O melhor caminho para a vida
Proclamar Libertação – Volume 39
Prédica: Salmo 1
Leituras: João 17.1a, 6-19 e Atos 1.15-17, 21-26
Autora: Ruthild Brakemeier
Data Litúrgica: 7º Domingo da Páscoa
Data da Pregação: 17/05/2015
1. Introdução
Existem pessoas más e outras boas? À primeira vista, o Salmo 1, principalmente na versão da Bíblia na Linguagem de Hoje, parece sugerir isto: de um lado estão os maus (v. 1), semelhantes a palha que o vento leva (v. 4), cujo fim é a desgraça e a morte (v. 6), e, de outro, as pessoas que não se deixam levar pelos conselhos dos maus. Tudo o que fazem dá certo, e o Senhor dirige e abençoa a sua vida (conforme os mesmos versículos).
A versão de Almeida Revista e Atualizada não usa a palavra maus, e sim ímpios, que, conforme o dicionário Aurélio, significa “o que não tem fé, o incrédulo”. Essa palavra já aponta para uma outra direção, mas ainda seria possível concluir que o Salmo 1 fala de dois grupos de pessoas: aqui os justos e ali os pecadores.
A fim de encontrar o foco da mensagem do texto, é necessário abandonar essa pintura em preto e branco que classifica as pessoas em “estas” e “aquelas” e olhar para a intenção do Salmo: ensinar o melhor caminho para a vida. Pois todas as pessoas estão sujeitas a escolher o caminho errado.
As leituras de João 17 e Atos 1 também levantam perguntas. Quem são as pessoas de quem Jesus fala quando diz a Deus em oração: aqueles que me deste, porque são teus? Certamente são os discípulos, os quais Jesus escolheu por orientação de Deus e que o acompanharam durante seu ministério na terra. Porém são eles “especiais”, no sentido de merecedores de graças especiais por parte de Deus?
Para encontrar a resposta, também devemos olhar para a intenção da oração de Jesus. Ele ora por seus discípulos, tendo em vista a missão deles no mundo após sua morte. Como testemunhas oculares da ressurreição, constituiriam a autoridade básica na igreja futura. Seriam os “apóstolos”, isto é, os enviados, com a missão específica de cuidar da unidade.
Após a morte de Judas, os onze discípulos escolheram um outro homem para substituí-lo para preencher a vaga neste ministério e apostolado (At 1.25). Consideraram importante preservar o símbolo “doze” por causa de sua missão específica. Conforme Lc 21.30 e Ap 21.14, sua missão teria continuidade.
2. Exegese
O Saltério é uma coleção de hinos do povo de Israel. O título hebraico (tehillim), colocado sobre a coleção que temos na Bíblia, concluída no tempo após o exílio, tem o significado de hinos de louvor.
O termo parece não se adaptar a todos os salmos, considerando aqueles, por exemplo, que têm como conteúdo principal a lamentação. Mas talvez o termo escolhido quer expressar que, no fundo, todos os hinos, usados como orações, têm a intenção de louvar a Deus.
O salmo que foi colocado no início da coleção tem como tônica o ensinamento. Ele quer ser um “indicador de caminho”. Quer levar o leitor ou ouvinte a obedecer a Deus e confiar nele.
Dessa forma, o Salmo 1 é um canto que faz parte dos assim chamados escritos de sabedoria, úteis para a vida diária dos crentes, como os Provérbios.
Podemos dividir o salmo em três partes:
V. 1 e 2: a opção entre dois caminhos.
V. 3 e 4: duas figuras que expressam a opinião do autor sobre caráter e valor dos que confiam e dos que não confiam em Deus.
V. 5 e 6: o julgamento final de Deus.
V. 1 e 2 – Bem-aventurados (RA = Revista e Atualizada) – felizes (NTLH = Nova Tradução na Linguagem de Hoje) é uma exclamação que promete felicidade e bem-estar. É como parabenizar a pessoa por sua escolha. A palavra aparece 26 vezes no Saltério. Os crentes são parabenizados por sua proximidade de Deus ou sua condição feliz diante dele. Exemplos: Sl 2.12; Sl 32.1; Sl 84. 4-5 etc.
Ímpios, pecadores, escarnecedores (RA) – maus, os que não querem saber de Deus, os que zombam de tudo o que é sagrado (NTLH). Esses nomes são usados pelo professor da sabedoria para designar aqueles que escolhem o caminho da separação de Deus.
Aqueles que escolhem o outro caminho são os que têm prazer na lei do Senhor e nela meditam dia e noite. “Lei” – Torá em hebraico – significa basicamente “direção” ou “instrução” e pode referir-se a um único mandamento ou ao conjunto das Escrituras.
V. 3 e 4 – Duas figuras são usadas para mostrar as consequências das atitudes diferenciadas de buscar ou desprezar a Deus:
1. A figura da árvore plantada junto a uma corrente de água: assim como essa árvore é sustentada pela proximidade do riacho, assim a pessoa que busca a vontade divina será sustentada por Deus, podendo ser bem-sucedida.
2. A figura da palha que o vento leva quando, em grandes peneiras, o trigo debulhado é jogado para cima, deixando somente os grãos para trás. Com isso o salmo adverte: assim serão as pessoas que se separam de Deus: inúteis, condenadas a morrer. Comparação semelhante encontra-se em Jr 17.5-7. Ali, porém, o profeta usa palavras fortes como “maldito” e bendito”.
V. 5 e 6 – O pensamento central nestes versos é a ideia de que haverá um julgamento final de Deus. Será um momento de juízo em que Deus purificará sua comunidade, separando e eliminando os elementos que se opõem a ele. Nesse momento ficará evidente quem serão os abençoados e quem serão os condenados.
Deus conhece o caminho dos justos. A palavra conhecer, em hebraico, não tem apenas o significado de “notar, tomar conhecimento”, mas também de “estar próximo da pessoa, de forma amorosa”. Por isso a Nova Tradução na Linguagem de Hoje traduziu dirige e abençoa. Os justos não são aqueles que podem apresentar-se diante de Deus sem erros e máculas, mas aqueles que procuraram apoiar-se em Deus e por isso são por ele apoiados.
3. Meditação
“Dirigido por mim, guiado por Deus.” Essa frase lia-se muito junto aos motoristas de ônibus na parte interna do para-brisa. O motorista que se identificava com a frase expressava: “Os detalhes na condução deste carro cabem a mim. Mas o controle da viagem é com Deus”.
O Salmo 1 sugere algo semelhante em relação à nossa vida. Essa exige decisões, e não é indiferente quais decisões tomamos. Temos que levar em conta as advertências do Salmo 1: não se deixem influenciar por conselhos que os afastam de Deus, não tomem decisões contrárias aos preceitos divinos e não se juntem àqueles que zombam de Deus. Pelo contrário, busquem a Deus e suas orientações, ocupando-se dia e noite com elas. São decisões importantes que cabem a nós observarmos. No mais, vale entregar o comando de nossa vida a Deus.
Conclusão: a pessoa que fizer isso será bem-aventurada, feliz. Ela será como uma árvore plantada junto a um riacho. Ela terá firmeza também nos dias de tempestade, de seca e calor, porque as suas raízes tiram seu sustento do solo e da água que elas alcançam. Ela dará o seu fruto no devido tempo. E conclusão última para a pessoa: tudo quanto ela faz será bem-sucedido.
Aqui gostaríamos de questionar o salmista: será que isso não é otimismo demais? Será que todas as pessoas que buscam a Deus com sinceridade de coração são bem-sucedidas em tudo o que fazem? Não encontramos em toda parte pessoas fiéis a Deus que sofrem porque as coisas não dão certo? Por vezes, essas são assoladas por doenças graves, por dificuldades no emprego, por problemas sem fim.
Devemos admitir: fidelidade a Deus e seus mandamentos não é uma receita segura para o êxito nem garantia para o sucesso. E nunca podemos considerar o sucesso de alguém como sinal de sua proximidade com Deus nem o sofrimento de alguém como sinal de um eventual afastamento de Deus.
Lembremo-nos das bem-aventuranças de Jesus (Mt 5.1-12). Que pessoas Jesus chama de bem-aventuradas? Os pobres de espírito, os que choram, os mansos, os que têm fome e sede de justiça, os misericordiosos, os limpos de coração, os pacificadores, os perseguidos por causa da justiça. Não são exatamente os bem-sucedidos. Pelo contrário, eles estão geralmente entre os socialmente fracos e marginalizados. Pobreza é uma condição dolorosa e geralmente humilhante. A mansidão e a misericórdia não são reconhecidas num mundo em que vale a lei do mais forte. Quem se empenha pela paz pode ser atropelado, e quem é injustiçado facilmente perde a causa.
No entanto, Jesus diz a essas pessoas que elas são bem-aventuradas. Por quê? Porque Deus as “conhece”, o que significa (ver 2. Exegese): ele está perto delas de forma carinhosa e amorosa. Ele as nutre, assim como a seiva nutre a árvore, assim que possam resistir aos contratempos.
A pessoa que busca as orientações de Deus tem a promessa de não ficar sem apoio nas tribulações da vida, porque seu apoio está em Deus, que não as abandona. Também a vida na fé conhece situações de desespero, derrotas, medo e angústia. Mas a presença de Deus sempre será sua força. Deus é como uma fonte de água que não se esgota. Esse é o principal ensinamento desse Salmo.
De que forma buscamos as orientações de Deus? Lendo e ouvindo a Bíblia com espírito de oração. Uma palavra de Martim Lutero: “A Bíblia é uma ervinha. Quanto mais você a triturar, mais perfume vai soltar”. Será um perfume que faz bem, e você vai gostar de triturar essa ervinha.
A palavra da Bíblia corrige, mas também consola e edifica. E, acima de tudo, você vai encontrar o sentido para viver. Esse sentido de vida faz feliz. Na figura da árvore, o sentido de vida é comparável ao fruto que a árvore dá a seu tempo.
Quem se sabe amado e apoiado por Deus vai trazer como “fruto” o apoio aos outros, principalmente àqueles que mais necessitam dele. São as pessoas fragilizadas pelas circunstâncias da vida, as pessoas marginalizadas que precisam recuperar sua autoestima, as pessoas doentes e entristecidas, as pessoas que buscam um sentido para viver. Quem se sabe amado por Deus precisa também amar, praticar a misericórdia, a diaconia.
Na história da diaconia, encontramos exemplos marcantes de pessoas que deram frutos. Madre Teresa de Calcutá é um exemplo vivo. Mas também na história da IECLB encontramos muitos exemplos animadores. O fato de existir a Casa Matriz de Diaconisas em São Leopoldo (RS), cujo aniversário é lembrado no dia 17 de maio, é sinal de que havia e há pessoas sensíveis à dor alheia. A fundação dessa casa de formação aconteceu porque comunidades e instituições e líderes da igreja viram a importância de criar oportunidades para a formação qualificada de mulheres que atuariam na área da saúde e da educação infantil. Mais tarde foi criada a Comunhão Diaconal das Diáconas e Diáconos, ampliando o leque dos profissionais diaconais. As comunidades e instituições ainda hoje precisam deles!
Bem-aventuradas as pessoas que encontram em Deus a sua força. Amém.
4. Imagens para a prédica
A meditação inicia com a figura do motorista que dirige o carro, mas confia na condução de Deus.
Depois, o próprio Salmo 1 apresenta a figura adequada para a mensagem: a árvore plantada junto a uma corrente de água. A proximidade da água não é a garantia de sucesso, mas a força que lhe dá resistência nas turbulências da vida.
Destaque especial ainda pode ser dada ao fruto, comparável à diaconia praticada por quem se sabe apoiado e amado por Deus, sendo, por isso, bem-aventurado, feliz.
A palha do trigo, levada pelo vento na hora da separação do grão, é a figura que alerta para a futilidade de uma vida que despreza Deus e seus ensinamentos.
5. Subsídios litúrgicos
O 7º Domingo da Páscoa é o domingo entre o dia da Ascensão de Jesus e Pentecostes. Por essa razão, certamente foi escolhida a leitura de Atos 1.15- 17,21-26. O texto mostra como os discípulos se prepararam para o dia em que, segundo a promessa de Jesus, o Espírito Santo desceria sobre eles, e eles seriam suas testemunhas em todo o mundo (At 1.8).
Uma pergunta à comunidade atual: como se preparar para o dia de Pentecostes?
João 17.1a, 6-19 faz parte da assim chamada “Oração sacerdotal de Jesus”. Em Rm 8.34, lemos que “Jesus intercede por nós”. Em Jo 17, temos palavras de intercessão de Jesus.
R. N. Champlin coletou em seu comentário algumas opiniões sobre a passagem. Entre elas:
Martim Lutero: “Realmente é uma oração profundamente fervorosa, feita de todo o coração; uma oração em que ele ‘Cristo’ desvenda, tanto para nós como ante o Pai, os abismos de seu coração, derramando seus tesouros…”
João Knox, em seus dias finais de vida, durante a enfermidade que lhe trouxe a morte, orientou sua esposa e seu secretário para que “… um deles lesse todos os dias, com voz distinta, o 17º capítulo segundo João, o capítulo 53 de Isaías e um capítulo da epístola aos Efésios. E isso foi pontualmente cumprido durante todo o período de sua doença”.
Para o conteúdo das orações
Louvor: pela Ascensão de Jesus: Que ele está à direita de Deus, mas todos os dias conosco, como prometeu. Que ele governa o mundo. Que Deus derramou o Espírito Santo sobre a comunidade dos discípulos, que o evangelho correu o mundo e também chegou até nós.
Agradecimento: que Jesus intercede por nós junto ao Pai. Que o Espírito Santo também congrega essa comunidade e a presenteia com dons. Que podemos ser como árvores plantadas à beira do riacho, porque temos a orientação divina que é consolo e energia. Que existem frutos da diaconia.
Pedido e intercessão: que sejamos sensíveis ao toque do Espírito Santo e aos seus dons. Que o testemunho da comunidade seja autêntico. Que cresçam bons frutos de amor ao próximo, principalmente aos mais carentes e necessitados.
Hinos de Ascensão e Pentecostes ou outros.
Bibliografia
CHAMPLIN, R.N. O Novo Testamento interpretado versículo por versículo. São Paulo: Milenium, 1982.
WEISER, Artur. Das Alte Testament Deutsch – Die Psalmen I. Göttingen: Vandenhoeck & Ruprecht, 1963.
Proclamar libertação é uma coleção que existe desde 1976 como fruto do testemunho e da colaboração ecumênica. Cada volume traz estudos e reflexões sobre passagens bíblicas. O trabalho exegético, a meditação e os subsídios litúrgicos são auxílios para a preparação do culto, de estudos bíblicos e de outras celebrações. Publicado pela Editora Sinodal, com apoio da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB).