A terra produziu o seu fruto
Proclamar Libertação – Volume: 46
Prédica: Salmo 67
Leituras: João 5.1-9 e Atos 16.9-15
Autoria: Léo Zeno Konzen
Data Litúrgica: 6º Domingo de Páscoa
Data da Pregação: 22/05/2022
1. Introdução
A Páscoa de Jesus de Nazaré é o grande acontecimento da história da revelação e da realização da salvação de Deus na história da humanidade. Ela está no coração da Igreja de Cristo. E sua festa é celebrada ao longo de 50 dias – até o domingo de Pentecostes. Podemos dizer que ela é o fruto amadurecido da terra, a colheita mais nobre da história da presença de Deus na história do universo e da humanidade. Ela ultrapassa os limites do povo de Deus e atinge o coração do universo. Sua memória faz arder nossos corações e abre nossos lábios em ação de graças.
O Salmo 67 celebra a alegria de uma colheita e pede a Deus que sua bondade renove e amplie ainda mais essa bênção, para que todos os povos vejam as grandes obras dele e o louvem, dando-lhe graças, como o povo de Israel o faz. A boa colheita é celebrada como sinal da bênção de Deus e inspira o espírito missionário do povo, pois os povos todos poderão e deverão usufruir dessas bênçãos do Deus de Israel.
Os missionários cristãos, conforme nos é narrado em Atos dos Apóstolos (16.9-15), traduzem esse desejo missionário do povo de Deus e fazem chegar ao continente europeu o grande fruto da história da salvação, ou seja, Jesus de Nazaré, morto e ressuscitado. Encontram acolhida em Filipos e reconhecem que as sementes do evangelho já estão presentes no grupo de mulheres que se reúnem para orar, especialmente Lídia e sua casa.
O Evangelho de João (5.1-9) apresenta uma colheita que brota do fruto amadurecido que é Jesus. Trata-se de um pobre homem, paralítico e desassistido que é devolvido à alegria da vida pelo revelador e realizador da salvação de Deus.
A terra deu sua colheita, produziu seu fruto! E a terra continuará a produzir o seu fruto e a dar sua colheita! Mas isso em boa medida dependerá de nosso testemunho.
2. Exegese
O Salmo 67 expressa o desejo do povo escolhido de receber manifestações do favor divino tão grandes que todas as outras nações reconheçam que só no Deus de Israel está a salvação.
Ele é um poema-oração que, ao mesmo tempo, invoca a bênção de Deus e rende graças por ela. Talvez sua origem se encontre em celebrações de colheitas, vistas como expressões da bênção que o povo invoca. Que Deus tenha piedade do povo e lhe conceda sempre de novo a abundância dos frutos da terra!
Enquanto celebra a bênção dos frutos da terra, o povo orante dirige seu pensamento e seu olhar para os outros povos. Seu desejo é que a boa colheita seja um sinal para esses povos todos, e que eles também experimentem caminhar com o Deus de Israel. Se o fizerem, haverão de louvar e render graças a Deus.
Pode-se observar uma estrutura bem articulada no pequeno texto do Salmo:
1ª estrofe (v. 2-3): bênção e salvação universal
Antífona (v. 4): ação de graças universal
2ª estrofe (v. 5): centro do Salmo – alegria e governo universal
Antífona (v. 6): ação de graças universal
3ª estrofe (v. 7-8): o fruto da terra, bênção, temor universal.
A antífona caracteriza o Salmo como uma oração comunitária, na qual se repetem (talvez também no final, sem estar registrado no texto) o desejo e a intenção fundamental do poema orante: que todos os povos, todos juntos, rendam graças a Deus. O desejo é manifestado a Deus, é um pedido que lhe é feito. Se a bênção for abundante para o povo de Deus, os outros povos ficarão impressionados e se converterão e também renderão graças ao Deus de Israel.
O centro do Salmo (2ª estrofe) expressa a presença do Deus de Israel em todo o universo, mas o reconhecimento disso ainda não é real. Quando esse reconhecimento existir, os povos cantarão também a alegria do governo reto e justo de Deus. Para facilitar esse reconhecimento dos outros povos, o povo escolhido pede que Deus lhe amplie ainda mais sua bênção e se revelem melhor as riquezas dos caminhos dele.
A primeira estrofe é quase uma retomada da invocação da bênção de Aarão sobre os filhos de Israel no livro de Números (6.24-27). Mas o objetivo da bênção não é apenas o bem-estar desse povo. Ela visa à experiência dos caminhos de Deus entre os pagãos, os outros povos todos. A partir da bênção ao seu povo escolhido, a oração deseja que os outros povos também possam experimentar a mesma bênção e os mesmos frutos benéficos dos caminhos do Senhor.
A parte final (3ª estrofe) conclui com uma constatação e um desejo. A constatação é que a terra deu a sua colheita, produziu o seu fruto; o desejo é por essa mesma bênção para que a terra inteira tema aquele que o Salmo invoca.
O início dessa estrofe (v. 7) pode ser traduzido também como um desejo: que a terra dê (ou produza) o seu fruto. Pode-se adotar tanto uma quanto a outra interpretação, o sentido fundamental permanecerá o mesmo. O fruto já existente da bênção é sinal para os povos; e o fruto por vir terá o mesmo objetivo.
3. Meditação
Na história do povo da Bíblia encontramos movimentos de abertura aos outros povos e também de fechamento em relação a eles. O Salmo 67 é uma expressão do movimento de abertura. Ele pede a continuidade e a ampliação da bênção de Deus para o próprio povo – e nesse sentido poderia ser entendido como um movimento egoísta e de fechamento em relação aos outros. Mas os benefícios da bênção são vistos como sinais para que os outros povos também sejam integrados nessa bênção. As riquezas das graças de Deus servem de sinal e são pedidos a Deus para que sirvam de testemunho para os outros e para que eles também venham a ser governados por Deus e venham a render graças a ele.
Pode-se, então, considerar o Salmo como uma oração missionária. O povo de Deus não é missionário, no caso, por suas pregações e ações junto aos povos estrangeiros, mas pelos bons frutos de sua aliança com seu Deus. Ele é e quer ser missionário por contágio.
A boa colheita que subjaz à oração desse Salmo ultrapassa então os limites da produção agrícola. Ela passa a expressar toda a riqueza dos frutos da “terra” que simboliza a história da relação de Deus com seu povo e do povo com seu Deus. A sabedoria, a misericórdia, a justiça e todo o bem que impera no meio do povo de Deus são sinais de credibilidade do seu Deus. Isso vale para as pessoas individualmente, mas também e sobretudo para os povos como comunidades humanas.
Que todas as pessoas e os povos todos possam usufruir dessa sabedoria e de todos os seus benefícios!
Experimentar e reconhecer as bênçãos de Deus leva as pessoas e os povos a expressarem sua gratidão por meio de ações de graças. O Salmo expressa esse desejo da alma israelita. Render graças a Deus pode realizar-se por meio do culto e de sentimentos, mas também por ações concretas de vivência dos mandamentos de Deus, dos caminhos que ele indica e nos quais assiste seus filhos e filhas.
A igreja cristã sintoniza profundamente com o Salmo sobre o qual meditamos neste domingo. Ela conhece os frutos da “terra”, terra que, muito mais do que uma região geográfica, é a história dos seguidores e seguidoras de Jesus. Ela sabe e saboreia o fruto maior dessa terra que é o próprio Jesus. Ela o apresenta ao mundo como a mais fina flor da história da humanidade, o caminho para a vida e a luz para iluminar a vida das pessoas e dos povos. É isso que fazem os missionários dos primeiros tempos do cristianismo – como se vê na leitura dos Atos dos Apóstolos do culto de hoje. Jesus é o solidário por excelência que se preocupa com o desamparado e excluído e lhe proporciona cura e vida nova – como mostra o evangelho deste domingo.
Mas a igreja também suplica ao Senhor que ela seja abençoada sempre de novo, que se renove nela sua presença benfazeja e salvadora. Ela sabe que a falta dos frutos de justiça e fraternidade compromete o nome do próprio Deus. Por isso ela ora com a ajuda do Salmo 67 e em sintonia com ele para que seu testemunho de fé, esperança e caridade seja forte e sensibilize aqueles que se encontram fora dos caminhos do Deus da vida, do amor, das relações justas e humanas entre todos os filhos e filhas de Deus. Ela recorda sua vocação de ser sal da terra e luz do mundo e a força do seu testemunho para que os homens e as mulheres de todas as idades, culturas e condições sociais glorifiquem o Pai do céu.
Talvez as boas colheitas agrícolas não sejam mais a principal motivação para render graças a Deus. A abundância é vista mais como resultado da tecnologia do que da graça de Deus. E Jesus mesmo alertou que Deus faz chover e envia o sol sobre os justos e sobre os injustos… As colheitas abundantes, então, têm um quê de ambiguidades. Mas as boas colheitas dos testemunhos de vida podem sensibilizar e ter uma eficácia missionária que não podemos calcular. “Vede como eles se amam” – diziam os de fora nos primórdios da igreja, referindo-se à vida comunitária dos seguidores e seguidoras de Jesus.
No fundo de tudo está um movimento vertical: Deus que vem ao encontro do seu povo e o abençoa (e é isso que se pede no Salmo); de outro lado, encontra-se a resposta humana pela ação de graças a Deus por seus imensos benefícios. Mas há também o movimento horizontal: a experiência da riqueza da graça de Deus conduz outras pessoas e outros povos a experimentarem também a mesma graça do Deus de Israel, do Deus e Pai de Jesus Cristo, do Deus Espírito Santo, que aquece os corações e ilumina as inteligências dos humanos.
4. Imagens para a prédica
O próprio Salmo 67 oferece imagens ricas para a prédica. Talvez a mais preciosa seja a da colheita como expressão da bênção. E, junto com a colheita, a própria terra. A colheita ou o fruto da terra é obviamente uma imagem agrícola, mas ela evoca também a colheita dos frutos da “terra” (história) cultivada por Deus com a parceria do seu povo. Faz lembrar a alegoria da videira e dos ramos, do capítulo 15 do Evangelho de João.
Outra imagem é a do conhecimento do caminho. O poema-oração pede que o caminho de Deus seja conhecido em toda a terra. Junto com o substantivo caminho está o verbo conhecer. A palavra caminho representa o modo de ser e de agir de Deus e, em resposta a ele, do povo de Deus. Conhecer é sinônimo de fazer a experiência, conhecer existencialmente. Pedir a Deus que o caminho dele seja conhecido sobre a terra significa pedir que os povos todos possam experimentar as alegrias e os desafios da vivência do evangelho – podemos falar assim na era cristã. Vendo e ouvindo o que experimenta o povo de Deus, os outros poderão animar-se a também conhecerem na prática esse caminho.
Enfim, a imagem contida na expressão “render graças”. O Salmo é uma expressão dessa atitude. Render graças realiza-se no culto, nas celebrações do povo. E realiza-se também, e talvez melhor do que no culto, na vida diária. O culto é celebração e ela é necessária porque somos humanos. A vida é realização concreta do que é celebrado no culto. Um vive do outro.
5. Subsídio litúrgico
Em sintonia com o Salmo 67, que embasa a prédica do domingo, pode-se invocar a seguinte bênção, no final do culto:
Oficiante: Que Deus tenha misericórdia de nós e nos abençoe, e faça resplandecer o seu rosto sobre nós.
Todos: Amém.
Oficiante: Que nosso testemunho de vida torne conhecidos e amados os caminhos de Deus por todo o universo.
Todos: Amém.
Oficiante: Que a terra continue a dar sua colheita e todos os povos rendam graças a Deus por sua justiça e salvação.
Todos: Amém.
Oficiante: Que todos os povos te louvem, ó Senhor, que te louve todo o universo. Exultem de alegria as nações e produzam frutos de vida e salvação. Por Cristo, Senhor nosso.
Todos: Amém.
Bibliografia
DEISSLER, Alfons. Die Psalmen. Düsseldorf: Patmos, 1964. II. Teil, p. 42-90.
RAVASI, Gianfranco. Il libro dei Salmi. Comento e attualizzazione. 4. ed. Bologna: Edizione Dehoniane, 1988. v. II, p. 51-100.
Proclamar libertação (PL) é uma coleção que existe desde 1976 como fruto do testemunho e da colaboração ecumênica. Cada volume traz estudos e reflexões sobre passagens bíblicas. O trabalho exegético, a meditação e os subsídios litúrgicos são auxílios para a preparação do culto, de estudos bíblicos e de outras celebrações. Publicado pela Editora Sinodal, com apoio da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB).