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Amados irmãos, amadas irmãs,

não é possível sermos cristãos sem uma vida de oração. Richard Foster, um teólogo e pastor nos diz: “De todas as disciplinas espirituais, a oração é a principal, porque nos conduz a uma comunhão perene com o Pai”1. Como evangélicos de confissão luterana, muitas vezes podemos subestimar o poder da oração. Fato é que a oração não está ligada apenas ao falar com Deus, mas também ao ter uma comunhão tão intensa e profunda com Deus ao ponto de sermos transformados.

Deus usa a oração para nos transformar. A partir da comunhão com o Senhor, vamos aos poucos entendendo o que Deus quer para as nossas vidas. Para orar, é preciso estar disposto ao quebrantamento, à transformação, a mudanças, pois elas vão acontecer. Através da oração, quem sabe aos poucos, o coração de pedra vai ficando mais mole e compreensivo; quem sabe, as mãos fechadas e egoístas são abertas para a solidariedade; quem sabe a fé fria e seca vai se transformando lentamente em um lindo jardim vivo. Oração não é apenas comunicação com Deus, mas transformação pessoal a partir do relacionamento com Deus.

Martinho Lutero dizia: “Tenho tanto a fazer que não consigo prosseguir sem gastar três horas diárias em oração”2. E tenho certeza de que a Reforma do séc. XVI não teria sido possível se Lutero não fosse um homem com uma profunda espiritualidade e um homem dedicado à oração. Søren Kierkegaard, um teólogo e filósofo luterano, certa vez observou: “Um homem orava e, no início, pensou que a oração equivalia a falar. Contudo, à medida que foi ficando cada vez mais quieto, percebeu que a oração é ouvir”3.

Portanto, a partir do texto bíblico que ouvimos, quais lições importantes podemos aprender sobre a oração? O que o próprio Senhor Jesus tem a nos ensinar sobre isso?

1 É PRECISO TER UM COMEÇO

O texto bíblico inicia, dizendo: “Jesus estava orando em certo lugar e, quando terminou, um dos seus discípulos lhe pediu: – Senhor, ensine-nos a orar como também João ensinou os discípulos dele”. (Lucas 11.1-12). Portanto, o primeiro passo para uma vida dedicada de oração é a humildade. Sem saber, aquele discípulo tinha acabado de fazer uma oração. O seu pedido para que Jesus lhes ensinasse a orar já era uma oração, embora ele nem tivesse se dado conta disso.

Portanto, no começo pode ser difícil ter uma vida de oração. Talvez, em muitos momentos, sintamos que estamos sem palavras ou sem jeito para falar com Deus. Então, esse será o momento de pedir que o próprio Senhor coloque as palavras em nossos corações e em nossas bocas.

Em muitas situações, não sabemos o que pedir. Quantas vezes estamos diante de situações com pessoas em estado terminal e não sabemos se oramos pedindo por cura e restauração ou que Deus conceda o descanso. Nestas situações, não devemos confiar que nossa oração será poderosa ou que nós mesmos teremos poder para algo, mas nos bastará pedir que o Senhor nos ensine a orar e que ele nos diga o que devemos pedir. Isso não é fácil. Muitas vezes Deus poderá pedir para que oremos por coisas que não queremos. Por isso, a oração nunca é um pedido para aquilo que queremos, mas para aquilo que necessitamos. Nós queremos muitas coisas, mas Deus sabe o que precisamos.

E então, Jesus ensinou aos discípulos a oração do Pai-nosso, a oração mais conhecida no mundo inteiro. No texto bíblico que ouvimos temos a versão de Lucas que é a versão do Pai-nosso usada pela Igreja Católica Apostólica Romana. Talvez alguém já tenha se perguntado por que o Pai-nosso luterano é diferente do Pai-nosso católico. A resposta é simples: enquanto nós oramos conforme a versão de Mateus 6.9-13, os católicos oram conforme Lucas 11.2-4. A essência da oração, porém, permanece a mesma e ambas as versões são, portanto, bíblicas.

Assim, é preciso ter um começo. Comece hoje mesmo. Dedique um tempo de qualidade do seu dia para a oração e você verá o quanto você será aos poucos transformado através desse relacionamento com Deus.

2 É PRECISO TER PERSEVERANÇA

Logo após Jesus ensinar aos discípulos a oração do Pai-nosso, ele contou uma história que poderia muito bem acontecer em nossos dias. Imagine alguém bater na sua porta à meia-noite pedindo pão porque aquela pessoa recebeu visita e não tem o que lhes oferecer para comer. Que situação, hein?

A resposta do amigo poderia muito bem ser a nossa resposta: “Deixe-me em paz! A porta está fechada, e eu e os meus filhos já estamos deitados. Não posso me levantar para lhe dar os pães”. (Lucas 11.7). O amigo não está errado. A não ser que a visita do seu amigo tenha vindo de surpresa, ele teve o dia inteiro para se preparar para recebê-los. Agora, em plena meia-noite vai incomodar seu vizinho. Pois ele que se vire.

Porém, o amigo não desistiu de pedir: “digo a vocês, se ele não se levantar para dar esses pães por seu amigo, ele o fará por causa do incômodo e lhe dará tudo de que tiver necessidade”. (Lucas 11.8). Enquanto o de dentro de casa queria dormir, aquele que estava à porta não cessava de bater e pedir pela ajuda que necessitava.

Portanto, sejamos perseverantes na oração. Não devemos desistir no meio do caminho. Deus nos dará aquilo que realmente precisamos, mas nem sempre nos dará aquilo que queremos. Se Deus não nos concedeu o que estamos pedindo, ou é porque não precisamos tanto daquilo quando achamos ou porque ainda não fomos transformados o suficiente ao ponto de podermos receber daquilo que ele quer nos dar.

Na História da Igreja, temos o exemplo de Agostinho de Hipona, um dos grandes sábios cristãos que passou pela terra. Agostinho vivia uma vida pervertida e longe de Deus. Sua mãe Mônica, porém, insistia por sua conversão em oração. Um dia, o bispo disse a Mônica que seria impossível perder esse filho de tantas lágrimas4. De fato, após trinta e três anos de oração, Agostinho se converteu ao cristianismo. E Mônica, antes de morrer, viu seu filho seguindo o caminho de Cristo. Isso foi tão importante que mais tarde o pensamento de Agostinho influenciou profundamente um monge alemão chamado Martinho Lutero.

3 É PRECISO TER CONFIANÇA

E então, ao final do texto, Jesus diz: “Por isso, digo a vocês: Peçam e lhes será dado; busquem e acharão; batam, e a porta será aberta para vocês. Pois todo o que pede recebe; o que busca encontra; e a quem bate, a porta será aberta”. (Luca 11.9-10). Werner Wiese, nosso professor de Novo Testamento na Faculdade Luterana de Teologia em São Bento do Sul/SC, dizia: “Orar é perigoso, pois corremos o risco de sermos atendidos”. Portanto, é preciso também sabedoria no pedir.

A oração é feita a partir da confiança em Deus. E só podemos confiar em alguém se construímos um relacionamento. Não há como confiar sem conhecer. Então, como vamos saber o que orar se não conhecemos a Deus através da sua Palavra e se não buscamos um relacionamento com Deus através da vida de oração?

O nosso relacionamento com Deus deve ser como o relacionamento entre pais e filhos: “Quem de vocês, sendo pai, daria uma cobra ao filho que lhe pede um peixe? Ou daria um escorpião ao filho que lhe pede um ovo?” (Lucas 11.11-12). A oração pressupõe confiança: Deus sabe o que eu preciso e ele será justo tanto se me atender quanto se não me atender. Ganhando ou não aquilo que estamos pedindo, Deus continua sendo Deus.

Por isso, a oração com fé pedirá pela vontade de Deus. Uma vez ouvi alguém dizer que as pessoas que oram pedindo que Deus faça a sua vontade são pessoas de pouca fé, pois já estão desacreditando da própria oração desde o começo; se for assim, então Jesus também tinha pouca fé, pois foi ele mesmo quem nos ensinou a orar, dizendo: “seja feita a tua vontade”.

A oração com fé não significa barganhar com Deus, fazer negócios com Deus ou acreditar que de tanto eu mostrar que eu quero algo, então certamente irei receber; ao contrário, a oração com fé é a oração que se entrega nas mãos de Deus e que continua confiando mesmo quando a cura não vem, quando a vida não pôde ser poupada da doença e morte, quando o acidente não pôde ser evitado, quando os filhos não puderam ser preservados de maus caminhos, assim por diante. Inclusive, é nas respostas que Deus dá às nossas orações que podemos perceber se confiamos de fato em Deus ou só amamos ao Senhor enquanto ele possui algo a nos oferecer.

Amados irmãos, amadas irmãs,

vamos buscar uma vida de oração, com humildade, perseverança e confiança. Busque tempo de qualidade com o Senhor. Lentamente, através da oração, Deus vai transformar a sua vida. Com o tempo, seu relacionamento com Deus será tão íntimo que você saberá o que pedir e terá coragem de pedir, pois é o próprio Deus quem estará colocando a sua vontade em seu coração.

Para terminarmos, trago para a gente um passo a passo que podemos usar nas nossas orações diárias, tanto sozinhos quanto em família:

a) Louvor: comece sua oração exaltando a Deus por quem ele é. Para isso, busque conhecimento bíblico. Só será possível louvar e exaltar a Deus a partir do conhecimento de Deus. Portanto, inicie sua oração louvando a Deus pelo seu amor, pela sua bondade, pela sua misericórdia;

b) Gratidão: agradeça a Deus pelas tantas bênçãos recebidas. Olhe para o seu passado, quem sabe para o dia anterior ou para a semana anterior… Ou quem sabe para a sua história. Nesse tempo, aproveite para agradecer a Deus pelas orações já respondidas;

c) Confissão: agora é o momento de olhar para dentro de si mesmo. Somos pessoas pecadoras que não merecem nada de Deus – que é justo. Portanto, confesse seus pecados a Deus pedindo que ele transforme a sua vida. Esse passo é o momento do arrependimento;

d) Intercessão: lembre-se daqueles que estão sofrendo e que precisam da sua intercessão, desde pessoas doentes até moradores de rua, pessoas desempregadas, abusadas, violentadas, em luto. Coloque essas situações nas mãos de Deus pedindo que ele tenha piedade;

e) Petição: enfim, faça os seus pedidos de oração. Abra o seu coração a Deus e fale a ele da sua vida e daquilo que necessitas.

Que o Senhor abençoe a todos nós. Como diria Bento de Núrsia (480-547), “orar e trabalhar”. E a paz de Deus, que excede todo o entendimento, guardará os nossos corações e as nossas mentes em Cristo Jesus, amém.


7º DOMINGO APÓS PENTECOSTES  | VERDE | TEMPO COMUM | ANO C

24 de Julho de 2022


P. William Felipe Zacarias


1 FOSTER, Richard. Celebração da Disciplina. 2. ed. São Paulo: Vida, 2007. p. 67.

2 LUTERO, Martinho. in: FOSTER, 2007. p. 68.

3 KIERKEGAARD, Søren. Christian Discourses. Oxford: Oxford University Press, 1940. p. 324. apud: FOSTER, 2007. p. 74.

4 Cf. AGOSTINHO, Aurélio. Confissões. Série Patrística. v. 10. São Paulo: Paulus, p. 65. Edição do Kindle.