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Prédica: 2 Coríntios (11.18,23b-30);12.1-10
Autor: Wilfrid Buchweitz
Data Litúrgica: Domingo Sexagesimae
Data da Pregação: 07/02/1988
Proclamar Libertação – Volume XIII

 

I – Introdução

A comunidade de Corinto não é uma comunidade fácil. Tanto a primeira como a segunda carta que temos do apóstolo Paulo revelam dificuldades e conflitos, alguns deles em tomo da pessoa e da atividade do próprio Paulo. Especialmente na segunda carta a autodefesa do apóstolo ocupa um espaço importante. O texto da carta se refere a acusações de leviandade e ambiguidade (1.17), de procedimento traiçoeiro, (12,16), de fala mansa quando perto e linguagem dura quando longe (10.1), de autoritarismo (1.24), de falsidade (4.2), e outras cousas mais. Tudo isso o apóstolo rebate, algumas vezes com muita veemência. O que acontece no fundo é que os adversários põem em dúvida a autenticidade do ministério de Paulo e a isso o apóstolo reage com muita energia.

II – Considerações exegéticas

A preocupação de seus adversários no fundo não é pelo evangelho de Jesus Cristo, diz o apóstolo Paulo. É muito mais uma preocupação de destacar as suas qualidades e méritos pessoais contra as qualidades e os méritos do apóstolo. Esta não é a perspectiva do evangelho. Mas até nesse nível os adversários não têm de que se gabar. Até nesse nível o apóstolo aceita o desafio e está disposto a ser insensato e fazer o que não tem sentido, a falar de si, quando deveria falar de Jesus Cristo, a descer ao nível de seus adversários e mostrar que até aí ninguém chega perto. Basta ler a ficha que ele apresenta nos versículos 11.23b-30. Ninguém tem nada parecido para comparar. Não são essas as coisas importantes na pregação do evangelho, mas até nessas coisas os questionamentos e as críticas dos adversários não são consistentes. Ninguém foi mais responsável e coerente que ele.

Mas há mais. Paulo pode se vangloriar de sua fidelidade no sofrimento. Além disso pode se vangloriar de ter recebido revelações da parte de Deus. Deus lhe proporcionou revelações e visões que nenhum de seus acusadores experimentou. Deus o arrebatou para o terceiro céu, ao paraíso, ao reino de Deus em plenitude. Ali ele ouviu coisas tão bonitas e tão divinas que não dá para repetir. Como isso aconteceu ele não o sabe, se ele foi totalmente transportado para o paraíso ou se foi visão, isso não é importante para Paulo. Deus sabe os detalhes, porque foi a graça de Deus que lhe deu este privilégio. Esta experiência só ele a teve. Mas isso não ê importante para a pessoa dele. Não é a esta que ele quer destacar e ninguém outro deve destacá-la.

E para que Paulo não deixasse tomar conta a soberbia e a arrogância, foi-lhe posto na vida um sofrimento. Há muitas teorias sobre este sofrimento de Paulo mas não há nenhuma indicação segura sobre o que poderia ter sido. Em todo o caso Paulo deve ter sofrido muito com ele. Três vezes pediu a Deus que o libertasse do mal, mas Deus não correspondeu ao pedido e alertou para a importância da graça. Que Paulo recebeu de Deus a graça, o amor incondicional, a aceitação sem limites, a justiça dada de presente. Deus sugere que Paulo seja grato por isso, que não queira tudo, que o sofrimento poderia ser até uma proteção contra a tentação de se julgar perfeito. E depois de ver isso e de aceitá-lo, Pauto fez uma descoberta importante em sua vida: que na fraqueza pode residir sua força. Por ser fraco quanto a suas próprias forças ele permite que Deus seja forte em sua vida. E com as forças de Deus em si e em sua vida ele é muito mais forte do que poderia ser com forças próprias.

Se é para contar vantagem própria, Paulo ganha todas. Ele tem de que se vangloriar. Ninguém tem tantas razões como ele. E em matéria de dedicação ao ministério também não teme comparações. Sua autenticidade e sinceridade não podem ser questionadas. Mas ele não foi autêntico e sincero e coerente porque o ministério fosse dele.

O ministério é de Jesus Cristo e a Palavra conteúdo do ministério é de Jesus Cristo. Jesus Cristo e a sua Palavra e a sua causa são importantes e por isso Paulo tem que partir em defesa de seu ministério e sua autenticidade.

Ill – Meditação

As discussões, tensões de Corinto se repetem em nossas comunidades. Há grupos que se identificam com diferentes pastores e criam dificuldades em comunidades. Grupos defendem por um lado e criticam por outro lado líderes, que podem ser pastores ou membros de presbitério, ou mesmo outras pessoas com argumentos dos mais diversos. As vezes os argumentos são práticos, outras vozes são teológicos, outras vezes podem ser até pessoais. Há dissenções, disputas, apoios, aclamações pelos motivos mais diversificados nas comunidades. Dessa forma às vezes grupos se formam e se mantêm. Outras vezes líderes ao defendem e procuram manter-se. Há coisas muito encobertas e camufladas que existem em nome de Deus, às vezes intencional e conscientemente, as vezes inconscientemente.

Sempre houve, também, grupos que usaram, ou tentaram usar, a igreja em favor de uma ideologia política ou privilégios econômicos. Tenho a impressão que hoje temos mais consciência disso, que no passado a igreja nem sempre se deu conta disso, que ela sem se dar conta esteve muito casada com o poder em suas várias formas, também sem ter consciência de que assim ela deixou de dar a devida atenção ao setor numericamente maior da sociedade, que sempre foram os pequenos, os pobres e marginalizados. Muitas vezes a igreja se embriagou e viciou no usufruto de vantagens e privilégios, o que a tornou insensível e incapaz de sentir a dor e o sofrimento da pobreza, da injustiça e da marginalização. Parece que hoje o evangelho está conseguindo abrir nossos olhos. Mas isso também pode ser um julgamento injusto do passado. É perigoso fazer-se de juiz de uma época que a gente não viveu e creditar méritos para a época atual, só porque a gente faz parte dela. Era exatamente isso que os adversários de Paulo faziam. Que pecados será que gerações futuras vão constatar na igreja de nossos dias? Ao mesmo tempo isso não deveria nos inibir a alegria pelo fato de o Espírito Santo estar abrindo nossos olhos e mentes e corações e mãos para o mundo em que vivemos, de termos mais recursos para analisar este mundo e de nos situarmos mais adequadamente frente a ele e de nos inserirmos nele com melhores informações e conhecimento de causa. É importante alegrar-se, mesmo que essa alegria seja provisória. É importante fazer festa, mesmo que esta festa não possa englobar uma situação toda, abrangente e permanente. É importante que o cristão e a igreja possam festejar coisas provisórias, parciais, temporárias. As coisas parciais, provisórias, temporárias podem ser sinais de que o reino de Deus irrompe para dentro da realidade global.

E quando se vêem as coisas assim, a gente pode perceber que apesar da aparência de fragilidade o reino de Deus é global, permanente e definitivo e aquilo que parece o normal, o grande, o forte, o sempre presente, o vitorioso, é na verdade passageiro e provisório. Neste sentido os pequenos e fracos sinais de justiça de que a igreja de hoje se dispõe a ser instrumento são na realidade irrupções do reino de Deus e da vida eterna. O que a igreja não deve fazer é atrelar-se a esta ou àquela ideologia, apesar de reconhecer que ideologias estão presentes nas igrejas. Cada cristão e cada igreja contém dentro de si dimensões ideológicas. Não existe cristão ou igreja sem isso. Inclusive há ideologias mais próximas e outras mais distantes do conteúdo do evangelho de Jesus Cristo.

Outro aspecto que poderia ser refletido é o das igrejas cristãs. Quantas delas, especialmente entre as igrejas evangélicas, são fruto de caprichos de grupos ou de líderes isolados e que se separaram de outras igrejas muito mais por motivos pessoais do que teológicos? Quanta luta por poder, fama, dinheiro e outras ditas vantagens pessoais acontece no relacionamento entre as várias igrejas? E com isso concorrências, agressões, difamações, julgamentos, proselitismo e outros vexames mais. E o evangelho é usado como instrumento para esses fins. A causa de Jesus Cristo é apenas a causa de fachada.

Isso não quer dizer que não devêssemos estar contentes pela nossa igreja. Tenho muitas razões para estar contente com a minha igreja. A minha igreja me deu e está dando muito. A minha igreja é instrumento do evangelho do Jesus Cristo. A Palavra de Deus, fundamento de minha igreja, tem dado forças para sinais do reino. O fato de saber que a graça de Deus me torna cristão e torna a minha igreja igreja, é motivo de satisfação. Minha igreja não é perfeita, nem eu poderia dizer que ela é a melhor das igrejas. Mas ela é uma boa igreja, ao lado de outras boas igrejas que também se fundamentam sobre a Palavra de Jesus Cristo. Não há razão para exclusivismos. A graça e a verdade de Deus são grandes demais para uma igreja, seja ela qual for, adonar-se delas. A graça e a verdade é que se adonam de nós, para que cada um possa viver seu pedaço de verdade em seu momento histórico. Por isso Paulo defende com veemência sua experiência da verdade e sua decisão e disposição de ser ministro a serviço dessa verdade.

Um pouco dessa luta acontece muitas vezes em nossas próprias comunidades entre líderes e grupos. Às vezes as tendências são muito mais exclusivas que inclusivas.

Tanto mais importante é o acento que o apóstolo Paulo dá à questão. A graça é o importante. O evangelho é o importante. Jesus Cristo é o importante. A graça é o fundamento. O evangelho é o fundamento. Jesus Cristo é o fundamento. E qualquer ministério só é importante quando sabe disso e se orienta por isso. Qualquer outra perspectiva de ministério está no vazio. Por isso pode ser necessário brigar pelo evangelho, inclusive fazer comparações. Pode ser necessário defender a autenticidade e a autoridade dos ministros. Pode ser necessário desmascarar subterfúgios. O evangelho pode provocar conflitos, não para destruir, mas para purificar. Os diversos ministérios na igreja podem trazer conflitos. A Palavra de Deus não é sempre conciliadora. Ela gera conflitos onde os valores da Palavra são distorcidos e negados, onde no lugar do amor se tem desamor.

IV – Com vistas à prédica

O texto é longo, ainda mais quando se incluem os versículos colocados entre parênteses do capítulo 11. Mas eles são importantes para se ter um quadro maior do texto. Onde há Bíblias em número suficiente na igreja isso facilita muito. Poder acompanhar a leitura ajuda muito. Talvez o texto pudesse ser mimeografado. Alguma explicação sobre o mundo, a comunidade, por detrás da epístola certamente é importante, talvez como introdução.

Para a estrutura da prédica duas sugestões:

a) a força da igreja está na graça de Deus;

b) uma igreja fraca pode ser forte e uma igreja forte pode ser fraca

c) o caminho da igreja passa pela cruz.

ou:

a) muitas igrejas surgem a partir de caprichos o vaidades do líderes ou grupos;

b) Jesus Cristo é a pedra fundamental da Igreja;
c) em Jesus Cristo líderes diferentes-.-grupos diferentes e denominações diferentes podem humildemente existir em espírito de cooperação e dar testemunho em conjunto do reino.

V – Subsídios litúrgicos

1. Confissão de pecados: Senhor, nosso juiz e amigo. Nós te agrade¬cemos que nos colocas o fundamento de tua graça para nossa igreja, para a fé e a vida. Ao mesmo tempo te confessamos que sempre de novo deixamos de lado o teu fundamento e escolhemos fundamentos nossos: construímos sobre nossas forças, sobre nossas opiniões religiosas e sobre nossas conveniências na vida. E então causamos estragos para nossas próprias vidas, para o mundo em que vivemos e para teu reino. SÓ tu, Senhor, podes perdoar-nos e levar de volta o teu caminho. Ajuda e perdoa, Senhor. Tem piedade de nós, Senhor.

2. Oração de coleta: Senhor Deus, nosso Pai: Aqui nos reunimos, gente com formação diferente, com costumes diferentes, com ideias diferentes para ouvir tua palavra, para orar e cantar. Reúne-nos tu, Senhor, de tal forma que dentro das diferenças e apesar delas possamos, em teu Espírito, ser uma só comunidade. Por Jesus Cristo que contigo e o Espírito Santo reina eternamente. Amém!

3. Oração de intercessão: Sugestões de incluir nesta oração: Que Deus proteja o mundo contra todas as agressões que a humanidade lhe inflige; que Deus ilumine e guie os governos pelo caminho da paz, entre as nações e dentro dos povos, paz com justiça; que Deus ajude as igrejas a confessar seus pecados de divisões e facções e competição onde gastam suas preciosas forças umas contra as outras em vez de direcioná-las para a construção do reino; situações da própria comunidade.

VI – Bibliografia

– VOIGT, G. Meditação sobre 2 Co (11,18, 23b-30) 12.1-10. In: Die himmlische Berufung. Göttingen, 1980.
– WENDLAND, H. D. Die Briefe en die Korinther. In: Das Neue Testament Deutsch. 5. ed. Göttingen, 1948, v. 7.