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Prédica: 2 Pedro 1.16-19 (20-21)
Autor: Martin Weingärtner
Data Litúrgica: Último Domingo após Epifania
Data da Pregação: 12/02/1984
Proclamar Libertação – Volume: IX


I — O texto

V.16 Pois não foi seguindo mitos engenhosos que revelamos a vocês o poder e a volta de nosso Senhor Jesus Cristo, mas porque nos tornamos testemunhas oculares de sua majestade.

V.17 Pois ele recebeu da parte de Deus, Pai, honra e glória pela tão singular voz proveniente da majestosa glória: O meu Filho amado é este, no qual me realizo.

V.18 E esta voz nós ouvimos vinda do céu, quando com ele estávamos no monte santo.

V.19 Assim temos mais confirmada a palavra profética e fazeis bem em segui-la como lâmpada que brilha em lugar tenebroso até que o dia irrompa e o sol nasça em vossos corações,

V.20 sabendo isto em primeiro lugar: toda a profecia da escritura não provém da interpretação pessoal (do profeta),

V.21 pois jamais profecia alguma emanou da vontade humana! Pelo contrário: movidos pelo Espírito Santo, homens falaram de Deus.

II — A meditação

Não somente nos tempos modernos, o anúncio do senhorio de Jesus Cristo foi questionado. Por toda a história da Igreja o Evangelho de Jesus esteve na mira de quem o rejeitasse. Já a presente pericope se debatia com a acusação de que o Evangelho é ideologia humana, mito engenhoso produzido pelo próprio homem. No nosso século foi Lênin quem formulou este questionamento do Evangelho, dizendo: Religião é o ópio do povo.

O apóstolo Pedro enfrenta tal tipo de acusação com uma argumentação dupla: A primeira encontramos nos vv. 16 -18 e a segunda, nos vv.19-21.

1. O senhorio de Jesus Cristo é realidade testemunhada. O testemunho ocular dos apóstolos o separa dos mitos e sonhos mirabolantes ao seu derredor. Os pregadores apostólicos foram pessoas arrebatadas pelo poder e pela vinda de Cristo. Nem Pedro nem Paulo se tornaram testemunhas cristãs por sua iniciativa própria! À margem do mar da Galiléia Pedro dissera a Jesus: Retira-te de mim, porque sou pecador! Também o apóstolo Paulo, por si mesmo, jamais teria deixado de ser perseguidor da igreja. Mas eles, bem como todos os demais apóstolos, foram conduzidos por Deus mesmo a testemunhar a majestade de Cristo. Sem esta revelação divina que lhes abriu os olhos (Atos 9.18!), tanto Pedro quanto Paulo teriam ficado onde estavam: um lavan¬do suas redes e o outro fazendo carreira (brilhante por sinal) como rabino.

Neste testemunho ocular, e somente nele, baseia-se o anúncio do senhorio de Jesus. Isto significa: o Evangelho não se baseia na aná¬lise da situação, e não é verificável por meio de nosso instrumentário de pesquisa histórica, nem explicável por nossas teorias sociológicas e filosóficas. Por isso, Paulo diz em 1 Co 2.1 ss: … não fiz (o anúncio do testemunho de Deus) com ostentação de linguagem, ou de sabedoria…, mas em fraqueza, temor e tremor. A minha palavra e a minha pregação não consistiram em linguagem persuasiva de sabedoria, mas em demonstração do Espírito e de poder, para que a vossa fé não se apoiasse em sabedoria humana; e sim, no poder de Deus.

Por isso, Pedro não contrapõe ao questionamento do senhorio de Jesus argumentos intelectuais, mas apenas o testemunho ocular. Nos vv. 17 e 18 ele alude à transfiguração que presenciou com dois outros discípulos (cf. Mt 17.1-8 e paralelos), exemplificando a revelação que testemunham. Esta é a base de toda a pregação cristã. Não temos outras garantias do que a palavra empenhada (2 Co 11.23-29!!) do testemunho apostólico.

2. Num segundo passo Pedro aponta para o Antigo Testamento em cuja palavra profética o testemunho apostólico se vê confirmado. E essa palavra profética confirma o testemunho apostólico, justamente por ela também não ser palavra oriunda do próprio homem, nem fruto do seu contexto social e histórico, mas por Deus mesmo ser a sua raiz e origem.

Esse modo de interpretar o Antigo Testamento como palavra que aponta para a revelação de Deus em Jesus é característico para o Novo Testamento todo: mais de 60 vezes o evangelista Mateus relaciona o evento de Jesus Cristo com o Antigo Testamento (como está escrito). Em Lc 24.13 ss., o Senhor ressurreto abre os olhos de seus discípulos discorrendo por todos os profetas (v.27) para explicar-lhes a necessidade de seu sofrimento. Em At 8.26ss, Felipe evangeliza o Eunuco, começando por esta passagem da Escritura ( = ls 53). Em 2 Tm 3.15 Paulo sintetiza este pensamento apostólico, afirmando que a Escritura (subentenda-se Antigo Testamento, pois o Novo ainda não existia como tal) pode tornar-te sábio para a salvação pela fé em Cristo Jesus. O v.19 expressa isto numa maravilhosa comparação: Pedro vê no Antigo Testamento uma lanterna que nos guia da escuridão para a luz do dia, isto é, para Jesus!

Diante dos questionamentos do mundo que nos cerca somos, pois, convidados a seguir a palavra apostólica e profética porque somente ela nos dá testemunho da verdade salvífica.

A nossa perícope nos urge, assim, a refletir em nossas comunidades a função da palavra bíblica na vida do cristão e na vida da comunidade. Importa entendermos o significado da palavra paulina toda a Escritura é inspirada por Deus (2 Tm 3.16). Todo cristão precisa adquirir clareza sobre a singularidade da Bíblia em meio à floresta de livros e revistas que nos cerca. Ê bem verdade que não podemos repetir a doutrina da inspiração verbal nos termos em que a ortodoxia luterana o fez. Ela tentou provar a inspiração racionalmente, procurando assim garantí-la com meios humanos. Por outro lado, o fato de desistirmos de fazer esta prova humana da inspiração da Escritura não significa que a Bíblica deva ser nivelada por baixo e igualada às demais obras literárias da Humanidade; beco este, muitas vezes trilhado na pesquisa histórico-crítica.

Tanto 1 Pe 1.21 quanto 2 Tm 3.16 falam da inspiração divina da Escritura referindo-se ao Antigo Testamento, visto que o cânone neotestamentário ainda se achava em formação. Aliás devo observar que a Escritura do Antigo Testamento, como a Igreja Primitiva a conhecia e usava no universo do Helenismo, era a Septuaginta (a tradução grega do Antigo Testamento), que incluía os apócrifos veterotestamentários, e não o cânone massorético.

Apesar de as afirmações bíblicas da inspiração divina da Escritura se referirem originalmente apenas ao Antigo Testamento, elas expressam o que vale igualmente para o Novo Testamento:

a) Na Bíblia homens falam, não por iniciativa própria, mas impulsionados pelo Deus que operou a redenção em Jesus Cristo. Os autores bíblicos não passam de moços de recados. Quem garante a sua mensagem não são eles mesmos, mas unicamente o próprio Deus!

b) Se o Espírito Santo levou os apóstolos a falar, também é ele somente quem nos faz entender o que disse. O acesso à Palavra de Deus nós o temos apenas, se nos for concedido. Não podemos arrombar a porta! Podemos apenas orar: Vem, Espírito Criador! O teólogo alemão Paul Schütz traduz o conceito inspiração assim: Na leitura da Bíblia nós nos defrontamos com um sujeito. Um sujeito de verdade, que não se deixa degradar a objeto; que, feito objeto — da pesquisa p. ex. — emudece. Pois este sujeito fala. Ele tem uma voz. Os textos da Bíblia são suas cordas vocais. Cordas vocais e voz não são a mesma coisa. Somente pelo sopro da voz as cordas vocais vibram. Sem o sopro as cordas vocais são apenas pele, e nada mais. Sem o sopro do Espírito a Bíblia poderá ser uma interessante curiosidade histórica e literária, mas jamais a palavra arrebatadora vinda da parte de Deus. Por isto, ao ouvir, ler e estudar a Bíblia, importa implorar pela dádiva do Espírito.

III — A situação

Lembro-me de ter lido, anos atrás, uma bombástica manchete em nosso Jornal Evangélico, que, referindo-se à nossa Igreja, falava da Igreja da Palavra. Atrevo-me a dizer que este slogan da Reforma não mais caracteriza a vivência real em nossos lares e comunidades, simplesmente porque fora do culto dominical a Bíblia desempenha uma função periférica e marginalizada na vida de um membro normal da IECLB. A proporção de leitores regulares da Bíblia em nosso meio é muito inferior ao que podemos observar nas demais igrejas evangélicas no Brasil.

Andei colecionando, no decorrerdes anos, algumas afirmações que sintetizam a reserva em relação à Bíblia, característica para muitos de nossos membros: Também a Bíblia é de papel. E, papel é paciente!, disse-me um velho colono. Uma senhora argumentou: Não leio a Bíblia, porque quem muito lê a Bíblia fica louco! Na Bíblia tem muita coisa que a gente não entende; então é melhor a gente não se meter!, disse-me outro senhor. Isto sem falar nos muitos que não a lêem porque não dispõem de tempo.

O que fazer?

Nosso texto nos ajuda a dizer o que é a Bíblia. Precisamos dizer com clareza que a Bíblia não é um livro entre outros, entre José Mauro de Vasconcelos e Jorge Amado, por exemplo. Urge adquirirmos certeza de que a Bíblia é um livro diferente: seus autores não faturaram direitos autorais, antes pagaram e, com a vida, por escreverem. Nela não são homens que falam, mas é Deus mesmo quem fala.

E basta falar da Bíblia numa prédica?

Tenho experimentado quão útil são pequenos auxílios para os que iniciam na leitura da Bíblia. Por exemplo: A centenas de pessoas em comunidades onde trabalhei, as ilustrações bíblicas do livro A Mais Bela História (Editora Paulinas) {oram de grande valia para compreender a leitura que faziam na Bíblia. Encontrei diversas pessoas que admitiram ter começado a compreender a Bíblia apenas depois de terem lido a Bíblia para Crianças (Editora Sinodal).
Não podemos ignorar que o vocabulário da tradução de Almeida excede em muito o vocabulário do leitor, inclusive do de razoável formação! Por isso, faz-se necessário oferecer outras versões como o Novo Testamento na Linguagem de Hoje, Salmos na Linguagem de Hoje (ambos da Sociedade Bíblica do Brasil) ou A Bíblia Viva (paráfrase editada pela Editora Mundo Cristão), bem como dicionários bíblicos (Dicionário Bíblico Universal, de Buckland, Editora Vida) para auxiliar o leitor.

Também devemos levar em conta que o Brasil não é uma nação dada à leitura. E, para quem nunca pegou num livro, até folhear a Bíblia é uma aventura! Quanto mais difícil é achar uma passagem. Por isso, não podemos deixar de mencionar o número da página, quando queremos que o principiante ache e acompanhe uma leitura em sua Bíblia. As porções bíblicas editadas pela Sociedade Bíblica também são de grande valia, por serem de manuseio mais fácil.

Uma grande ajuda para a leitura regular da Bíblia, são os Planos de Leitura Bíblica editados pela Editora Sinodal a cada ano, pois dão ao leitor um roteiro a seguir.

Por fim não devemos esquecer-nos de leitores futuros: Histórias Bíblicas para Colorir da Editora Sinodal, Vida de Jesus, Cadernos Bíblicos da Sociedade Bíblica do Brasil, são apenas alguns títulos da vasta literatura bíblica para a criançada.

Tudo isso deve estar ao alcance do ouvinte da pregação; por exemplo, numa mesa ou estante de livros junto à porta da igreja. Essa mesa não deveria desaparecer, ao final do culto. Sua simples presença em outras reuniões da comunidade é um convite visível para que o testemunho dos profetas e apóstolos encontre o lugar que lhe cabe em nossa vida pessoal e comunitária.

IV — Subsídios litúrgicos

1. Hinos: Do hinário Hinos do povo de Deus: 85, 115, 132 e 201.

2. Leitura do Evangelho: Mateus 17.1-8.

3. Testemunhos: Convide dois ou três membros que se tornaram leitores fiéis da Bíblia para compartilharem sucintamente com a comunidade, como a Bíblia ficou importante para eles.

4. Confissão de pecados: A oração inicial é a oração de confissão de culpa. Faça um balanço do papel da Bíblia em sua vida e na vida da comunidade. Não esconda suas fraquezas pessoais. Assim, poderá alguém outro sentir-se encorajado a admitir as suas também.

5. Oração de coleta: Na oração de coleta devemos implorar pela dádiva do Espirito, para que ele nos abra o acesso à Palavra divina.

6. Oração final: A oração final é de agradecimento e intercessão: agradeça pelo testemunho dos apóstolos: pelo agir do Espírito: pelas experiências com a Bíblia; pelos que difundem a palavra; interceda pelos que tomaram hoje o propósito de ler a Bíblia; pelos que não têm tempo para fazê-lo; para que os principiantes encontrem auxílio de irmãos experimentados na leitura da Bíblia; pelo agir continuado do Espírito.

V — Bibliografia

– BENGEL, J. A. Gnomon. Vol. 2. Basileia, 1890.
– HOLMER, U. Der erste Brief des Petrus. In: Wuppertater Studienbibel, Wuppertal, 1978
– SCHÜTZ, P. Auferstehung. Metzingen, 1966.