Prédica: Romanos 8.1-11
Autor: Augusto E. Kunert
Data Litúrgica: Domingo de Pentecostes
Data da Pregação: 14/05/1989
Proclamar Libertação – Volume XIV
l — Introdução
Pentecostes é data comum de todas as igrejas cristãs. Não é propriedade de nenhuma Igreja em especial. As divergências teológicas sobre a doutrina do Espírito Santo não devem ser a base nem o critério para a pregação no dia de Pentecostes. Antes, nos compete ressaltar a unidade da Igreja, dada no Espírito de Jesus Cristo. A unidade da Igreja está em Jesus Cristo. Todas as igrejas cristãs assumem o dia de Pentecostes como data e acontecimento da fundação da Igreja Cristã. Nisto não devemos nem podemos mexer em nossa pregação. Na pregação, o importante é o atendimento obediente do texto indicado para a data e ato fundamental da cristandade. Pregar a Palavra de Deus, portanto, é a divisa, a diretriz e o chamado do momento, pois, Pentecostes também hoje tem uma profunda significação. Hoje faz acontecer em nós a sua nova vida. Pentecostes é, ao mesmo tempo, o início do futuro, é, portanto, as primícias da eternidade. Os que receberam de Deus o dom do Espírito, e com ele a Deus mesmo, Deus não deixará cair, a eles dará participação, em sua eternidade (Voigt, p. 257).
É importante, desde o início da preparação da prédica, manter presentes as expressões, os termos centrais da perícope: Estar em Cristo; Cristo em nós e anotar o que Paulo diz a respeito do Espírito: O Espírito de Deus habita em nós; Cristo em nós; ter o Espírito de Cristo; Espírito é vida, pois Deus vivifica através do Espírito. Paul Althaus salienta: Encontramos aqui a Trindade Deus-Espírito-Cristo. Sumariamente podemos afirmar que o Espírito de Deus somente estará conosco se Cristo estiver em nós e nós estivermos em Cristo. (p. 73.)
II — Exegese
V.l: Entre os teólogos existem controvérsias quanto ao v. 1. Não faltam os que afirmam que o v. l não é da autoria de Paulo, que é inclusão posterior. Não entro neste debate. O considero sem importância para a preparação da prédica. Com isto não perco em nada da seriedade no tratamento a ser dado ao texto. Eu considero o v. l de máxima importância para a perícope, pois nele encontro a suma da libertação do homem que está em Jesus Cristo. O texto desenvolve a ação central de Jesus em sua abrangência geral. O homem, segundo a teologia de Paulo, sob o juízo da morte, está sob o jugo da lei do pecado. O homem isolado em si, afastado de Deus, está entregue ao juízo, à condenação pela lei. Nenhum esforço, nenhuma decisão moral de se tornar melhor e diferente poderá livrá-lo deste juízo, desta condenação. Somente a redenção acontecida por Cristo poderá fazê-lo. Ao estarmos em Cristo, o Espírito de Deus habita em nós, estamos livres do isolamento, estamos integrados na comunhão; está vencido o afastamento de Deus. Viver segundo o Espírito nos liberta da intenção de conquista da salvação. Viver segundo o Espírito nos deixa entender e assumir que não há salvação a não ser em Jesus Cristo, o crucificado, ressurreto e enaltecido. Viver segundo o Espírito significa que nos tornamos vaso do Espírito. Viver segundo o Espírito quer dizer que estamos em Cristo e que Cristo está em nós. E a presença de Cristo nos livra da condenação e nos liberta do domínio do pecado. Aconteceu uma transformação total. Jesus Cristo, na ação do Espírito, justifica, aceita e liberta o homem da prisão do pecado e da morte. A lei do Espírito — vida nova — substitui a lei da carne — condenação e morte. Compreendemos que Jesus Cristo é o portador do Espírito. E os que estão em Cristo participam, pela sua graça, do seu Espírito e com isto são libertados da lei da carne e da morte e podem, conforme o v. l, viver segundo o Espírito.
O trágico na situação toda é dado com o fato que a lei não quer o pecado. Ela é declaradamente contra o pecado. O seu efeito, porém, já que ninguém está apto para cumprir a lei, é o pecado. E a consequência é a condenação pela lei. A lei, querendo a libertação do homem, diz Paul Althaus, culmina exatamente na condenação do pecador (p. 74). A lei, como caminho da libertação, frustrou-se completamente. Então Deus enviou o seu Filho Jesus Cristo ao mundo. Sua obra, marcada pela crucificação e ressurreição, encontrou na presença do Espírito o caminho da verdade, da libertação, da nova vida.
Vv. 2-4: O Espírito substitui a lei. O Espírito gera a libertação do pecado e da morte. Ele é o doador da nova vida. Ela, a nova vida, é dádiva e não conquista. Ela é dom de Deus e não obra do homem.
Estes versículos nos esclarecem que Jesus Cristo, vindo ao mundo, tomou a forma do corpo humano; foi sujeito à lei e, conseqüente-mente, esteve exposto ao pecado em sua trajetória de sofrimento e morte. Na crucificação Deus condenou o pecado na esfera da carne (v. 3). A crucificação é o toque geral para uma transformação geral. Na crucificação, o ato da salvação, Deus dá o poder da graça. A crucificação e a ressurreição envolvem a ação do Espírito, que é a presença de Deus nos acontecimentos. E o Espírito de Deus, presente nos crentes, os dispõe para a vida nova em justiça e verdade. Assim, exatamente, a exigência da justiça de Deus se cumpre na lei. O envio de Jesus Cristo, sua obra, seu ato salvífico em crucificação e ressurreição é, portanto, conditio sine qua non para a vida no Espírito, isto é, para a vida nova, ou seja, para a justificação por graça e para a libertação do homem do pecado e da morte.
Vv. 5-5: Estes versículos sublinham o antagonismo existente entre carne e Espírito. A esta contrariedade estamos sujeitos. O velho homem ou, como diz Lutero, o velho Adão em nós, não só realiza o que é mau, mas ele é mau em si mesmo e, como sarkinós(na carne), segundo o texto, está subjugado pelo pecado. Esta condição de vida acarreta a morte. A vida na carne é rebelião do homem contra Deus. O seu pensar e agir ficam determinados pela carne. O v. 7 salienta que a libertação somente acontece pela força do Espírito. A mudança ou, melhor, a transformação no pensar e agir da pessoa se gera pela ação do Espírito. A ausência do Espírito significa condenação. A presença do Espírito é sinónimo de libertação, vida nova, paz, e põe a pessoa a serviço de Deus. No serviço de Deus se caracteriza a obediência e a livre disposição de aceitar e submeter-se à lei de Deus.
Este grupo de versículos mostra o efeito, o resultado final do estar na carne e do estar no Espírito. A morte é o resultado do estar na carne. Vida e paz são as dádivas do estar no Espírito. A prisão da pessoa na carne a leva a querer e viver segundo a carne, enquanto que o andar segundo o Espírito guia a pessoa espiritual a querer o que o Espírito quer.
Vv. 9-11: O apóstolo Paulo desenvolve o acontecer da vida cristã. É indispensável lembrar, no contexto, o Batismo. (Recomendo ler Rm 6 e o Catecismo Menor de M. Lutero.) Pelo Batismo o corpo do pecado está morto. A lei do pecado e da morte deixou de ter direito sobre o corpo de pecado. O Espírito — poder criador de Deus — vivifica os corpos mortais. Sua ação acontece no hoje, no amanhã da vida do cristão. Encontramo-nos aqui com a promessa do Espírito. E a pro-messa se caracteriza pela dádiva da nova criatura.
A partir do vós, porém, não estais. . . (v. 9), assim opina Otto Michel, a comunidade recebeu o dom do Espírito, e Paulo liga as declarações sobre o Espírito com o Cristo testemunhado e confessado na comunidade (p. 188). A perícope conclui com a esperança escatológica evidenciada pelo Espírito. Isto fez com que Otto Michel afirmasse que a compreensão da perícope depende da compreensão do Espírito de Deus. Sua presença está ligada ao envio do Filho Jesus Cristo na forma do corpo humano, na carne do pecado, aqui está a sua origem (v. 3); a existência do Espírito se comprova na luta contínua entre carne e Espírito (v. 5) e faz a promessa da superação da tensão, pois: vivificará os nossos corpos mortais pelo seu Espírito que em vós habita, (v.11) (p. 188). Os versículos 9-11 anunciam a promessa do Espírito, que tem como dádiva a nova criatura. O Espírito entra na vida da pessoa como Senhor. Com o conceito Cristo em vós, Paulo atesta a tomada total da pessoa pelo Espírito. O Espírito penetra no âmago da pessoa, no centro de sua vida. Isto quer dizer Cristo em vós: que a liberdade, a transformação, a renovação, a criação do novo homem, enfim, a salvação, não são conquistas de pessoa alguma, mas vêm de fora, são um ato externo que penetra na vida da pessoa. Jesus Cristo é o agente. A transformação do velho Adão em um novo homem, portan¬to, não ocorre a partir de alguma ação humana, da decisão ou esforço especial do homem, mas o Espírito de Cristo que toma morada na pessoa é que a faz vaso do Espírito, que ultima a renovação. Em outras palavras: A salvação é dádiva da graça de Jesus Cristo.
O v. 11 fala na ressurreição do corpo mortal. O Espírito não é somente a força criadora em nossa vivência, mas também o poder da ressurreição do nosso corpo mortal. O Espírito aciona em nós o acontecimento do Batismo que nos integrou no corpo de Jesus Cristo (a comunidade) e na morte e ressurreição do Senhor. A ação do Espírito culmina na ressurreição dos que estão em Cristo, dos que andam no Espírito. No final dos tempos ocorrerá a ressurreição dos corpos em corpo espiritual (l Co 15.44.). A existência do cristão nos dias de hoje se caracteriza por um corpo sujeito à tentação, mas deixou de ser, a bem da verdade, o corpo do pecado, o corpo que serve ao pecado. É corpo mortal, mas não é mais o corpo da morte. (Rm 6.6).
Ill — Meditação
1. Introdução
Os capítulos 7 e 8 da Epístola aos Romanos debatem a superação da lei pelo poder do Espírito. A perícope ocupa lugar central exatamente neste particular, ou seja: A vida do cristão na força do Espírito e sua libertação do poder da carne. (M. Karnetzki, p. 299.) O capítulo 8 fala na vinda do novo mundo de Deus neste mundo caído de pecado e de morte.
O cristão e grupos de movimentos cristãos correm seguidamente, o risco de se iludirem de serem donos, proprietários do Espírito. (Isto vem de uma compreensão confusa do v. 1.) Como donos e proprietários do Espírito não faltam cristãos que se consideram de posse de uma carta patente para a salvação; acham ter em mãos um salvo-conduto para a isenção do pecado, que levam consigo um cartão de identificação de que são filhos de Deus e de que têm a imunidade de herdeiros de Jesus Cristo. Contudo, o v. l responde a tudo isto com muita clareza: Para os que estão em Cristo Jesus. . . andam segundo o Espírito. Isto nos dá a entender e a aceitar que toda a compreensão de posse do Espírito é uma compreensão totalmente errada.
2. A perícope está prevista para o Domingo de Pentecostes. Mesmo que o pregador não se atenha por muito tempo ao assunto, considero importante, já que bom número de membros não mais identificam Pentecostes, que sejam fornecidas algumas notas explicativas sobre Pentecostes, sua importância para a Igreja, o acontecimento da fundação da Igreja, apontando no contexto o cumprimento da promessa de Jesus, que disse: Mas, quando vier o Consolador que eu da parte do Pai vos hei de enviar. . . (João 15.26.) Agora podemos apontar para a presença, a ação do Espírito que vem de Cristo, o crucificado, ressurreto e enaltecido. Com estas colocações, acho eu, estaremos apontando para a ligação do texto com Pentecostes. Ao sublinhar a ação do Espírito nos acontecimentos de Pentecostes, estaremos enfatizando sua livre e soberana ação, estaremos apontando para o fato de que ele vem de fora; que entra em nossa vida como dádiva e que nunca é conquista humana. Pentecostes tem o sentido de libertação para a vida nova.
3. O estar em Cristo, o viver no Espírito nos liberta do dualismo destruidor que sofremos. Vejamos o problema no exemplo dado pelo apóstolo Paulo. Em Rm 7.8b ele exclama: E com efeito o querer está em mim, mas não consigo realizar o bem. Paulo era judeu crente. Lutou para cumprir a lei. Pretendeu, de acordo com os ensinamentos de então, conquistar a benevolência de Deus. Partiu do conceito de que o cumprimento da lei dependia do seu querer, do seu esforço, de sua boa vontade e dedicação. No centro desta compreensão está o eu ativo, o eu batalhador, o eu conquistador,,o eu que se entende como centro do mundo. O próprio Paulo, depois do seu encontro com Cristo, entendeu que a libertação para cumprir a lei vem de fora, não está nas possibilidades do eu, mas é dádiva do Espírito em nós. A superação do dualismo em nossa vida vem do Espírito. Ele nos arranca da esfera de poder do tu deves e nos transfere para o ambiente do amor, para a vivência do tu podes. É característica humana querer fazer-se simpático, agradável e até querido dos outros. Chegamos a estabelecer regras de conduta para atingirmos os nossos objetivos. Não há como negar que nos esforçamos para sermos bons. Agora, prezado pregador, não vás lançar o teu anátema sobre as pessoas que se esforçam para andar na justiça, em compreensão para com os outros. Antes cumpre com a tarefa evangélica, levando o ouvinte à compreensão de que a salvação é dádiva, que fazer o bem que ele mesmo quer é dádiva do Espírito, que cria em nós o novo homem. Preocupados conosco mesmos, perdemos a possibilidade de encontrarmos a nós mesmos e de amar os outros. Neste dualismo da vida, Paulo anuncia a mensagem libertadora: Não há condenação para os que estão em Cristo Jesus. A lei do pecado é vencida por Jesus Cristo. O tu podes amar nos vem de quem nos amou primeiro e entrou em nossa vida no poder transformador do Espírito. Regras e prescrições que nós estabelecemos como meio de conquista não nos libertam. Não nos ajudam a encontrar-nos a nós mesmos, nem para viver perante Deus e os homens em liberdade e amor. Somente o Espírito de Jesus Cristo ativa em nós a vida nova já anunciada no Batismo.
4. A nossa libertação, a vida nova são obra de Jesus Cristo. Para compreender isto, devemos lembrar a obra de salvação. Tudo aconteceu com e em Jesus Cristo. Sua vinda ao mundo, sua crucificação, sua ressurreição e ascensão são os marcos decisivos na obra de salvação. Jesus nasceu homem, carne e sangue igual a nós. Nasceu como todos os homens nascem. Uma mulher foi a sua mãe. Contudo, sua história é diferente, é outra. Sujeito à lei não sucumbiu à lei e a regulamentos, pois não viveu na angústia pela sobrevivência e não se perdeu no medo pela sua vida. Sua vida é a expressão do amor pelos outros e sua morte é o resgate de quem se entrega em favor dos outros. Jesus Cristo sofreu, caiu no abismo do abandono e tudo isto no desprendimento do amor por nós. Ele ocupou o nosso lugar. Ele veio a ser o perdido e o que foi entregue. Nós passamos a ser os amados, os aceitos, filhos e herdeiros perante Deus, a comunidade e o mundo. E agora, aceito por Deus, me encontro a mim mesmo e posso aceitar-me a mim mesmo. No momento em que me sei amado por Deus, o Espírito começa a agir em mim, me liberta do medo, das regras e exigências. Eu começo a respirar; a perceber a vida e as outras pessoas; passo a participar da vida.
5. Deve estar muito claro para nós mesmos, para deixá-lo bem evidente à comunidade, que não nos tornamos infalíveis ou algum ser especial. Continuamos a cometer erros e a sofrer frustrações de toda sorte. Martim Lutero, e eu lhe sou profundamente grato pela sua clareza, nos diz que, como cristãos, somos justos e pecadores ao mesmo tempo.
Paulo nos avisa: somos carne. Carregamos conosco a nossa história com todo sofrimento, engano, erro e culpa, desde o nascimento até à morte. Há momentos muito difíceis. Situações delicadas, julgadas pôr nós como superadas e até esquecidas, voltam ao consciente e nos machucam. Reagimos, geralmente, com impertinência, amargura e sensibilidade. O medo se torna maior do que o amor, e o medo consegue sufocar o amor. Por outro lado, somos diferentes pelo Batismo que nos integrou no corpo de Cristo. Somos diferentes porque Deus nos aceitou como seus filhos e porque Jesus nos declarou seus herdeiros. Deixamos de ser propriedade da carne para viver segundo o Espírito. Um novum aconteceu conosco. Fomos inseridos em uma nova história. Participamos da história de Jesus Cristo. Esta história já é o início do futuro. E o futuro é, assim como o nosso hoje, o nosso dia-a-dia, dádiva do Espírito. O futuro se realizará com a ressurreição, então seremos revestidos do corpo espiritual.
6. Somos algemados pela lei do pecado. Sozinhos, individualmente, jamais nos libertaremos. A libertação é um ato que aconteceu por Jesus Cristo. Ela vem de fora (extra nos) e entra em nossa vicia. Trata-se do ato único da salvação em Jesus Cristo. Este Senhor, ressurreto e enaltecido, também hoje está presente no seu Espírito. Daí o ato da salvação é válido, é abrangente para toda pessoa no hoje e no amanhã. O fruto da ação do Espírito é a libertação, a obediência e o amor. Libertado pelo Espírito: isto não pode ser confundido com a posse de um passaporte para todo tipo de libertinagem. Antes, e isto é específico do Espírito, liberta para o cumprimento das exigências da lei no amor, o qual o próprio Espírito cria em nós. Schrage afirma: O ser espiritual é determinado pela vivência espiritual (p. 2). No contexto, o mesmo teólogo salienta que Paulo não vê como fenômeno espiritual acontecimentos especiais como a glossolalia ou outros do mesmo quilate, mas entende toda a vida do crente nas suas mínimas ocorrências como ação milagrosa do Espírito (p. 2).
7. Na vinda e na obra de Jesus Cristo se cumpre a vontade de Deus, se cumprem as exigências da lei. A obra de Jesus Cristo estabelece a autoridade e o cumprimento da lei (Rm 3.31 e 6.13). A nova obediência do crente se evidencia na negação das medidas da carne e no assumir das medidas do Espírito. Na carne se apresenta a profundidade da angústia da pessoa. Carne é a esfera em que a pessoa se recusa a Deus. Estar no Espírito significa obedecer a Deus, estar livre da pressão da lei. O viver segundo o Espírito atende à exigência da lei. O estar na carne e o estar no Espírito são contradições excludentes. Um busca o que é da carne, o outro busca a vida nova em amor.
8. E importante ressaltar a força ativa e presente do Espírito na vida do membro e da comunidade. A vida do membro e da comunidade está relacionada com o Espírito. Os atos, posicionamentos, decisões, todo pensar e agir do membro estão ligados ao poder do Espírito. O Espírito, segundo Rm 8.1-11, não é somente perceptível nos acontecimentos festivos, gloriosos, em cultos especiais ou em reflexões de grande monta, antes se transmite no cumprimento da lei, na vivência do amor para a qual libertou o membro e a comunidade toda. É imprescindível que a pregação esclareça que a atuação do Espírito acontece na vivência do dia-a-dia; que visa a obediência, a renovação e a ação do membro. O Espírito não afasta ninguém da sociedade; não isola para uma vida contemplativa. O Espírito de Deus busca comunhão, pois ele é a própria unidade. O Espírito, abrangendo todo o ser do membro, o ativa em seu meio ambiente. Ele não visa uma espiritualização passiva, mas ativa. A libertação abrange o homem todo e não somente uma parte. Ele quer inspirar, orientar e dinamizar o membro em sua vivência diária.
9. Com este entendimento não estou apoiando qualquer tipo de ativismo que venha desprezar a reflexão, atrofiar a vivência espiritual, diminuir a importância de uma vida meditativa. Se assim fosse, estaria entendendo o texto de maneira errónea. Não posso deixar de enfatizar que o acento da perícope se dirige contra o imobilismo do membro e da comunidade. Se dirige contra uma posição amorfa, apagada, de quem deixa como está para ver como fica. O texto está carregado da força e ação criadoras e renovadoras do Espírito. Ele mobiliza, põe a caminho os que estão em Cristo para uma vivência dinâmica no testemunho, na confissão, na missão e na diaconia.
10) O reconhecimento da ação ativa do Espírito nos alerta que a manifestação de sentimentos religiosos não é o bastante, que o enclausuramento do membro em si não corresponde à criação da nova vida. Antes, o Espírito nos motiva e nos prepara para nos darmos no amor. O estar na carne é falta de piedade e a própria negação do amor fraterno (l Co 3.3).
Não me coloco contra movimentos de espiritualidade. Eles podem ser expressão de vida da comunidade. O que pretendo acentuar a partir de Rm 8.1-11 é o perigo de perdermos a compreensão e os olhos abertos para a dura realidade dos próprios membros, do povo brasileiro e do mundo em convulsões. O que me move é o entendimento que o Espírito quer que vivamos em total responsabilidade para com os outros. Não no isolamento e sim em comunhão. Quer que eu não me perca na preocupação comigo mesmo, mas busque o bem do todo. Não viva entregue ao egoísmo, mas fortaleça a fraternidade. Não veja somente a mim, mas tenha olhos abertos para os irmãos em sofrimento.
O Espírito é livre. Jamais poderei adonar-me dele, manipulá-lo ou usá-lo. Assim pretendendo, sofrerei a recaída na carne e, com isto, serei afastado da esfera do Espírito. E, querendo tornar-me grande, fico pequeno; buscando a liberdade, volto a ser escravo do pecado; buscando minha vantagem, me faço pobre. O grande problema a enfren¬tar sempre de novo é a tendência para um individualismo moralizante que, caindo no legalismo, pretende acumular obras como garantia da salvação para a eternidade. E nesta intenção egoísta, perco ó senso de responsabilidade para com os outros, pela responsabilidade pública, pela comunidade e para com o mundo.
A perícope é dinamite. Explode com o meu eu egoísta e cria em mim a abertura para o tu. O texto, apontando para a presença renovadora e criadora do Espírito, aponta para o movimento, o estar a caminho, o estar em ação do membro e da comunidade em seu dia-a-dia. O milagre do Espírito se choca com a passividade. Estar no Espírito é integração no movimento e participação no milagre de Pentecostes. Pentecostes não deixa espaço para resignação e lamentação. Ele cria vida nova e ativa a vida nova para a vivência em amor. Pentecostes é, ao mesmo tempo, o início do futuro, é as primícias da eternidade. Os que receberam de Deus o seu dom e, com isto, a Deus mesmo, não cairão; Deus os deixa participar de sua eternidade.
IV – Subsídios litúrgicos
1. Confissão dos pecados: HPD, p. 375 (M. Lutero)
2. Oração de coleta: Creio que por minha própria razão ou força não posso crer em Jesus Cristo, meu Senhor, nem vir a ele. Mas o Espírito Santo me chamou pelo Evangelho, iluminou com seus dons, santificou e conservou na verdadeira fé. Assim também chama, congrega, ilumina e santifica toda a cristandade na terra e, em Jesus Cristo, a conserva na verdadeira e única fé. Nesta cristandade perdoa a mim e a todos os crentes diária e abundantemente todos os pecados, e no dia derradeiro me ressucitará a mim e a todos os mortos e me dará a mim e a todos os crentes em Cristo a vida eterna. Amém!
(Explicação de M. Lutero sobre o 3°. artigo)
3. Oração final: Reunidos como tua comunidade, criada pelo teu Santo Espírito, agradecemos a ti pela dádiva de nossa integração em teu corpo. Agradecemos pela dádiva do Espírito Santo, que criou em nós a renovação do nosso homem interior, que abriu os nossos olhos para vermos os irmãos, que acelera os nossos passos ao encontro com os necessitados e que fortalece as nossas mãos para ajudar aos que sofrem. O teu Espírito, Senhor, nos incorporou na comunhão dos teus filhos e fez herdeiros da graça e da vida em Jesus Cristo. Dá, Senhor, a nós, os membros e a comunidade toda, diariamente, o teu Espírito. Em seu poder acende em nós a chama do amor, para que, servindo a ti, possamos amar os nossos próximos. Dinamiza, Senhor, assim o pedimos, a tua comunidade para que assuma o seu desígnio de comunidade missionária e de serva dos doentes e moribundos, dos tristes e abatidos, dos resignados e desiludidos, dos carentes e dos que sofrem. Envolve-nos com o amor do Espírito da unidade para que sirvamos na sociedade em aflição e sejamos teus cooperadores no serviço em favor do mundo conturbado. Amém!
V – Bibliografia
– ALTHAUS, P. Der Brief an die Roemer. In: Das neue Testament Deutsch. 5. ed. Göttingen, 1946.
– KARNETZKI, M. Meditação sobre Rm 8.1-11. In: Homiletische Monatshefte. Ano 51. Goettingen, 1976.
– MARQUARDT, F. – W. Meditação sobre Rm 8.1-11. In: Goettinger Predigtmeditationen. Goettingen, 1970.
– MICHEL, O. Der Brief. an die Roemer. In Kritisch-exegetischer Kommmentar ueber das Neue Testament. 4. ed. Goettingen, 1966.
– SCHRAGE, W. Meditação sobre Rm 8.1-11. In: FALKENROTH/HELD (eds.) Hoeren und fragen. Neukirchen-Vluyn, 1976. V. 4/2.
– VOIGT, G. Meditação sobre Rm 8.1-2(3-9)10-11. In: Die lebendigen Steine. Berlin (RDA), 1983.