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Amados irmãos, amadas irmãs,

o que lhe causa medo? Quais situações lhe deixam apreensivo? O que é capaz de te causar arrepios? Qual fato te deixa inseguro? O que te deixa ansioso? Quais circunstâncias te fazem ter medo? Você tem medo do que? Você tem medo de quem?

O medo é um sentimento importante e bem primitivo no ser humano. É o mecanismo do medo que nos faz encarar o perigo ou correr do perigo. Em uma floresta, ao nos depararmos com um leão faminto, é o medo que nos faz lutar ou correr. Quem não tem medo coloca facilmente a sua própria vida e a de outras pessoas em risco. Quem não aceita os limites impostos pelo medo poderá viver aventuras perigosas e radicais para si e para outros. Jovens, por exemplo, sem medo algum, apostam rachas com seus amigos para ver quem chega primeiro. Neste caso, a falta de medo e a coragem de sobra são um grande perigo à vida.

De outro lado, o medo pode ser um paralisante diante de situações inexistentes. A pessoa acaba criando um leão atrás da moita e tem medo desse leão ao ponto de não conseguir avançar na vida. Um jovem, por exemplo, pode ter tanto medo de ir mal na prova do ENEM que acaba sobrecarregando tanto a si mesmo que, no fim, acaba indo mesmo mal na prova. O medo é bom diante de um perigo real; é, porém, problemático diante de problemas não reais, o que faz a pessoa se concentrar no medo ao invés de se concentrar na vida. O medo ligado ao futuro está relacionado àquilo que é chamado de “Transtorno de Ansiedade” que é o medo por antecipação daquilo que ainda não aconteceu/chegou.

Todos nós temos medo de algo. Alguns tem medo de morrer; outros tem medo de perder algum familiar; outros tem medo de perder o emprego; outras pessoas têm medo de perder tudo aquilo que conquistam na vida; alguém pode ter medo de alguém, de algum animal, de alguma situação. Fato é que – querendo nós ou não – o medo é um elemento da nossa vida a qual precisamos aprender a administrar com sabedoria, muitas vezes procurando ajuda especializada quando não conseguimos lidar com o problema sozinhos.

O apóstolo Paulo também tinha medos. Sim! O corajoso servo do Senhor também tinha seus medos. Paulo escreveu sua carta ao amigo Timóteo no ano 64 d. C. na prisão em Roma. Neste momento, Nero é o imperador, um dos mais implacáveis perseguidores dos cristãos. Nero chegou ao ponto de incendiar a cidade de Roma para colocar a culpa nos cristãos e colocar a população romana contra eles. Agora, Paulo está preso e justamente Nero é a autoridade sobre Paulo.

A Segunda Carta de Paulo a Timóteo é a última carta escrita pelo apóstolo. Na prisão, Paulo já sente que não viverá por muito tempo. A sua condenação está próxima. Por isso, sua segunda carta ao companheiro Timóteo possui um forte tom de despedida – o tom de alguém que sabe que em breve vai morrer. Não haverá saída para o apóstolo: Paulo será decapitado por pregar o Evangelho e anunciar outro Senhor que não é o Imperador Romano, mas aquele servo sofredor que morreu na cruz e ressuscitou ao terceiro dia: Jesus Cristo, o Filho de Deus.

Logo no início da carta percebemos a sua despedida: “Paulo, apóstolo de Cristo Jesus pela vontade de Deus, conforme a promessa da vida em Cristo Jesus, ao amado filho Timóteo. Que a graça, a misericórdia e a paz, da parte de Deus Pai e de Cristo Jesus, nosso Senhor, estejam com você”. (2 Timóteo 1.1-2). Prestes a ser condenado à morte, Paulo traz boas memórias à mente, memórias que o deixam tranquilo e de consciência tranquila: “Dou graças a Deus, a quem, desde os meus antepassados, sirvo com a consciência limpa, porque, sem cessar, lembro de você nas minhas orações, noite e dia. Lembro das suas lágrimas e estou ansioso por ver você, para que eu transborde de alegria. Lembro da sua fé sem fingimento, a mesma que, primeiramente, habitou em sua avó Loide e em sua mãe Eunice, e estou certo de que habita também em você”. Além das lembranças, Paulo tem como uma das suas últimas vontades o desejo de ver novamente o irmão Timóteo. Porém, não sabemos se isso chegou a acontecer.

Paulo se lembra de seu amigo, companheiro e irmão na fé com carinho e amor cristão. Certamente que Timóteo foi alguém que marcou muito a vida do apóstolo em suas duas últimas viagens missionárias. Além de tudo, Paulo guarda no coração com carinho a lembrança da fé em Timóteo, um irmão que nunca titubeou de pregar a Cristo e testemunhar do amor de Deus aos gentios. Assim, não é à toa que a última coisa que Paulo escreveu foi justamente uma carta ao seu querido irmão Timóteo.

Diante da morte, Paulo também tem medo. O que nos chama a atenção, porém, é que Paulo não tem medo da morte. Embora a sua morte seja já evidente, não é ela que lhe dá medo no momento em que escreve essa carta; Paulo também não tem medo da prisão. Obviamente que as condições das prisões naquela época não eram das melhores, mas, neste momento, Paulo não tem medo de estar preso; Paulo também não tem medo de Nero, o implacável imperador anticristão, pois Paulo sabe que acima de Nero há aquele que venceu a morte: Jesus Cristo, seu Senhor e Salvador; Paulo não teme nem mesmo o sofrimento pelo qual está passando.

Então, do que Paulo tem medo? Paulo tem um medo só: que o Evangelho seja ensinado de maneira incorreta; o medo de Paulo é que as falsas doutrinas se tornem comuns entre os cristãos; o medo de Paulo é que os cristãos se percam em ensinos incorretos àqueles revelados pelo próprio Deus em Jesus. Assim diz Paulo a Timóteo: “Pois virá um tempo em que não suportarão a sã doutrina; pelo contrário, se rodearão de mestres segundo as suas próprias cobiças, como que sentindo coceira nos ouvidos”. (2 Timóteo 4.3). O medo de Paulo é que os cristãos abandonem a verdade do Evangelho – pelo qual ele mesmo está sofrendo – e passem a confiar em mentiras. O medo de Paulo é que a verdade do Evangelho seja relativizada conforme os interesses individuais de cada um – cobiças. Por isso, ele também diz: “Eles se recusarão a dar ouvidos à verdade, entregando-se às fábulas”. (2 Timóteo 4.4). O medo de Paulo é que os cristãos fechem o ouvido para a verdade e passem a ouvir apenas aquilo que lhes interessa sobre o Evangelho.

Isso é algo muito presente hoje, inclusive nas igrejas. Através da internet, cada um pode procurar pela pregação que lhe agrada. Por isso, muitos dispensam vir ao culto, pois talvez no culto a Palavra confronte! A própria Bíblia é dilacerada: com uma pinça, seleciona-se os textos bíblicos aleatoriamente para justificar as próprias convicções ao invés de se ver o que a própria Bíblia diz em seu contexto original. Com uma miscelânea de versículos, são criadas as mais assustadoras e mentirosas heresias.

É por isso que Lutero, ao traduzir a Bíblia para o alemão, logo viu a necessidade de se criar escolas. Lutero talvez tenha percebido que não basta colocar a Bíblia na mão das pessoas simples: elas precisam aprender a ler e a interpretar a Bíblia. Por isso, nas Igrejas da Reforma, a leitura da Bíblia sempre foi acompanhada de uma boa educação. Não basta saber ler a Bíblia, é preciso estar disposto a entender a Bíblia e interpretá-la no seu contexto antes de contextualizá-la para os dias atuais.

O medo de Paulo deve ser também o nosso medo. Será que a Bíblia está sendo pregada corretamente? Será que temos bons intérpretes da Bíblia hoje? Ou cada um seleciona os versículos que quiser para fazer a Bíblia dizer o que a pessoa quer e não o que a Bíblia diz? Paulo diz: “Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça, a fim de que o servo de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra”. (2 Timóteo 3.16-17). Por isso, Lutero também dizia que “A Bíblia é uma manjedoura na qual Jesus está deitado; se não o encontrarmos, só temos palha”. Uma boa alternativa para a interpretação bíblica correta é sempre olhar os textos bíblicos sempre na perspectiva e no horizonte de Jesus.

Por isso, o apóstolo Paulo concede a Timóteo alguns conselhos importantes que continuam válidos até hoje para toda a Igreja de Jesus:

1. Coragem (v. 6-7): “Por esta razão, venho lembrar-lhe que reavive o dom de Deus que está em você pela imposição das minhas mãos. Porque Deus não nos deu espírito de covardia, mas de poder, de amor e de moderação”. Corrigir erros não é uma tarefa fácil. Pode haver resistência, perseguição e humilhação. Contudo, como servos do Senhor, devemos ter coragem para distinguir a verdade da mentira;

2. Chamado (v. 8-10a): “Portanto, não se envergonhe do testemunho do nosso Senhor, nem do seu prisioneiro, que sou eu. Pelo contrário, participe comigo dos sofrimentos a favor do evangelho, segundo o poder de Deus, que nos salvou e nos chamou com santa vocação, não segundo as nossas próprias obras, mas conforme a sua própria determinação e graça que nos foi dada em Cristo Jesus, antes dos tempos eternos, e manifestada agora pelo aparecimento de nosso Salvador Cristo Jesus.” É preciso lembrar do chamado de Deus para que a vergonha seja trocada pela honra de servir a Jesus, mesmo em meio às perseguições que poderemos sofrer;

3. Esperança (v. 10b-12): “Ele não só destruiu a morte, como trouxe à luz a vida e a imortalidade, mediante o evangelho. Para este evangelho eu fui designado pregador, apóstolo e mestre e, por isso, estou sofrendo essas coisas. Mas não me envergonho, porque sei em quem tenho crido e estou certo de que ele é poderoso para guardar aquilo que me foi confiado até aquele dia”. Aqueles que mataram o apóstolo nessa vida não poderão impedir que ele viva eternamente pela graça de Deus. Por isso, tanto Paulo quanto outros cristãos não temiam pregar a mensagem de Cristo Jesus como Senhor e Salvador com ousadia e coragem, pois em vista da eternidade, não temiam a morte;

4. Guardar (v. 13-14): “Mantenha o padrão das sãs palavras que de mim você ouviu com fé e com o amor que há em Cristo Jesus. Por meio do Espírito Santo, que habita em nós, guarde o bom tesouro que lhe foi confiado”. Timóteo poderá guardar todos os ensinamentos de Paulo não apenas como memória de seu companheiro, irmão e amigo, mas como memória daquilo que também Deus fez por Timóteo.

Amados irmãos, amadas irmãs,

quase ao final de sua carta, Paulo diz: “Quanto a mim, já estou sendo oferecido por oferta, e o tempo da minha partida chegou. Combati o bom combate, completei a carreira, guardei a fé. Desde agora me está guardada a coroa da justiça, que o Senhor, reto juiz, me dará naquele Dia; e não somente a mim, mas também a todos os que amam a sua vinda”. (2 Timóteo 4.6-8). Essas são as palavras de despedida de Paulo; essas podem ser também as nossas palavras de despedida quando chegar o nosso momento de partir. O combate foi combatido; a missão foi cumprida; o testemunho foi dado; a sã doutrina foi preservada; assim, o servo fiel a Deus, mesmo sendo pecador, pode partir em paz na esperança da vida eterna.

Assim como Paulo, tenhamos o mesmo zelo e dedicação pela sua Palavra. Estejamos atentos! Há muitas mentiras sobre a Palavra de Deus neste mundo; há muita gente falando em nome de Deus apenas em benefício próprio; há muita gente usando o nome de Deus apenas para os seus próprios interesses! Cuidado! Fique atento! Minha oração é que Deus nos conceda sabedoria e discernimento não apenas para ouvirmos ensinamentos com sabedoria, mas também para anunciarmos a verdade sem medo.

Quero terminar citando as últimas palavras escritas pelo apóstolo Paulo: “O Senhor esteja com o seu espírito. A graça esteja com vocês.” (2 Timóteo 4.22). Amém.


17º DOMINGO APÓS PENTECOSTES | VERDE | TEMPO COMUM | ANO C

02 de Outubro de 2022


P. William Felipe Zacarias