a partir de diferentes perspectivas, mas sempre as atribuindo ao único Deus. Tinha, assim, boas razõesa igreja ao desenvolver uma doutrina da Trindade, enfatizando simultaneamente a unidade de três “pessoas”. Mas seria errôneo tentar esmiuçar teoricamente a “matemática”, pela qual três podem ser um e um seriam três. Ao contrário, Deus é aquele que se revela em suas obras e maravilhas em favor de quem dele se encontrava afastado. Em suma, neste domingo, a referência à Trindade não deve ser especulativa, mas propositiva, enfatizando incisivamente o que Deus tem feito e faz por nós. (Isso se refere também ao texto do evangelista João, previsto como uma das leituras do domingo. Ele reporta à ação do Espírito Santo conduzindo à verdade em Cristo.)
O texto traz um espelho da vida de quem chegou à fé. Sobre o pano de fundo da vida sem fé já passada e traçada em capítulos anteriores, ele toma como ponto de partida a ação justificante de Deus em Cristo, de modo que pela fé em Cristo podemos ter paz com Deus e permanecer firmes nessa graça. Exaltar a glória de Deus também é o alvo da existência à medida que tomarmos em consideração os versículos subsequentes à perícope. (Esse aspecto é realçado pelo Salmo 8, também previsto para este domingo.)
No entanto, a vida de fé não consiste numa sucessão ininterrupta de experiências sempre agradáveis, pelas quais pudéssemos exultar e nos gloriar. Ao contrário, o gloriar-se dá-se apenas na esperança da glória de Deus. Isto é, o apóstolo Paulo é muito realista quanto à condição de nossa existência atual. Ela pode trazer tribulações e ocasionar tentações. Pode acarretar uma carga de sofrimentos. De qualquer modo, ninguém escapa às limitações humanas e a menores ou maiores fracassos pessoais.
Ainda assim, não precisamos vacilar. Podemos permanecer firmes na graça de Deus e sua paz, e a esperança que temos não é ilusória, mas consistente, porque ancorada no próprio Deus. Assim, sustentado por essa esperança, a tribulação produz perseverança, e essa traz experiência, na qual a esperança é fortalecida.
Assim, por fim, nosso texto, tão “realista” com a condição humana mesmo de quem chegou à fé, não deixa de ser “otimista”. Não redundará em lamúrias, mas em exaltação da glória de Deus.
4. Pistas para a prédica
Há várias estruturas possíveis para a pregação.
Poder-se-ia optar por uma prédica temática sobre a paz com Deus. Ela refletiria 1) sobre sua origem, a saber, a ação misericordiosa de Deus em Cristo, que em amor por nós perdeu sua própria vida. E refl etiria 2) sobre seu fruto, a saber, a esperança e o amor. E teria 3) sua culminância em dar glória a Deus.
Uma alternativa seria tomar mais diretamente em conta o problema de viver a fé em meio aos problemas que, conforme nossa experiência, temos que enfrentar, as tribulações pelas quais passamos. Ela partiria da pergunta: como está nossa relação com Deus? E, por consequência, nossa relação com o próximo? O texto fala principalmente de nossa relação com Deus. A relação com o próximo é uma decorrência. O ponto de partida do apóstolo Paulo nesse trecho é que temos paz com Deus, pois fomos por ele justificados pela fé (v. 1). Isso ele já desenvolveu em capítulos anteriores e reafirma aqui. E pouco mais adiante (v. 10 e 11) afirmará que por nosso Senhor Jesus Cristo estamos reconciliados com Deus.
Há, porém, um problema. Pois no mundo ainda passamos por tribulações. Temos sofrimento. Como, então, pode o apóstolo Paulo afirmar que temos paz com Deus? O sofrimento e as tribulações não são prova da falta de paz? Não nos podem levar a protestar contra Deus ou, então, a afundar-nos em desespero?
Paulo pensa diferente e quer mostrar-nos outra possibilidade, muito melhor do que essas. É bem verdade que do afastamento dos seres humanos de Deus – é nisso que consiste o pecado humano – resultam consequências que perduram, precisamente as forças do mal, o sofrimento e as tribulações. Mas na fé algo de novo estabeleceu-se e que é o mais importante que podemos ter na vida: a paz com Deus. E também uma nova maneira de viver que brota dessa fé. O apóstolo Paulo descobriu que, estando totalmente a serviço dessa mensagem, ele obtinha paz, paz com Deus, paz com seu próximo, paz consigo mesmo. Por isso também fala no final do texto na reconciliação.
Muito consciente das tribulações que não pouparam tampouco a ele, apóstolo, Paulo caracteriza, primeiramente, esse novo modo de viver como estar com esperança. Por três vezes nesse curto trecho, Paulo fala da esperança (v. 2, 4 e 5). De certo modo, ela é tanto ponto de partida como de chegada da vivência cristã. Ela provém de Deus, pela fé em Jesus Cristo, e é sustentada pelo Espírito Santo. Daí que ele afirma no v. 5: “A esperança não confunde”. Ao contrário, estamos “firmes” na graça de Deus (v. 2).
Em segundo lugar, essa realidade tornou-se possível unicamente por Cristo. E por isso passa a ser realidade unicamente na fé. É pura graça. Em vários versículos, Paulo descreve essa maravilha, particularmente nos versículos seguintes a nosso texto de pregação. Nada podemos ofertar para que isso se torne realidade. Porque a maravilha consiste precisamente em que “Cristo, quando nós ainda éramos fracos, morreu a seu tempo pelos ímpios” (v. 6). Ou seja: não pelos justos, não pelos bons, mas pelos ímpios. Ou seja, por pessoas como cada qual dentre nós. “Deus prova seu amor para conosco pelo fato de Cristo ter morrido por nós, sendo nós ainda pecadores” (v. 8). Pode haver algo mais libertador do que isso?
Em terceiro lugar, aí, nessa graça, permanecemos firmes, ainda que passando por tribulações (v. 3). Ou seja: na vivência da fé não experimentamos um festival de experiências espetaculares e todas maravilhosas que possamos apresentar diante das demais pessoas, para que elas, contaminadas por nossa autoglorificação, busquem ter experiências iguais às nossas. Intentos desse tipo que podemos observar muitas vezes são todos falsos. Paulo gloria-se apenas em Cristo e tem perfeita noção de suas limitações, suas falhas e, inclusive, de situações de tribulação e sofrimento. Glória a Deus somente.
Em quarto lugar, o apóstolo Paulo fala dos frutos dessa maravilhosa ação de Deus em sua vida, em nossas vidas. Aqui podemos estender-nos sobre os sucessivos passos dados por Paulo nos v. 3 e 4. Pela graça de Deus, em meio à tribulação, surge a perseverança. Dela provém a experiência e dessa, a esperança em que permanecemos firmes pela ação do Espírito Santo. Assim, portanto, pela ação misericordiosa de Deus, somos reconciliados e podemos permanecer em paz, embora com nossas limitações e sofrimentos, em paz e firmados na esperança que nos vem de Deus.
5. Subsídios litúrgicos
Sugiro que, já no início do culto, no final do introito (ou da saudação), se levante a pergunta como é possível ter paz com Deus se na vida tantas vezes temos que passar por dificuldades e tribulações. Pode-se dizer que quanto a isso se pretende refletir neste culto e, ao mesmo tempo, celebrar a paz que vem de Deus.
Consequentemente, entre os hinos selecionados, que pelo domingo do calendário litúrgico também podem evocar a Trindade, não poderão contudo faltar aqueles que abordam a paz. Por exemplo, será muito apropriado concluir o culto com o hino “A paz do Senhor” (HPD 377), que exalta a paz que vem de Deus e exorta a recebê-la e compartilhá-la. O breve hino “A paz nos queira conceder”, de Lutero (HPD 291), não tão conhecido, alternativamente, também poderia ser citado na pregação.
Nas orações de intercessão será apropriado lembrar-se de situações de falta de paz no mundo e na sociedade, mas também na vida comunitária e familiar e igualmente na vida pessoal. Já nos motivos de gratidão, exaltar-se-ão as dádivas de Deus, para o que o Salmo 8 poderá servir de inspiração.
Se não é ainda costume na comunidade, este culto será particularmente propício para incluir o compartilhar do abraço da paz entre a comunidade, ao qual se convidará com palavras bem selecionadas. A celebração da Santa Ceia, com suas dimensões de perdão dos pecados e reconciliação, também seria muito adequada. Antes de proferir a bênção final, quem oficia o culto poderá chamar a atenção da comunidade para que em todos os cultos ela se despeça com a bênção da paz do Senhor, que nos capacita a servi-lo no dia a dia com grande alegria.
Bibliografia
WOLTER, Michael. Der Brief an die Römer: Teilband 1: Römer 1-8. Neukirchen-Vluyn, Ostfildern: Neukirchener V., Patmos V., 2014.
Proclamar libertação é uma coleção que existe desde 1976 como fruto do testemunho e da colaboração ecumênica. Cada volume traz estudos e reflexões sobre passagens bíblicas. O trabalho exegético, a meditação e os subsídios litúrgicos são auxílios para a preparação do culto, de estudos bíblicos e de outras celebrações. Publicado pela Editora Sinodal, com apoio da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB).