|

Proclamar Libertação – Volume 38
Prédica: 1 Coríntios 2.1-12 (13-16)
Leituras: Isaías 58.1-9ª (9b-12) e Mateus 5.13-20
Autor: Kurt Rieck
Data Litúrgica: 5º Domingo após Epifania
Data da Pregação: 09/02/2014

 

1. Introdução

O período litúrgico chamado Epifania sublinha um elemento fundamental da fé cristã: Jesus revela-se como o Cristo, o Messias, o Filho de Deus. Esse período, que pode oscilar entre dois e seis domingos, depende da data da Páscoa. Inicia em 6 de janeiro, quando é lembrado o batismo de Jesus. A Epifania testemunha o objetivo da encarnação, que é a manifestação de Deus em Jesus Cristo.

O texto previsto do Antigo Testamento é Isaías 58.1-9a(9b-12), escrito na época pós-exílica. Ao profeta cabe denunciar as transgressões e os pecados do povo. Observa-se uma vida religiosa dominada pela hipocrisia. O culto a Deus, porém, está diretamente relacionado com a vida. Não existe amor a Deus se não houver amor ao próximo. O profeta chama para a conversão, para uma nova postura de vida.

O Evangelho de Mateus 5.13-20 fala da força do sal, que dá sabor e conserva os alimentos, da luz, que foi feita para iluminar e não ficar escondida, e da Lei de Moisés e seu valor irrevogável. Os textos são revelação de Deus, que trazem algo novo e que produzem vida entre as pessoas. Trata-se de um poder capaz de mudar a humanidade. Paulo, na palavra indicada para a prédica, em sua capacidade de sistematizar os pensamentos, olha para os fatos ocorridos e aponta para a revelação que se confirma na morte e ressurreição de Cristo. Cristo é a revelação “da sabedoria secreta de Deus” (v. 7). Epifania é entender essas revelações. Quem nos dá esse entendimento é o Espírito Santo.

 

2. Exegese

Corinto, cidade portuária de grande relevância comercial, foi residência do apóstolo Paulo por dezoito meses, quando fundou aquela comunidade (At 18). Após um período ausente, soube que a comunidade sofria com divisões internas. Em vez de ser um corpo em Cristo, a comunidade estava dividida em seitas e partidos, os quais se identificavam com determinados líderes e mestres. O apóstolo escreve dentro desse contexto.

V. 1 – Paulo descreve a forma como chegou com o evangelho de Cristo a Corinto. A NTLH diz: “Fui anunciar a vocês a verdade secreta de Deus”. A Bíblia de Jerusalém fala do “anunciar o mistério de Deus”, e a Almeida traduz por: “anunciando-vos o testemunho de Deus”. Esse mistério se refere a 1 Coríntios 1.18, 23 e 25. O anúncio proferido por Paulo sublinha a inversão de valores trazida pelo Messias. A cruz, razão de escândalo, torna-se o caminho da salvação humana. A retórica não estará acima da cruz de Cristo. Encontramos duas formas de comunicação: através de muitas palavras (ostentação) e grande sabedoria. Paulo questiona esses expedientes.

V. 2 – O conhecimento e a sabedoria de Paulo são inquestionáveis, mas ele não fez disso o centro de sua pregação. Atinha-se a falar de Jesus e de sua crucificação. Quando Cristo é deixado de lado, o ambiente torna-se propício para confusões e divisões.

V. 3 – Deus é uma grandeza inquestionável. Ao que faz teologia, ao que anuncia o evangelho de Jesus Cristo, é indispensável exercer a vocação com temor e tremor. Não temos um discurso qualquer para fazer. Temos o dever de proclamar o amor de Deus. Paulo exercia o seu chamado com respeito.

V. 4 – Na tarefa de anunciar o evangelho, é necessário mostrar claramente o que é divino e o que é humano. Fazer essa distinção nos capacitará a anunciar com firmeza a força do Espírito de Deus. “A fé não repousa sobre argumentos persuasivos, e sim sobre a obra de Deus nos corações dos homens. É o Espírito que torna possível a fé” (Champlin, v. IV, p. 29).

V. 5 – A fé está apoiada não na sabedoria humana, mas sim no poder de Deus, que é o causador da fé.

V. 6-8 – Paulo retorna a falar da diferença entre a sabedoria humana e a sabedoria de Deus. Ele insiste na revelação que procede de Deus. Jesus é a revelação do mistério de Deus. É comum encontrar pessoas que duvidam ser Jesus o Deus feito gente. Assim como o Evangelho de João no capítulo 1, o apóstolo fala sobre a existência de Jesus antes da criação do mundo. Mataram Jesus porque ele afirmava ser o Messias.

V. 9 – Repetem-se aqui os versos escritos em Isaías 64.4. Na pessoa de Jesus Cristo tornou-se possível ver, ouvir, pensar a grandeza do amor incondicional de Deus. A fé nessa boa notícia tem o poder de transformar a humanidade. Jesus é o sujeito e o autor da salvação.

V. 10 a 12 – Paulo tinha em sua lembrança o que Saulo foi capaz de fazer em sua ignorância. Foi-lhe revelada a verdade que procede de Deus. O Espírito Santo transformou Paulo, que foi espiritualmente iluminado. Deixou de caminhar nas trevas e recebeu um novo caminho de luz. Cabe ao Espírito Santo agir sobre o espírito humano, concedendo visão e ação divina sobre o cotidiano.  O resumo do anúncio (kerigma) é: Jesus viveu, foi morto, ressuscitou e voltará. Trata-se de pura intervenção divina na humanidade.

 

3. Meditação

Nos anos 50, Paulo esteve 18 meses em Corinto. Fundara aquela comunidade cristã e foi adiante. Em Corinto surgiram, permaneceram, passaram outros pregadores, que buscavam anunciar o evangelho.

Muitos cristãos foram cativados pela eloquência de determinados pregadores, como vemos em 1 Coríntios 1.12-13. Havia os seguidores do bispo x, do evangelista y e do ministro z. Um mais eloquente do que o outro. Aí vem Paulo e simplesmente diz o que encontramos escrito em 1 Coríntios 2.1-12.

3.1 – De que depende a sua fé?

– De uma pregação marcada pela ostentação da linguagem?
– De um show de milagres?
– De uma música contagiante?
– De um agitador de massas?
– Da erudição do pregador sábio e intelectual?
– Da própria erudição?

Nada disso tem o apóstolo a oferecer àquela comunidade cristã.

3.2 – A fé depende do poder de Deus

Jesus nunca precisou de elevadas filosofias. A sua fala dava-se por simples exemplos do cotidiano, especialmente contando parábolas. Jesus buscava conquistar as pessoas para crer em Deus. De forma simples, letrados e iletrados depositavam a sua fé em Deus.

3.3 – É o Espírito Santo de Deus que torna possível a fé

O Espírito Santo é o poder de Deus agindo na pessoa humana. Trata-se de uma ação que age de fora para dentro de nós.

Lutero escreve: “Creio que por minha própria razão ou força não posso crer em Jesus Cristo, meu Senhor, nem vir a ele. Mas o Espírito Santo me chamou pelo evangelho, iluminou com seus dons, santificou e conservou na verdadeira fé” (Catecismo Menor, Explicação do 3º artigo do Credo Apostólico).

Deus envia o Espírito Santo, que interfere em nossa existência concreta e atua para consumar a obra de Jesus de levar-nos à fé. Ele não nos coage. Deixa aos humanos a sua liberdade. Ele entra em nós, a não ser que o neguemos. Portanto todos temos a liberdade de recebê-lo (Manfred Seitz, A prática da fé, p. 136).

O Espírito Santo reúne aqueles que aceitaram o chamado de Deus e faz deles a cristandade, a comunidade de fé, a igreja.

3.4 – Dynamis – expressão grega para poder

Dynamis tem o poder de um dinamite. É a força que muda aquilo que aos nossos olhos é imutável. É a força que transporta montes (Mt 21.21). Esse poder acha-se personificado em Cristo. A fé é uma espécie de transformação inicial, operada pelo Espírito Santo, e, por princípio, continua a transformar as pessoas.

3.5 – O espírito humano

O espírito é a dimensão mais profunda do ser humano. Está dentro do corpo e habita na matéria (v. 11). Espírito humano é a dimensão da pessoa na qual o Espírito Santo atua.

Lutero entendia que a natureza se divide em três partes: espírito, alma e corpo. Acerca do espírito humano escreve: “… o espírito – é a mais elevada, mais profunda e mais nobre parte do ser humano. O espírito capacita o ser humano para entender coisas incompreensíveis, eternas. Em resumo, ele é a casa onde moram a fé e a palavra de Deus” (Martim Lutero, O louvor de Maria, p. 19).

3.6 – Espírito de Deus

Somente o Espírito Santo de Deus permite o entendimento do plano de Deus. A presença do Espírito Santo produz e dá uma nova dimensão à espiritualidade humana. O espírito humano, com uma dimensão finita da vida, transcende com a presença do Espírito Santo.

Esse capacita o espírito humano a reconhecer e a entender coisas que a simples razão não detecta. Ele atua de forma invisível, provocando conversões visíveis. As obras que Deus faz são os frutos do Espírito Santo, que encontramos relacionados em Gálatas 5.22-26.

Viver sob a cruz é sinal da presença do Espírito Santo de Deus, que promove uma vida de gratidão e alegria.

Concluindo: aquilo que depende de um argumento engenhoso carece de um argumento ainda mais engenhoso. Jesus simples e humilde, por intermédio de pura graça, anuncia e vive uma contracultura, de origem divina, que tem a força de transformar o mundo. A fé origina-se do contato da personalidade divina com a personalidade humana.

 

4. Imagens para a prédica

a – Uma pessoa que está se afogando possui as seguintes alternativas: salvar-se a si mesma, utilizando sua mão e puxando seus próprios cabelos; desistir de ajudar-se, não fazendo nada e, consequentemente, afogando-se; aceitar a ajuda de uma mão que vem de fora, estendida em sua direção, e agarrando-a o mais depressa possível.

O ser humano insiste em existir sem querer precisar de Deus. A salvação da humanidade está em perceber a mão graciosa de Jesus, estendida em seu favor. Assim, o divino interfere no que é humano e resgata-o para uma nova forma de viver.

b – Oficiei os atos fúnebres de uma senhora surda e muda. Foi um dos sepultamentos mais expressivos que já fiz. Causou-me grande impacto a solidariedade exercida pelo grupo de amigos surdos/mudos. Quando convidei para a despedida final, um a um dirigiu-se na língua de sinais (Libras) ao corpo presente, dizendo o que sentia. Fiquei impressionado com o carinho expresso ao corpo presente. Gestos, muitos gestos. Nós que sabemos ouvir e falar pensamos que temos a sabedoria da comunicação. Mas foi entre surdos e mudos que presenciei palavras não ditas com a boca, mas expressas por muitos gestos. Aquela linguagem se fez sabedoria de Deus, solidária e confortante. Convidei os presentes a cantar o Hino 216: “Se as águas do mar da vida”. Num grande silêncio, o hino foi entoado. Esses são momentos em que vemos revelada a sabedoria de Deus. Aprendemos com eles o que é viver comunidade. Aprendemos com eles o que é dizer uma boa palavra.

 

5. Subsídios litúrgicos

Confissão de pecados:

Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, nosso Salvador: o teu perdão faz uma faxina em nossa vida. Essa faxina requer sempre de novo ser feita. Tu nos perdoas e ensinas a perdoar. O perdão é como uma ponte. Quem não perdoa destrói a ponte sobre a qual precisa passar. Vem com o teu Espírito Santo dar-nos a percepção de quando as nossas ações são humanas, ignorando a força divina que deseja agir em nós.

Anúncio da graça:

Deus escuta a oração de todos aqueles que buscam a sua misericórdia. Deus vem a nós em Jesus Cristo, perdoa nossos pecados e caminha conosco. Amém.

Oração:

Oremos pela dádiva do poder para que assim anulemos o ataque do mal. Oremos pela dádiva da sabedoria para que assim, cheios de luz de teus santos ensinamentos, diferenciemos entre bem e mal. Oremos pela dádiva do amor para que assim cultivemos em nós uma misericórdia fervorosa (Bonaventura).

Lembrei-me de um hino que cantávamos no grupo de jovens, que é o número 110 de Cantarei ao Senhor I:

Só o poder de Deus pode mudar teu ser.
A prova que eu te dou é que mudou o meu.
Não vês que sou feliz, seguindo ao Senhor?
Nova criatura sou, nova sou.

 

Bibliografia

BARCLAY, William. El Nuevo Testamento, I y II Corintios. Buenos Aires: Editorial La Aurora, 1973.
CHAMPLIN, Russel Norman. O Novo Testamento Interpretado Versículo por Versículo. Guaratinguetá/SP: A Sociedade Religiosa A Voz Bíblica, 1982.

 

Ir para índice do PL 38

 

Proclamar libertação é uma coleção que existe desde 1976 como fruto do testemunho e da colaboração ecumênica. Cada volume traz estudos e reflexões sobre passagens bíblicas. O trabalho exegético, a meditação e os subsídios litúrgicos são auxílios para a preparação do culto, de estudos bíblicos e de outras celebrações. Publicado pela Editora Sinodal, com apoio da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB).