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Prédica: Marcos 14.6-9
Autor: Valdim Utech
Data Litúrgica: Domingo de Ramos
Data da Pregação: 12/04/1987
Proclamar Libertação – Volume: XII


l – Anotações preliminares

Durante o transcurso da História homens têm se agarrado a textos e versículos bíblicos isolados, na tentativa desesperada de manter apenas o coração aceso em propostas individualizantes, como' se isto fosse o cerne da pregação de Jesus. Atualmente percebemos o esforço e ginástica de empresários e grupos dominantes em desencavar uma leitura imbecil da Bíblia para cima dos operários e empregados, no sentido de enlevar uma paz de espírito não condizente com a dureza da caminhada da Cruz de Jesus.

O dito acima é uma tentativa de evadir-se da mensagem de Jesus Cristo. Para isto qualquer meio é bom. Neste sentido são três os versículos mais usados: Porque os pobres sempre os tendes convosco (Mc 14.7a); Dai, pois, a César o que é de César (Mt 22.21) e O meu reino não é deste mundo (Jo 18.35a). O uso destes versículos pelo poder mostra o medo perturbador de que uma análise mais profunda da atuação de Jesus possa realmente estremecer com as estruturas podres vigentes.

Desta forma, ao fazer uma análise do texto em pauta, observamos que são três os aspectos que se salientam numa simples leitura. A leitura necessita abranger Mc 14.3-9, e não só vv. 6-9. Vejamos os três aspectos:

a) opressão e submissão da mulher no tempo de Jesus;
b) questão riqueza X pobreza na pregação de Jesus, e,
c) Jesus na iminência da sepultura.

É bem certo que o ponto c, baseado no v. 8, seria o assunto chave para uma pregação de Domingo de Ramos. Por falta de material literário e ainda arranhado por uma formação machista na Faculdade de Teologia, deixo de analisar o ponto a. Sabemos que este ponto é crucial hoje, mas sabemos também que atualmente há pessoas com bem mais capacidade e liberdade para falar do mesmo.

II – Riqueza X pobreza

Se isolarmos o v. 7 de nosso texto, vamos escorregar e cair numa discussão vazia sobre caridade e esmolas. Os ensinos de Jesus relativos à riqueza e pobreza devem ser entendidos a partir de sua proclamação do reino de Deus, como próximo e iminente. Há sempre o aspecto escatológico que deve ser reconhecido. No centro de sua proclamação está o chamado escatológico ao arrependimento (herdar o reino, tomar posse do reino), aqui as riquezas impossibilitam uma opção em favor do reino anunciado por Jesus.

Jesus observa que a riqueza torna o homem pretencioso e violento. A riqueza torna o homem seu escravo e lhe rouba a liberdade para se decidir para Deus. Para a maior parte dos homens a riqueza é objeto de um culto idolátrico. O acúmulo de riquezas é um esforço para escapar à angústia da morte, à angústia da instabilidade e da insegurança, da dependência, um esforço para se assegurar contra o risco, é uma procura de consistência. Mt 6.25-34 aponta muito bem para a preocupação dos homens: a tentativa, provocada pelo medo, de garantir a existência por meio de posses. É o inevitável vazio provocado pelo capitalismo sempre podre.

A riqueza é uma tentativa de se instalar aqui neste mundo. O rico apega-se às riquezas que acumulou. Torna-se prisioneiro delas, gostaria que estas fossem eternas. Desejaria não morrer para delas usufruir eternamente. É esta avareza que dificulta botar a mão no arado. Sobre isto Jesus faz uma advertência em Lc 12.15: Tende cuidado e guardai-vos de toda e qualquer avareza; porque a vida de um homem não consiste na abundância dos bens que ele possuir. O reino de Deus é prometido aos pobres, porque eles estão abertos a Deus; porque puseram suas esperanças na hora em que Deus entrará na posse do seu domínio. Vejamos a exclamação em Lc 6.24: Ai de vós, os ricos. Seria esta exclamação uma condenação aos ricos? Claro que é! Querer provar o contrário não é nada mais do que ajustar a Palavra para dentro da podridão. O jovem rico (Mc 10.17-22) estava instalado neste mundo. A exigência de Jesus o deixa triste. Em Mc 10.25 verifica-se a impossibilidade de um rico entrar no reino de Deus, e não adianta argumentar que buraco de agulha é porta de entrada para camelos em cidade cercada por muro! Por isso também o rico agricultor (Lc 12.16-21) é um louco. O Antigo Testamento (Sl 14.1) considera louco o homem que quer viver sem Deus. Todo o Evangelho segundo Lucas vê como riqueza tudo o que obstrui o acesso ao novo mundo que é trazido por Jesus. Enquanto o homem não puder rogar a Deus pelo pão diário, não roga também pela vinda do novo mundo.

Concluímos assim, que não é possível, a partir do texto em pauta, fazer uma dissertação sobre esmolas e caridades. Os pobres estão sempre conosco no presente, estão conosco agora! Agora enquanto o novo reino não está plenamente instalado. O verbo tendes é presente, no v. 7. Justamente por isso faz-se necessário mais e mais engajamento para a libertação. Os poderosos dão a impressão de acuarem qual cães raivosos, mas bem no fundo são cães que já estão acuados na própria cerca.

III – Jesus na iminência da sepultura

Em nosso texto Jesus não fala diferente do que um homem, um homem que estafe preparando para a morte. Mesmo que ele estivesse cantando e assobiando, todo seu ser estava se inclinando para a morte. Neste momento da visita à casa de Simão, os pensamentos de Jesus não estão com os trezentos denários nem com o puro óleo de nardo da índia. Um condenado à morte pode receber ainda tanto consolo quanto possível, mas seus pensamentos estarão sempre voltados ao fuzil e ao dedo do executor do gatilho.

Diante disso a palavra de Jesus com referência aos pobres não é nenhum dogma sacramental. Aos que o rodeavam ele diz: Deixem esta mulher em paz, pois é o último bem que ainda se pode fazer a um condenado. Esta mulher que ungiu Jesus por certo tinha entendido muito mais até agora do que os que o rodeavam. Naqueles últimos dias antes da morte, aquele óleo de nardo certamente era muito mais do que um bálsamo que alivia dores. Diante de Jesus estava uma mulher que havia entendido uma parte de mil do sacrifício de Jesus, enquanto os discípulos ainda não haviam entendido nada!
O Evangelho é conteúdo de pequenos gestos como o desta mulher. Tanto que isto seria espalhado para o mundo todo. Os que honram a Jesus Cristo serão lembrados para sempre!

IV – Indicações para a prédica

Para um maior aprofundamento e contextualização sugiro a leitura no Proclamar Libertação, v. 6, pp. 149-155 e no Devocionário Semente de Esperança, 1986, pp. 44-46.

Normalmente, no Domingo de Ramos, a comunidade espera uma palavra sobre a expectativa do Povo de Israel na vinda do rei. Será que este povo, em sua situação histórica, não esperava muito mais um ditador que resolvesse os problemas por eles?

Que Cristo esperamos hoje? O mesmo da entrada triunfal (vejam que o triunfo era só do povo, e não de Jesus) em Jerusalém montado num jumento? Será que a comunidade espera um Cristo identificado com o pobre?

Na Semana da Paixão costumamos pensar e falar só do sofrimento de Jesus. Porque não falar dos muitos sofredores ao nosso redor, que carregam cruzes fabricadas por homens: ditadura, falso consolo, a indústria da fome, o salário de fome, estruturas opressoras, inclusive da Igreja.

Onde pequenos atos da comunidade se transformam em bálsamo, igual ao procedimento daquela mulher em Betânia?

Não especular com falsidade. O mistério pascal é um mistério divino. Então, a comunidade está engajada no freamento da morte?

O Jesus da nossa comunidade é um libertador ou é um ditador posto para resolver os problemas por nós?

 

V – Subsídios litúrgicos

1. Confissão de pecados: Poderoso Deus e Pai, aqui estamos diante de ti como filhos curvados sob o peso de nossas transgressões. Somos volúveis e fracos. A tua justiça escorrega entre nossos dedos como água. Usamos teus mandamentos para julgar os irmãos, não queremos ser julgados por eles. Somos o teu povo que hoje grita: Aleluia! Amanhã já gritamos: Crucifica-o! Por tudo isto chegamos até a ti, Senhor, para buscar o perdão para um novo começo. Tem piedade de nós, Senhor!

2. Oração de coleta: Obrigado Senhor, que tu nos reúnes ao redor de tua Palavra. Que esta nos ilumine e renove as esperanças da justiça. Somos um povo cansado que necessita do teu apoio. Continua sempre nosso esteio, Senhor. Acalma e aquieta o coração de cada um de nós agora. Que em silêncio cresçamos no ouvir da tua Palavra. Faze-nos ser portadores da tua mensagem. Em nome de Jesus Cristo. Amém.

3. Oração final: Agradecer a Deus pelo fato de ainda nos podermos reunir como comunidade de Jesus; agradecer pela Palavra que cria comunhão, anima e conforta. Interceder a Deus por todos aqueles que carregam cruzes fabricadas por homens; orar por aqueles que não têm mais esperança, de tanto que foram enganados, explorados, e aproveitados por outras pessoas. Pedir por novas forças de vida por todos os doentes, enlutados e desenganados. Pedir para que a comunidade abra os olhos para enxergar os carregadores de cruzes dentro dela mesma. Pedir a Deus por nova esperança de vida nesta Semana da Paixão. Amém.

VI – Bibliografia

– LUTHER, M. Predigten über die Christusbotschaft. v. 5, München und Hamburg, 1966.
– SCHABERT, A. Das Markus Evangelium. 1. ed. München, 1964.
– SCHWEIZER, E. Das Evangelium Nach Markus. In: Das Neue Testament Deutsch. v. 1.11. ed. Göttingen, 1967.