Amados irmãos, amadas irmãs,
a fé sem obras é morta; a espiritualidade sem prática é uma espiritualidade vazia; uma vida de fé alienada do sofrimento não é fé, mas ilusão. Crer em Deus exige prática! Quem conhece a Deus a partir das Sagradas Escrituras procurará também viver de acordo com aquilo que está escrito na Palavra de Deus. Não há como temer a Deus sem que isso redunde em ações para o dia a dia. O testemunho que não vem acompanhado da ação é um testemunho mentiroso e incoerente!
Viver a fé cristã significa ter os pés-no-chão. Nós não estamos levitando em glória e majestade; não estamos voando no reino dos céus; não estamos flutuando nas alturas; ao contrário, estamos na terra onde o sofrimento está por todos os lados. A questão é que ninguém quer ver os sofrimentos; nós desviamos o olhar dos sofrimentos; talvez até nos neguemos a ver os sofrimentos. Queremos olhar para o brilho, a glória, a majestade e não para a dor, a tristeza ou o desespero. Em resumo: queremos olhar para Deus e exaltá-lo no trono celeste e não no trono da cruz; queremos olhar para ele entronizado nas maiores alturas e não no próximo que sofre diante dos nossos olhos; queremos ver Deus nas coisas lindas e maravilhosas e não em quem está em uma cama hospitalar ou residencial dando seus últimos batimentos cardíacos.
Queremos ver Deus só nas coisas boas, embora Deus tenha decidido se revelar na maldição da cruz! Queremos encontrar Deus nas coisas invisíveis, enquanto Deus decidiu se revelar a nós visivelmente no Cordeiro oferecido para tirar os pecados do mundo! Queremos encontrar Deus nos céus, embora Deus insista em estar no próximo, no sofredor que desprezamos e de quem desviamos o olhar – sem contar os julgamentos que mentalmente criamos para legitimar nosso desprezo ao próximo sofredor.
Todos temos acompanhado nos noticiários a tragédia dos povos Yanomami no norte do Brasil. O ser humano, em seu pecado, é tão desgraçado que conseguiu politizar até a tragédia. Quando quem sofre é do mesmo lado que eu, então eu serei misericordioso e compassivo; já se for de “outro lado”, então deve ser fake news e não terei nada a ver com isso. Talvez essa seja a maior tragédia: a humanidade sendo rompida em nome de conjuntos de ideias humanas. E assim, deixamos de ver que, na verdade, estamos todos do mesmo lado: somos todos seres humanos.
Nós queremos ver Deus na igreja, no culto, no louvor, na glória, na majestade; mas onde Deus realmente está? Quase 100 crianças morreram na Terra Indígena Yanomami em 2022. É ali que Deus está: no sofrimento que nos negamos a enxergar e que julgamos ser mentira para justificar o nosso desprezo pelo próximo sofredor. E tudo em nome da exploração predatória da boa Criação de Deus! Enquanto garimpeiros enchem seus bolsos de dinheiro, pessoas indígenas morrem por contaminação e falta de alimentação adequada. Com quem você acha que Deus está? Com os garimpeiros ou com os indígenas?
Amados irmãos, amadas irmãs,
essa mesma denúncia foi feita pelo profeta Isaías em seu contexto histórico. O povo judeu estava exilado na Babilônia por muitos anos. Agora, havia um grande clamor pela volta do povo ao seu território que foi prometido a Abraão, Isaque e Jacó. Na esperança de que o Senhor ouviria as suas orações, o povo começou a jejuar para que assim Deus enxergasse o seu sacrifício, ouvisse as suas orações e lhes trouxesse libertação.
A prática do jejum e da oração em si não estavam erradas. O problema é que Deus vê muito além da aparência: Deus enxerga as ações. Toda aquela “linda espiritualidade aparente” era, na verdade, uma espiritualidade vazia e que não redundava em nenhum tipo de mudança de verdade. Era uma religião falsa! Uma espiritualidade descomprometida com o sofrimento. Sem contar que era também uma espiritualidade individualista e mercantilista: individualista porque focava no eu e não na comunidade e mercantilista porque queria fazer uma troca com Deus: o jejum era oferecido como pagamento pelas bênçãos divinas.
Deus, então, chamou o profeta Isaías para fazer a denúncia ao povo. Toda aquela aparência religiosa sem prática era na verdade expressão do pecado do povo. Deus diz a Isaías: “Grite a plenos pulmões, não se detenha! Erga a voz como a trombeta e anuncie ao meu povo a sua transgressão e à casa de Jacó os seus pecados”. (Isaías 58.1). Certamente que não há maior desafio para um pregador que o de denunciar os pecados do povo de Deus. Sempre haverá quem se arrependa e sempre haverá quem se afaste!
O povo está jejuando. Porém, eles perceberam que o jejum não está tendo nenhum tipo de efeito. Assim nos diz, então, o profeta: “dizendo: ‘Por que jejuamos, se tu nem notas? Por que nos humilhamos, se tu não levas isso em conta?’ Acontece que, no dia em que jejuam, vocês cuidam dos seus próprios interesses e oprimem os seus trabalhadores”. (Isaías 58.3). Aqui Isaías foi corajosamente “na veia”. Ele desmascarou toda aquela falsa religiosidade; Isaías desnudou toda a hipocrisia do povo de Deus; ele destruiu o lindo castelo de areia que haviam construído para si mesmos.
E vem as consequências desse desmascaramento: “o clamor de vocês não será ouvido lá no alto”. (Isaías 58.4). Eles podem jejuar quantos dias quiserem: enquanto não houver verdadeiro arrependimento que gere verdadeira mudança de vida e de ações, Deus não escutará o seu clamor. Podem gritar, espernear, jejuar, louvar, falar… Não serão ouvidos!
O que Deus quer então do seu povo? Deus quer mais que palavras e orações vazias; Deus, melhor que ninguém, conhece quando um coração é hipócrita. Deus quer arrependimento, mas não um arrependimento da “boca para fora” e apenas “emocional”; ao contrário, um arrependimento que redunde em prática: “Será que não é este o jejum que escolhi: que vocês quebrem as correntes da injustiça, desfaçam as ataduras da servidão, deixem livres os oprimidos e acabem com todo tipo de servidão?” (Isaías 58.6). O povo queria ser ouvido por Deus, mas não ouvia o clamor dos seus servos por libertação! Há algo mais incoerente que isso? Existe maior hipocrisia que essa? Há maior falsidade que fazer isso? Queriam ser libertos da Babilônia, mas não queriam libertar aqueles a quem eles mesmos oprimiam. Deus não escuta a oração do opressor, mas escuta atentamente o clamor dos oprimidos e age em favor deles!
Isaías continua: “Será que não é também que vocês repartam o seu pão com os famintos, recolham em casa os pobres desabrigados, vistam os que encontrarem nus e não voltem as costas ao seu semelhante?” (Isaías 58.7). Repartir, recolher, vestir e olhar! Esses são os verbos. Essas são as ações que Deus espera do seu povo. Viver a fé sem essas ações é sinal de hipocrisia, de falsidade e de alienação. Esses verbos expressam o verdadeiro jejum esperado por Deus. Jejum aqui se traduz pelas palavras “religião” ou “espiritualidade”: Deus não quer ritos e tradições vazios, mas espiritualidade prática e que coloque o próximo sofredor como prioridade. Isso requer o sacrifício da cobiça e requer a vida em comunidade para agir em favor do próximo.
Amados irmãos, amadas irmãs,
é isso que Deus espera de nós. Estamos prontos para a ação? Temos vivido a fé de maneira prática? Temos tido coragem para denunciar as injustiças? Temos sido vigilantes diante de tanta opressão? Temos estado do lado dos fracos e oprimidos?
Jesus Cristo, nosso Senhor e Salvador, viveu seus três anos de ministério de maneira prática. Ele caminhou entre o povo e esteve com os sofredores. Caminhou entre os pobres, enfermos e atormentados da mente e do espírito. Sua palavra nunca era diferente da sua ação. Jesus Cristo, verdadeiramente Deus e verdadeiramente homem, era profundamente coerente em sua vida terrena. E foi justamente isso que o levou à cruz! Viver o Reino de Deus significa assumir a possibilidade de ir para a cruz – ou seja, para a morte – como Bruno e Dom, Doraci Edinger, Martin Luther King Jr., Dorothy Stang, e como os povos Yanomami.
Jesus cumpriu o verdadeiro jejum que é servir a Deus não apenas em palavras da boca para fora ou em louvores que nos alienam da realidade, mas servir a Deus no próximo. Onde alguém está sofrendo, ali Deus está! Então, não desviemos os olhos de Deus, mas estejamos dispostos a ver Deus no próximo que sofre.
Que Deus nos torne sensíveis a toda realidade de sofrimento. Devemos agir em esperança. Haverá um dia em que toda a fome, servidão, injustiça e opressão findarão! “Então a luz de vocês romperá como a luz do alvorecer, e a sua cura brotará sem demora; a justiça irá adiante de vocês, e a glória do Senhor será a sua retaguarda”. (Isaías 58.8). Quando esse dia chegar, então nossas orações serão ouvidas: “Então vocês pedirão ajuda, e o Senhor responderá; gritarão por socorro, e ele dirá: ‘Eis-me aqui’”. (Isaías 58.9).
Tenhamos ações, e não apenas orações! Participe da comunidade para que sejamos fortes para causar mudanças no Bairro Sete de Setembro e em Sapiranga. Há muita gente a acolher, há muitas bocas a alimentar, há muitas injustiças a denunciar. Viver a fé é enfrentar tudo isso com coragem, mesmo que venham as perseguições.
Trabalhemos com fé, esperança e amor para um mundo mais justo e para que haja vida digna para todas as pessoas. E assim, a paz de Deus, que excede todo o entendimento, guardará os nossos corações e as nossas mentes em Cristo Jesus, amém.
5º DOMINGO APÓS EPIFANIA | VERDE | TEMPO COMUM | ANO A
05 de Fevereiro de 2023
P. William Felipe Zacarias