Prédica: Mateus 22.23-33
Leituras: Isaías 35.1-10 e 2 Pedro 3.8-14
Autor: Valdim Utech
Data Litúrgica: Dia de Finados
Data da Pregação: 02/11/1991
Proclamar Libertação – Volume: XVI
1. Introdução
Sem dúvida nenhuma herdamos da Igreja Católica os festejos do Dia de Finados. Na CA, art. 21, nos é dada a orientação de que se pode cultivar a memó¬ria dos mortos, para que a fé deles, as boas obras e a vocação possam representar auxilio para nossa fé e estímulo para nosso trabalho. Mas nunca invocar os mortos para interceder por nós, pois há um só mediador: Cristo!
Há certa tendência em nossa Igreja que quer colocar em dúvida as celebrações na oportunidade do Dia de Finados. Não queremos colocá-las em dúvida, pois o enraizamento e profundo demais, mas podemos questionar os conteúdos e formas de celebrações evangélicas na oportunidade. Pergunta: seria mais correio celebrar o culto na Igreja do que no cemitério? De qualquer forma os nossos membros estarão no cemitério ouvindo as mais diversas e coloridas mensagens. As emissoras de rádio também fazem seu tutti-fruttí neste dia. E de repente a forma de compreender a morte se torna vital para a existência e relacionamento com o mundo. Afirmamos assim, que o Dia de Finados é grande oportunidade para discutir a vida!
2. Olhando ao nosso redor
Os membros da IECLB são constantemente confrontados com filosofias e religiões que pregam fundamentos e ideias capazes de confundir suas cabeças e sua fé. O mito da separação entre corpo e alma tem trazido muitas dores de cabeça A Igreja Católica recomenda que Finados seja um dia de oração pelas almas no purgatório — lugar de purificação. A tradição da Igreja ensina a existência do purgatório. É a partir dessa verdade que são celebradas missas, feitos sacrifícios, jejuns e outros atos de piedade em favor das almas que estão no purgatório. Já que o centro da fé está na Eucaristia e na ressurreição de Cristo, os bispos recomendam aos católicos participarem da missa no Dia de Finados.
Para os espíritas não existe o Dia de Finados. O que existe é a passagem da criatura humana para o plano espiritual. Os líderes espíritas recomendam que os parentes desencarnados sejam lembrados, o que pode ser feito todos os dias. Para o espírita a vida não finda, apenas se cumpre uma etapa. Há degraus que devem ser percorridos. A correção dos erros passados proporciona ao espírito uma evolução, e o indivíduo chega assim à felicidade.
Os supervisores doutrinários da Seicho-No-Iê recomendam o respeito aos mortos todos os dias. Não têm ensinamentos nem a favor nem contra a celebração de Finados. Nesta doutrina é altamente valorizado o respeito aos antepassados. Sem dúvida a imortalidade da alma está presente.
A Igreja do Evangelho Quadrangular aborda a importância da lembrança do testemunho deixado por aqueles que já partiram, o que pode ser feito também no Dia de Finados. Ensina que esta vida é uma oportunidade que Deus oferece ao homem para que ele possa aceitar o seu plano de salvação. A vida é uma oportunidade transitória, e quem aceita Jesus como Salvador vai passar pela ressurreição dos mortos.
Para os orientais hinduístas e budistas a morte é muito mais figurativa do que para nós, ocidentais. Para eles o morto desce num barco um rio que representa a vida, e depois é comemorado numa festa chamada Bon Odori. O indivíduo que morreu reencarna rapidamente, num processo indefinido. O ponto máximo do alcance espiritual é o Nirvana, onde a plenitude é alcançada.
3. Texto e meditação
Nosso texto em pauta, Mt 22.23-33, nos apresenta um confronto direto entre Jesus e os saduceus. Como grupo de elite e possuidores de latifúndios, construíram sua teologia a partir da lei de Moisés, usando inclusive artimanhas para privilegiar seu poder. Por manterem acordos com os romanos faziam parte dos opressores que Jesus tinha reconhecido muito bem.
É interessante notar que Jesus nunca os procurou para discutir teologia. Jesus emerge da classe oprimida com a qual está profundamente comprometido a partir da proposta libertadora do evangelho. A arrogância refletida nas armadilhas teológicas dos saduceus não embaraça ao Filho de Deus. Tanto que Jesus responde com autoridade à questão lançada: ERRAIS! O fato dos saduceus não crerem na ressurreição leva-os a uma compreensão errônea quanto à possibilidade da comunhão com Deus.
Nosso texto leva-nos fatalmente a discutir o plano de Deus para a ressurreição dos mortos. O texto indicado para Finados não nos deixa relevar o estado de espírito dos ouvintes. Muitos sentimentos se mesclam nesta oportunidade: falar dos mortos queridos; a saudade dos que partiram ontem, anteontem ou há meses; a iminência da própria morte; a forma como muitos morreram. No meio do luto se ouve a voz de Jesus Cristo. Ele nos deixa refletir sobre a fé cristã, o morrer e o depois.
Com o errais de Jesus, somos chamados à atenção quando desejamos nos consolar com o inevitável da morte e a lógica da ressurreição. Não é possível se iludir com o mito da juventude eterna que o capitalismo tão bem trabalha. Estar consciente da morte, buscar suas causas fará com que o povo reaja à própria morte imposta pela fome, doenças, opressão. É claro que em tudo há começo, meio e fim. Morte é fatalidade? A fé tem algo a dizer a respeito. Se Cristo não tivesse ressuscitado seria vã a nossa fé (l Co 15.14). O novo da nova comunidade é a vitória sobre a morte que arranca da injustiça o troféu da última palavra. Deus é posseiro, e teimoso: Eu te remi, tu és meu (Is 43.1)! Disto é preciso desfrutar agora.
Deus é Deus de vivos e não de mortos. Este artigo da fé não pode me fazer calar ante a morte. A ressurreição é obra de Deus para os mutilados pela vida. Ao nosso redor morre-se antes do tempo: de cada mil crianças brasileiras 53 morrem antes de completar um ano. Neste campeonato de infanticídio só perdemos para a Bolívia (138 em mil), Haiti (121 em mil) e Honduras (95 em mil). A morte aqui não é uma possibilidade distante. Ela alimenta o sistema econômico. É preciso tirar o pão da boca do trabalhador, tirar suas possibilidades reais de vida, para se obter o lucro gigantesco dos bancos e grandes empresas, e oferecer a cada ano aos credores internacionais 12 bilhões de dólares de bandeja. Mata-se à prestação, pois o direito à vida só pertence à elite e aristocracia.
No Brasil nos esforçamos para segurar a marca de um milhão de acidentes de trabalho por ano e 50 mil mortes por ano no trânsito. A morte é especialmente uma questão política. Prova maior está na questão da previdência social. Estamos conformados com o simplismo da afirmação de que apenas após a morte viveremos a nova comunhão? Não, Deus nos presenteou com a vida para ser vivida aqui. Vim para que todos tenham vida e a tenham em abundância (Jo 10.10). Então afirmamos que o projeto de Deus articula inevitavelmente a fé e a política. Jamais haverá vida em abundância se não houver distribuição justa de renda, reforma agrária e a retenção, no país, dos 12 bilhões de dólares.
4. Subsídios litúrgicos
Oração de coleta: Santo Deus, aqui estamos diante de ti, jovens e velhos, a tua comunidade. Buscamos a vida plena planejada e oferecida por ti. Dá-nos forças para lutar pela vida justa. Prepara-nos para ouvirmos tua santa palavra em comunhão fraterna. Tua força é nossa reunião. Por Jesus Cristo, que reina agora e sempre. Amém!
Assuntos para a oração final: Orar pelo que estão de luto; pelos tristes; pelo que sentem muita saudade de falecidos queridos; pedir que Deus ajude a guardar as boas lembranças dos tempos de vida dos que já foram; pedir que Deus nos anime com a mensagem da ressurreição, que é vida plena; agradecer que Deus é Deus de vivos e não de mortos; agradecer pela possibilidade de comunhão neste culto; agradecer que Deus nos ajuda para buscarmos justiça que faz brotar a vida…
5. Bibliografia
Cultos em Memória dos Mortos? ESTUDOS TEOLÓGICOS. São Leopoldo 1985(2). Ano 25 p 188ss
– DIETZFELBINGER, H. Meditation über Mt 22,23-33. In: Neue Calwer Predigthilfen. Stuttgart, 1983. Fünfter Jahrgang, Band B, p. 272ss.
– WOLFF, G. Mt 22.23-33. In: Proclamar Libertação. Vol. VIII. São Leopoldo, Editora Sinodal, 1982, p. 336ss.