Proclamar Libertação – Volume 37
Prédica: Sofonias 3.14-20
Leituras: Lucas 3.7-18 e Filipenses 4.4-7
Autor: Carlos A. Dreher
Data Litúrgica: 3º Domingo de Advento
Data da Pregação: 16/12/2012
1. Introdução
Esses três textos previstos para o 3º Domingo de Advento já foram abordados diversas vezes em Proclamar Libertação. A passagem de Lucas foi abordada mais frequentemente como texto de pregação, ao passo que as de Filipenses e Sofonias foram abordadas apenas uma vez cada uma. A abordagem de Sofonias, feita por Haroldo Reimer, encontra-se no volume 20.
Há uma relação evidente entre Sofonias 3.14-20 e Filipenses 4.4-7. Trata- se do tema da alegria. Essa alegria que, em Sofonias, conclama ao cântico e ao júbilo (v. 14) tem uma razão muito clara: “O Senhor, teu Deus, está no meio de ti!” (v. 17). Em Filipenses, o repetido convite à alegria (v. 4) tem como motivo a afirmação: “Perto está o Senhor!” (v. 5). A alegria é resultado da proximidade de Deus.
Na passagem de Lucas 3.7-18, embora a proximidade de Deus seja pressuposta na exortação para preparar o caminho do Senhor (v. 4b-6), o tema da alegria desaparece. Aqui o tema é o juízo. A “raça de víboras” não pode fugir da “ira vindoura” (v. 7). O machado já está posto à raiz (v. 9). Há que produzir frutos dignos de arrependimento (v. 8). Assim ainda haverá possibilidade de escapar ao juízo (v. 9-14), pois, depois de João, virá aquele que é mais poderoso e que batizará com o Espírito Santo e com fogo (v. 16), limpando a eira, recolhendo o trigo em seu celeiro e queimando a palha em fogo inextinguível (v. 17). É esse o evangelho de João Batista (v. 18).
Estamos, pois, entre o juízo e a presença de Deus em meio a seu povo.
2. Exegese
Sofonias atua em 630 a. C., pouco antes da reforma de Josias, iniciada em 622 a. C. Josias fora entronizado em 639 a. C., com apenas oito anos de idade, numa reação do povo da terra ao golpe palaciano que assassinara o rei Amom (2Rs 21.23s). Amom sucedera a Manassés, que enchera Jerusalém de sangue inocente “de um a outro extremo” (2Rs 21.16) e sob cujo governo (696-642) os profetas desapareceram. Sob Manassés, a Assíria submetera Judá novamente à vassalagem. Costumes assírios e idolatria haviam se arraigado no país.
Conforme o primeiro capítulo de seu livro, essa era a situação quando Sofonias atuou (1.4-6,8,9). A injustiça grassava (1.11s). Em decorrência, Sofonias anuncia o terrível “Dia do Senhor”, o dia da indignação do Senhor, no qual ocorrerá a destruição total e repentina de todos os governantes (Almeida = moradores) da terra (1.14-18; cf. v. 18).
Após voltar-se, no cap. 2, contra outros povo, o profeta retoma, no cap. 3, o anúncio de juízo contra Jerusalém (3.1-7). Em 3.8-13, anuncia finalmente a salvação, a ocorrer quando o Senhor tirar de Jerusalém os soberbos, deixando em seu meio um povo humilhado e fraco (Almeida = modesto e humilde), que confia em seu nome (3.12).
O anúncio de Sofonias parece terminar aqui. Os versículos seguintes, 14- 20, não parecem mais corresponder à mensagem do profeta.
Pouco sabemos sobre Sofonias. O cabeçalho do livro (1.1) informa-nos, além da época de sua atuação, sobre uma ampla genealogia. Alguns autores julgam-no de linhagem real pela menção a Ezequias, que pode ser simplesmente um homônimo do rei de Judá. Outros veem-no como um cuxita, por isso talvez negro, entendendo a expressão ben cushi com “filho de Cuxe”, portanto etíope. Não há como ter certeza.
Quando da reforma de Josias, Sofonias parece já ter desaparecido. Josias consulta a profetisa Hulda sobre o Livro da Lei. Por que não Sofonias? Teria morrido?
Diante disso, é preciso perguntar se as palavras de salvação de 3.14-20 ainda provêm de Sofonias. Após o anúncio de juízo e da esperança de que um povo humilhado e fraco permaneceria em Jerusalém, que sentido teria conclamar a filha de Sião a cantar e Israel a rejubilar?
Duas possibilidades se apresentam. Na primeira, Sofonias teria presenciado a reforma de Josias. Esse seria o sentido da afirmação: “O Senhor, teu Deus, está no meio de ti, poderoso para salvar-te”. Na segunda, tais versículos seriam pós-exílicos e, portanto, não mais palavras do próprio profeta. Os v. 18-20 dão nitidamente a impressão de que se referem ao retorno dos exilados (“afastados das festas solenes”, v. 18; “os que foram expulsos”, v. 19; “farei voltar”, v. 20). Essa segunda possibilidade parece ser a mais provável.
Observando o texto proposto para a pregação, percebem-se nitidamente quatro unidades distintas ou, no mínimo, subunidades: v. 14-15; v. 16-18; v. 19; v. 20. Após o convite ao canto e ao júbilo (v. 14-15), o v. 16 abre um novo assunto ao apresentar o adjunto adverbial “naquele dia”. Assim também no início do v. 19: “Eis que, naquele tempo”. O versículo 20 faz o mesmo ao indicar novamente “aquele tempo”. “Tempo” e “dia” já não são aqui tempo e dia da “ira do Senhor”. Aquele dia é passado. Estamos em um novo tempo. E é tempo de graça.
Analisando essas unidades, percebemos as razões desse novo tempo de graça.
Na primeira, v. 14-15, tal razão encontra-se no v. 15: Deus afastou o castigo, lançou fora o inimigo, o que parece referir-se ao fim do exílio babilônico em 529 a. C. e ao retorno de boa parte dos exilados. Um pouco mais adiante, leva-nos a razão seguinte para o júbilo: “O Rei de Israel, o Senhor, está no meio de ti; tu já não verás mal algum”. Se o Senhor está no meio de Jerusalém/Sião, é bem provável que o texto se refira ao templo reinaugurado em 515 a. C. Seja como for, o anúncio fundamental da salvação é: “O Rei de Israel, o Senhor, está no meio de ti”. Motivo de canto e júbilo é a presença de Deus em meio a seu povo.
Essa afirmação é também o aspecto central da unidade seguinte: v. 16-18. Jerusalém/Sião não tem mais o que temer nem por que tremer. A presença do Senhor em seu meio é presença poderosa de salvação. Deus alegra-se ao renovar seu amor a seu povo. É Ele mesmo quem agora se regozija e jubila.
Salvação e renovação do amor têm desdobramento no v. 18. Deus mesmo fala: “Congregarei os que estão entristecidos por se achar afastados das festas solenes, esses que são de ti e sobre os quais pesam opróbrios”. Embora sua alegria seja imensa, ela não está completa. Nem todas as pessoas que fazem parte de seu povo já se congregaram na terra da promessa. Muitas ainda estão afastadas.
Ainda não retornaram do exílio. A diáspora terá um fim.
O mesmo conteúdo se reflete no v. 19. Ali são mencionados “os que coxeiam” e “os que foram expulsos”. Se os últimos são clara referência aos exilados, os primeiros podem referir-se efetivamente a deficientes físicos, os quais sempre foram alijados do Templo desde o princípio (cf. 2Sm 5.8). Não se deveria pensar que a mensagem de Sofonias pretende também a reintegração das pessoas deficientes no ambiente religioso?
Ambos, exilados e deficientes, serão feitos “um louvor e um nome”, mesmo na terra distante, onde sofrem ignomínia. Sua fraqueza revela a face de Deus, o que os torna “louvor e nome”.
O v. 20 praticamente repete o que foi dito no v. 19. Também aqui Deus mesmo fala, anunciando “o nome e o louvor” de seu povo entre todos os povos da terra, quando Ele mudar a sua sorte.
O castigo passou. Agora há a alegria por Deus estar no meio de seu povo.
3. Meditação
Os textos previstos para o domingo colocam-nos entre o anúncio de juízo e a certeza da salvação.
O juízo é evidente no evangelho (Lc 3.7-18). A “raça de víboras” não pode fugir à “ira vindoura” (v. 7). Embora João também anuncie a possibilidade de produzir “frutos dignos de arrependimento” (v. 8), o “machado já está posto à raiz das árvores”. Aquela que “não produz bom fruto é cortada e lançada no fogo” (v. 9).
Isso nos coloca nas proximidades do livro de Sofonias: o dia da “ira do Senhor” está próximo. Não há mais possibilidade de salvação (Sf 1.18). Contudo, o texto para a pregação, pós-exílico, posterior ao castigo, afirma que “o Senhor está no meio de ti” e conclama ao canto e ao júbilo.
O tema do júbilo aproxima-nos de Filipenses 4.4-7. O apóstolo convida repetidamente à alegria (v. 4), pois o Senhor está perto (v. 5b).
Este é o tema deste domingo: Advento coloca-nos entre o juízo e a certeza da presença de Deus em nosso meio.
Chega a soar estranha a afirmação de Paulo em Filipenses 4.5 – “O Senhor está perto” – diante da certeza absoluta de Sofonias: “O Senhor está no meio de ti”. A palavra de Paulo só é compreensível na dialética do “já e ainda não”. A proximidade a que se refere, sem dúvida, é a segunda vinda de Cristo. Também para Paulo, Ele já está no meio de nós.
A partir dessa visão paulina, o texto menos evangélico dos três propostos para este domingo é, curiosamente, o do Evangelho de Lucas. João ainda anuncia o juízo, embora saiba da vinda daquele do qual não é digno de desatar-lhe as correias das sandálias, embora saiba que Ele batizará com o Espírito Santo e com fogo (Lc 3.16). Contudo, a proximidade desse que vem ainda assusta, pois Ele “queimará a palha em fogo inextinguível” (Lc 3.16). Não por último, para o Batista, “frutos dignos do arrependimento” (Lc 3.8), portanto obras, são necessários para escapar à “ira vindoura”.
João ainda não sabia que Jesus de Nazaré era aquele que estava para vir e que não havia mais que esperar por outro (Lc 7.10). Não sabia que esse Jesus era o Cristo, não sabia que o Senhor já estava no meio de nós.
Em vista disso, os “frutos dignos de arrependimento” devem ser entendidos numa visão paulina que sabe que Ele já veio como obras decorrentes da salvação, não como condição para elas. Cristãos devem mostrar, por meio de seu agir diante dos homens e de sua oração, que sabem que o Senhor está perto, que Ele já veio, já está no meio de nós e virá para completar sua obra redentora.
Assim, proponho que a pregação sobre o texto de Sofonias 3.14-20 insista no aspecto da alegria e do júbilo pelo fato de que o Senhor já está no meio de nós. O juízo é passado. Já aconteceu. Na cruz e na ressurreição de Cristo, o amor de Deus revela-se de forma absoluta.
A abordagem do texto de Sofonias deve começar com uma visão histórica. O pecado dos governantes de Judá leva ao anúncio do juízo implacável. Não há possibilidade de arrependimento e perdão. O castigo vem e está expresso na destruição de Jerusalém em 587 a. C. e no consequente exílio dos pecadores para a Babilônia. Contudo, também para Sofonias, há um “resto santo”, um povo humilhado e fraco que confia no nome do Senhor. Há, pois, uma salvação restrita aos sofridos. Para os demais, há apenas o juízo.
É evidente aqui a comparação com a pregação de João Batista: será cortada fora a árvore que não produz bom fruto, o fruto da solidariedade e da justiça (repartir túnicas e comida, não cobrar mais do que o estipulado, não maltratar ninguém, não fazer denúncia falsa, contentar-se com o que é seu). Para João, portanto, também há uma salvação restrita a algumas pessoas que produzem bom fruto.
De volta a Sofonias, e agora ao texto de pregação, é fundamental sublinhar que o juízo já passou. Após 60 anos de exílio, o povo de Deus pode começar a congregar-se na terra da promessa.
Agora, após o juízo, “o Senhor está no meio de ti”. Por isso a alegria, o canto, o júbilo. Por isso: “Alegrai-vos sempre no Senhor; outra vez digo: alegrai-vos” (Fp 4.4).
Sim, a alegria ainda não é completa, pois ainda não voltaram todos. Há muitos ainda por congregar. Há muitos que ainda não foram feitos “um nome e um louvor” (Sf 3.19-20), mas o novo tempo já começou.
O Senhor já está no meio de ti. A comunidade reunida precisa ser lembrada constantemente disso. Ela, porém, precisa saber que “o Senhor está perto”. Sua presença em nosso meio ainda não está completa.
Advento assegura-nos essa presença de Deus em nosso meio, presente e futura – parcial, agora; completa, no futuro.
4. Imagens para a prédica
Sugiro que todo o culto seja marcado por imagens plásticas. Isso não exclui o uso de imagens narrativas sobre o tema da alegria. Proponho que cada pregador ou pregadora escolha algumas histórias de alegria em sua própria comunidade ou paróquia, contando-as em sua pregação ou ao longo do culto.
Certamente, a igreja já contará com uma coroa de Advento. Além dela, proponho que se enfeitem os bancos do templo com ramos de cipreste envoltos em fitas vermelhas. Se possível, distribuam-se pelo interior do templo inúmeras velas a serem acesas logo no início da celebração.
Parece-me fundamental colocar uma pequena mesa no centro da igreja em meio à comunidade. Sobre a mesa coloquem-se um crucifixo, uma manjedoura e um ramo de flores. Aos pés dessas imagens ponha-se uma faixa de papel com os dizeres: “O Senhor está no meio de ti!”.
5. Subsídios litúrgicos
Dois hinos são importantes para este culto: HPD I 124 (Deus está presente, todos o adoremos…) e HPD I 262 (Ó alegria, vem alumia…). Esse último também poderia ser utilizado como oração de coleta, preferencialmente cantado por toda a comunidade.
Como versículo de introito, sugiro a leitura de toda a passagem de Filipenses 4.1-7. Utilizando Lucas 3.7-18 como leitura do evangelho, teríamos, com o texto de Sofonias 3.14-20 para a pregação, os três textos do domingo bem presentes na celebração.
Após a confissão de pecados e da absolvição, proponho que se utilize a fórmula: Celebrante: O Senhor seja convosco! Comunidade: Ele está no meio de nós. Essa fórmula poderia ser repetida antes da pregação e, mais uma vez, no final do culto.
A oração de intercessão deveria expressar, ao lado das dores e dos sofrimentos da comunidade, da igreja e do país, também motivos de alegria. De fundamental importância é pedir, nessa oração, pela alegria completa e pela congregação de todas as pessoas na comunhão daquelas que foram santificadas por Deus em Jesus Cristo.
Bibliografia
REIMER, Ha roldo. 3º Domingo de Advento. In: STRECK, Edson e SCHNEIDER, Nélio (coords.). Proclamar Libertação 20. São Leopoldo: IEPG, Sinodal, 1994. p. 20-22.
SICRE, José L. A justiça social nos profetas. São Paulo: Paulinas, 1990.
Proclamar libertação é uma coleção que existe desde 1976 como fruto do testemunho e da colaboração ecumênica. Cada volume traz estudos e reflexões sobre passagens bíblicas. O trabalho exegético, a meditação e os subsídios litúrgicos são auxílios para a preparação do culto, de estudos bíblicos e de outras celebrações. Publicado pela Editora Sinodal, com apoio da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB).