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ABERTURA DO 18° CONCÍLIO GERAL DA IECLB

Pelotas (RS), 1992

2 Coríntios 4.16-18

«Por isto não desanimamos: pelo contrário...

Prezada comunidade, irmãs e irmãos! Por isto não desanimamos! Pergunto: Essas palavras do apóstolo Paulo — elas poderão ser também as nossas? É um risco iniciar um Concílio sob essa senha, no País das contas fantasmas, dos arrastões nas praias cariocas, das chacinas nas casas de detenção. É difícil falar em ânimo, quando o desemprego atinge índices sem precedentes, a recessão se tornou permanente, os serviços sociais entraram em colapso. O desespero está tomando conta da sociedade, com todos os sintomas da loucura, da violência, do cinismo que o acompanham. Somos vítimas de um agudo empobrecimento que nos prejudica a vida, a segurança, o futuro, inclusive na Igreja. É um círculo vicioso: Males produzem desespero, e este, por usa vez intensifica os males. Vivemos em situação diabólica.

Quem se arrisca a falar em ânimo, sem de imediato colocar a credibilidade a perder? É verdade que um raio de esperança recentemente tem iluminado nosso horizonte. A revolta contra a corrupção logrou um impressionante êxito. Foi uma vitória da democracia, atestando ao povo brasileiro, particularmente à juventude, alto grau de maturidade e consciência ética. Sucessos como estes, o do impeachment, reacendem a esperança, mostram que nem tudo está perdido, revigoram a motivação para a luta. Nós precisamos de tais injeções de ânimo, muito embora saibamos, ser ainda longo o caminho a percorrer. Expulsar de nosso país a corrupção, implantai- um estado de direito, fazer prevalecer a justiça e, sobretudo, erradicar a fome e a miséria mediante redistribuição das riquezas e incentivo à produção, essas e semelhantes metas exigem um empenho que não deve temer maratonas. Este país tem jeito, sim. É só querer.

Também a comunidade cristã precisa desses impulsos externos para alimentar a esperança. Ninguém aguenta a ininterrupta sequência de golpes, fracassos e frustrações. E volto a dizer: Chega de frustrações para o povo brasileiro. Estamos no limite de nossa capacidade de aguentar. Pressão demasiada faz explodir o caldeirão. Nós precisamos de perspectivas, aliás concretas, não distantes, nebulosas, mentirosas. Nós precisamos de evidências de que trabalho honesto faz sentido, de que dias melhores virão. Caso contrário vamos atrair cada vez mais o inferno sobre nós.

Lembro que também na vida individual é assim, ou seja: As pequenas esperanças do dia-a-dia são literalmente vitais. Sem elas não dá para viver. Cabe-nos, e este é um dos grandes deveres do amor, dar às pessoas motivos de esperança, encorajá-las, fazê-las encarar o futuro com confiança.

E no entanto, se as circunstâncias forem adversas, se as perspectivas forem ruins, se afundarmos em crises e mais Crises? Como animar o nosso povo, o mundo cristão, as comunidades da IECLB? Qual é o segredo daquele: Por isto não desanimamos! do apóstolo? Importa salientar que Paulo de modo algum se encontrava em situação vantajosa em relação a nós. Não sofria sob os problemas brasileiros, é claro. Mas também a sua vida era difícil. Quem lê esta sua carta na íntegra, vai logo percebê-lo. Paulo é pessoa perseguida. Conhece muitas prisões por dentro. Não raro passa necessidades, e o que é pior, está sendo traído pela comunidade que ele próprio fundara. Sofre difamação da parte de seus irmãos da fé. E então ele diz: Por isto não desanimamos! Paulo, diga-me: Isto aí é pura teimosia, ou tem fundamento a sua coragem? Explique este por isto. Por que você não desanima? Razões para tanto você teria.

Ora, teimosia certamente não é. Essa costuma não ter fôlego. Não resiste na hora do impacto. Também de fuga da realidade o apóstolo não pode ser acusado. É essa uma das formas mais comuns de recuperar a esperança: Não ouvir nada, não enxergar nada, simplesmente ignorar. Enquanto eu estiver bem que me interessa a desgraça dos outros? E uma atitude cínica esta, enganosa também, porque é ilusão supor que a tempestade, se geral, não vai atingir a minha casa. Não, o apóstolo não é cabeçudo, não é escapista, não precisa de drogas para se refugiar num paraíso imaginário. Ele é realista. É digno de registro ainda, que ele também não apela a um esforço sobre-humano, nem de si, nem de outros para, através de ação enérgica, reverter o quadro angustiante. O apóstolo está muito consciente da limitação humana. Ainda assim, ele diz: Por isto não desanimamos! Invejável essa postura. Em que se inspira?

Se olharmos mais de .perto este texto, vamos descobrir que é nada de extraordinário o que lhe dá forças. Paulo tão somente leva a sério que Deus ressuscita mortos. Ressuscitou a Jesus e também a nós ressuscitará. Assim ele o diz no versículo 14 que precede este trecho. Está aí a razão última de seu ânimo, está aí a raiz da esperança cristã em todos os tempos. Que significa isto na nossa situação?

Significa, se interpreto bem, acreditar que as possibilidades de Deus ultrapassam as humanas. Se nós estamos no fim, Deus ainda não está. Existe uma realidade além daquela que nos amedronta. Não precisamos prender-nos às aflições e frustrações. Pois existe alguém que nos conduz e impede que afundemos. O Evangelho lembra a promessa de Deus que abre caminhos mesmo em aparentes becos sem saída, sim mesmo diante da morte. Deus é capaz de fazer maravilhas, e Ele nos segura na mão, mesmo que o mundo sucumba. É preciso, diz o apóstolo, olhar não só para as coisas que se veem, que estão em evidência, mas também para aquelas que talvez não sejam tão visíveis assim — mas que também são realidade. Importa distinguir o temporário e o eterno.

Essa perspectiva para além dos nossos cativeiros é fundamental, animadora, salvífica. É o privilégio da fé. Dela temos necessidade. Sem Deus e sem o seu poder de ressurreição de fato estamos perdidos. Vai faltar força, vai nos faltar ética, vai nos faltar real esperança, mesmo que vivamos em exuberante prosperidade. A perspectiva aberta pela fé liberta do medo, capacita para superar frustrações, devolve confiança. Paulo diz: Mesmo que o nosso homem exterior se corrompa, ou seja, mesmo se sofremos fracasso, decepção, ruína de nossos projetos, sim, mesmo que experimentemos a morte, o nosso homem interior, ou seja a nossa fé, se renova. Importa temer e amar a Deus e confiar nele acima de todas as coisas.

Prezada comunidade! Coloquemos este XVIII Concílio Geral da IECLB sob este Por isto não desanimamos! A senha não exclui que necessitemos de sinais e motivos externos para o avivamento da esperança. Não! Somos chamados a cooperar no restabelecimento da paz na sociedade, na implantação da justiça e do bem estar em nosso país. Somos chamados a curar males, aliviar dores, diminuir sofrimento. Mas para o bom êxito dessa missão, para não desanimar diante da magnitude dos obstáculos precisamos da força de cima, da fé no Deus que nos fracos se torna forte, que converte morte em vida e cumpre sua promessa, a despeito do pecado humano. Roguemos a Deus para que tal fé nos seja dada. Que ela seja dada a todas as Igrejas cristãs, ao povo brasileiro, e que ele se torne operante para o bem de nosso país e de nossa gente, aumentando a glória de Deus na terra. Realizemos, neste espírito, o nosso Concílio. Amém.

Fonte: Tesouro em Vasos de Barro. Editora Otto Kuhr, Blumenau/SC