Prezados jovens do ACAMPAMENTO REPARTIR JUNTOS.
É com alegria que escrevo estas linhas para saudar a todos e todas vocês que estão acampados aí em Ijuí. Tenho saudades dos acampamentos Repartir Juntos.
Desejo a cada acampante que encontre, uma vez, duas vezes, mais vezes, e renovadamente, sua pérola preciosa, para que sua vida seja bonita, tenha um bom sentido e se realize dentro da vontade do nosso Deus bondoso. Na verdade, a oferta de pérolas aos jovens é muito grande, como todos vocês sabem muito bem. Parte delas, ainda que sejam pérolas bonitas e brilhantes, não passam de pérolas falsas. No entanto, para experimentar o Novo Mundo de Deus – e ter parte no Reino de Deus – não importa que você encha suas mochilas e abarrote seus baús com todo tipo de pérolas; muito antes, importa que você encontre a pérola que é realmente de valor, para que ela enriqueça sua vida como ser humano e como criatura em diálogo com o seu Criador.
Vocês podem imaginar um acampamento de aproximadamente 1.000 jovens, em campo aberto, onde todos os chuveiros e todos os banheiros tiveram de ser construídos pelos organizadores? E vocês podem imaginar que os acampantes eram observados por agentes contratados pelo governo, para ver o que se fazia e se falava entre eles? E vocês podem imaginar acampamentos como este em que os participantes não sabiam se o jovem sentado ao lado talvez fosse um espiâo, que depois denunciava na polícia as convicçôes, as manifestaçoês e as falas que considerava perigosas para a segurança nacional?
Quando foi realizado o Primeiro Acampamneto Repartir Juntos, na virada das décadas de 1970 para 1980, o mundo estava dividido entre duas potências mundiais: O mundo capitalista, comandado pelos Estados Unidos da América do Norte, e o mundo comunista, comandado pela Uniâo Soviética. Os dois blocos promoviam a Guerra Fria que se estendia como nuvem ameaçadora sobre o Planeta todo. As duas potências promoviam guerras em muitas partes do mundo, sempre na casa dos outros, e se ameaçavam com suas bombas atômicas.
A nuvem ameaçadora da Guerra Fria tornou-se mais pesada e mais ameaçadora para o povo brasileiros, a partir de 1964, com o golpe militar que instalou a ditadura em nosso País. De agora em diante, todos os movimentos sociais, todas as reuniões populares, eram proibidos ou severamente controlados, inclusive os encontros de estudantes e de jovens das igrejas. Todas as organizações que surgiam de baixo para cima eram controladas ou esmagadas de cima para baixo. E os encontros de jovens da Igreja eram infiltrados por informantes que passavam suas observações ao DOPS – O Departamento de Ordem Política e Social. Pastores que não marchavam na cadência do passo certo, comandado pelos militares, logo eram chamados de comunistas e subversivos, os piores adjetivos que alguém podia jogar no seu semelhante.
O primeiro Acampamento Repartir Juntos, realizado a trinta anos atrás, foi uma iniciativa dos pastores Rui Bernhard e Arnoldo Maedche que repartiam o pastorado de Santo Ângelo. Eles tiveram a colaboraçâo de um fazendeiro e organizaram o encontro nas proximidades das Ruínas de Sâo Miguel, em campo aberto, à beira de um capão de mato e às margens de um pequeno afluente do Rio Jacuí.
Participei desse primeiro encontro com um grupo de jovens do Vale do Taquari, e os dois colegas me convidaram para organizar o próximo encontro, em Languiru, em 1981. Acabei coordenando também a organizaçâo dos acampamentos de Não Me Toque, em 1982, Santa Rosa, em 1983, Agudo, 1984 e Osório, em 1985, sempre contando com a experiência e o entusiasmo dos dois colegas pioneiros. Todos estes acampamentos foram organizados em campo aberto, onde tivemos de contruir toda ou parte da infraestrutura, inclusive as barracas das reuniões, os chuveiros, os banheiros e a cozinha.
Quando realizamos o primeiro acampamento em 1980, o governo dos militares esgotava seu modelo e já não tinha as mesmas forças para reprimir as iniciativas populares, permitindo que as pessoas se encontrassem para refletir, ainda que continuasse a infiltração de delatores que passavam informaçães ao DOPS.
O Acampamento Repartir Juntos levou aos jovens a proposta de uma espiritualidade com engajamento social. Queríamos participar na construção de uma sociedade mais justa, em que todas as pessoas alcançassem o direito de opinar livremente sobre decisões que lhes diziam respeito e onde todos tivessesm supridas suas necessidades básicas de vida digna.
Propúnhamos viver nossa fé cristã olhando em duas direções: 1) Para dentro de nós mesmos e definir nossa maneira de ler a Boa Notícia do Amor de Deus – o Evangelho de Jesus Cristo – ou seja: queríamos achar a nossa pérola preciosa; 2) Para fora de nós e refletir a relação que teria a nossa fé com a realidade que nos cercava, por exemplo, a situação dos povos indígenas que continuavam a ser expulsos das terras dos seus ancestrais; dos pequenos agricultores que migravam em grande massa para as cidades; a formação das periferias pobres de nossas cidades; o uso cada vez mais intensivo de adubos químicos e venenos no cultivo das lavouras; o arrocho dos salários nas fábricas que se encontravam no nível mais baixo da sua história.
Também organizávamos variados grupos de interesse, por exemplo, para promover o artesanato; para conhecer as propriedades medicinais das ervas dos nossos campos; para conhecer novas fontes de energia, como o biodigestor; para estudar os textos e avaliar o conteúdo da música popular brasileira; para criar novas formas de celebraçâo e escrever novos hinos para nossos cultos.
Um dos pontos altos do Acampamento de Languiru, em 1981, foi a participação de Adolfo Perez Esquivel. Ele fora agraciado, um ano antes, com o Prêmio Nobel da Paz, por causa da sua resistência não violenta, a exemplo de Mahatma Gandhi, à ditadura militar argentina, e do seu engajamento em favor dos Direitos Humanos.
– É como se estivéssemos no furacão de uma luta de formigas contra elefantes – disse o Prêmio Nobel da Paz, à sombra das guabirobeiras – mas as formiguinhas são infinitamente mais numerosas do que os elefantes.
(Maiores detalhes, na página 290 do meu livro HORIZONTES E RAÍZES).
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