Com certa freqüência a Secretaria Geral e a Presidência são abordadas para esclarecer dúvidas quanto à prática do Batismo. A questão dos padrinhos e madrinhas pertencentes a outras denominações religiosas já foi assunto de Concílio Geral. Freqüentemente também é levantada a pergunta se crianças de pais que pouco ou nada participam na comunidade devem ser batizadas ou não. E recentemente, a partir de integrantes da Rede de Apoio à Missão, fui consultado no tocante à prática do rebatismo. O Conselho Diretor se preocupou com estas questões fundamentais de fé e de vida das comunidades da IECLB. Expressou a necessidade de uma palavra orientadora. Por isso dirijo-me aos irmãos e às irmãs por esta carta pastoral.
O guia “Nossa Fé – Nossa Vida”, que orienta a vida cristã nas comunidades da IECLB, dá ao “Presbitério com o pastor” (p. 26) a tarefa de decidir sobre a admissão ao Batismo. Por isso lhes dirijo esta carta. Compete-lhes admitir as pessoas ao Batismo. Sei que muitos Presbitérios preferem deixar esta decisão com o pastor ou a pastora. Afinal, assim dizem, ele/ela estudou para isso e deve saber quem pode receber o Batismo e quem não. Esta, porém, não é norma na Igreja. Nos estatutos das Comunidades consta expressamente que cabe ao Presbitério decidir sobre a admissão de membros à Comunidade. No caso de pessoas não batizadas, esta admissão acontece pelo batismo. Pelo batismo as pessoas são integradas na Comunidade – corpo de Cristo.
Todos nós sabemos o que o reformador Martim Lutero ensina a respeito no Catecismo Menor. Para ele – e para toda Igreja de confissão luterana – o Batismo é a ação fundamental de Deus sobre a pessoa humana: “Realiza o perdão dos pecados, livra da morte e do diabo, e dá a salvação eterna a todas as pessoas que crêem no que dizem as palavras e promessas de Deus.” Assim o Reformador o diz no Catecismo. E numa prédica ele descreve com palavras contundentes o significado do Batismo:
“Batizar uma pessoa é como jogar um grão na terra, quando se planta; ele é sepultado, isto é, tem que morrer e nascer uma planta nova. Assim nós somos plantados no Batismo com o Senhor Jesus Cristo; entramos pelo Batismo e no Batismo na sua morte e túmulo e passamos pela morte para uma vida eterna. E é este o resumo: Quem foi batizado não tem outra coisa a fazer do que ser enterrado. Pois apesar de que ainda estou no corpo, estou sempre sepultando-o,(…) de maneira que cada dia reduzo a gula, restrinjo o desejo e asfixio o egoísmo e morro para o mundo.(…) Assim eu preciso ser enterrado para o mundo, se quero viver com Deus. Este é o segredo.”
Conseguimos perceber a seriedade do Batismo? É por isso que não podemos permitir que se batize sem critério. O livrinho “Nossa Fé – Nossa Vida” nos oferece uma orientação simples e clara quanto ao que deve ser observado. É um material ótimo, que podemos consultar quando precisamos decidir sobre questões relacionadas com o Batismo. Mas, id a novas situações, nem sempre o “Nossa Fé – Nossa Vida” dá subsídios suficientes. Por isso quero comentar algumas perguntas relacionadas com a prática do Batismo que surgiram nos últimos tempos. Dessa forma, quero ajudá-los nas suas próprias reflexões com vistas a uma prática batismal coerente com a nossa identidade teológica.
1. Preparação adequada: Nas comunidades da IECLB há consenso de que pais, parentes, padrinhos e madrinhas devem ser preparados de maneira adequada com o estudo da doutrina, da Palavra de Deus e com oração, para realizar o Batismo de maneira responsável. Mesmo assim, ainda ouvimos de casos em que membros pessionam o Presbitério e o pastor para que realizem o Batismo sem tal preparo. As pessoas acham que isto é uma inovação desnecessária ou, pior, que já sabem o suficiente a respeito de Deus e do Batismo. Rogo-lhes que não se deixem intimidar por estas pressões. Valorizem os cursos de preparação do Batismo, pois, conscientizando-se da importância fundamental do Batismo, os membros também valorizarão a sua Comunidade.
2. A escolha dos padrinhos e das madrinhas: O livrinho “Nossa Fé – Nossa Vida” define a tarefa de padrinhos e madrinhas no sentido de “levar outros à vida de fé”. (pág. 24) Quem pode fazer isto? Somente uma pessoa que vive nesta fé e está integrada na Comunidade cristã. Este será o primeiro critério na escolha de padrinhos e madrinhas. E nesta escolha devemos dar preferência àquelas pessoas que convivem conosco na mesma Comunidade de fé.
No entanto, nos tempos atuais, quando famílias facilmente mudam de um lugar a outro, e os parentes moram distantes uns dos outros, os pais, muitas vezes, convidam padrinhos e madrinhas de outras Comunidades da IECLB. Neste caso, cabe ao Presbitério da Comunidade do batizando avaliar se as pessoas convidadas são aptas para esta tarefa. Isso pode ser feito através de uma consulta. Então, a Comunidade de origem atesta à Comunidade do batizando a participação na vida comunitária. É desejável, sim, quase obrigatório, que todos os padrinhos e madrinhas estejam presentes na celebração do Batismo. Mas onde, devido a distâncias muito grandes ou outras razões isso não é possível, o padrinho ou madrinha ausente pode participar com um voto por escrito. Este é lido por ocasião do culto, acompanhado pela carta de recomendação da sua Comunidade.
Muitas perguntas têm surgido quanto à admissão de padrinhos e madrinhas de outras Igrejas. Há os casamentos interconfessionais. As famílias hoje têm parentes e amigos que pertencem a outras Igrejas. Freqüentemente, os pais dos batizandos apresentam padrinhos e madrinhas de outra religião. Como já mencionei acima, esta questão foi assunto de deliberação em Concílio Geral. Concluiu-se que, como Igreja ecumênica, podemos aceitar padrinhos e madrinhas de outras Igrejas cristãs cuja prática e doutrina do Batismo são semelhantes à nossa. Basicamente, são as Igrejas que participam do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs (CONIC): a católica, a anglicana, a metodista, a ortodoxa e outras menores. É importante, porém, que estes padrinhos e madrinhas participem do curso de preparo em nossa Igreja. Afinal, esperamos que ensinem ao batizando a valorizar o seu Batismo na Igreja luterana – e que tragam uma recomendação de sua Comunidade de origem. Também é desejável que a metade dos padrinhos e madrinhas seja da IECLB.
A questão se torna problemática, quando os pais convidam pessoas declaradamente agnósticas, espíritas ou que não participam de nenhuma Igreja. Será responsável convocar estas pessoas para serem um exemplo de fé para a criança a ser batizada? Falta-lhes o essencial para esta tarefa: a fé e a convivência na Comunidade cristã. Com isto, não fazemos nenhum julgamento sobre estas pessoas. Pois, no Brasil, toda pessoa tem o direito de viver conforme a sua convicção. Se ela não tem a mesma fé como eu, não tenho direito algum de condená-la. Mas convidá-la para ser padrinho ou madrinha é outra questão. Pode ser amiga, tia, conselheira dos meus filhos, mas não madrinha ou padrinho.
Outro problema surge quando pais convidam pessoas que pertencem a Igrejas que condenam o Batismo infantil. Isto acontece especialmente nas Igrejas batistas e pentecostais. Estas Igrejas, por conseguinte, não conhecem nem aceitam o ofício de padrinho e madrinha. Como poderiam comprometer-se com o Batismo de uma criança, se o condenam? Pessoas que pertencem a uma Igreja que pratica somente o Batismo de pessoas adultas têm a obrigação de informar, quando convidadas a serem padrinho ou madrinha, que a sua convicção religiosa as impede de assumir esta tarefa. Certamente podem ser um bom exemplo de vida cristã. Também não há motivo de condenar a sua doutrina. A própria IECLB pratica tanto o Batismo de crianças quanto o de pessoas adultas. O problema, porém. reside na condenação do Batismo de crianças.
3. Quando se pode negar o Batismo? Recebo cartas de obreiros e presbíteros que perguntam: Se o pai é espírita, deve-se batizar a criança? Ou se os pais declaradamente não querem nada com a Igreja e negam a fé em Deus…? O “Nossa Fé – Nossa Vida” prevê a possibilidade de o Presbitério não admitir uma criança para o Batismo. O “Presbitério junto com o pastor” fará isto para evitar que este dom de Deus seja menosprezado. Quando o Batismo é menosprezado? Quando os pais não participam da Igreja, ou não sabem nem querem saber o que significa o Batismo, ou seguem outras crenças ou doutrinas, mas querem “batizar” a criança porque é costume, porque todos o fazem, ou até para mostrar que conseguem o Batismo sem participar da Comunidade. Sei que é muito difícil para um Presbitério tomar uma decisão em tal situação. Muitas vezes uma decisão dessas envolve relacionamentos pessoais e amizades. Por isso, muitos Presbitérios preferem empurra-la ao pastor ou à pastora. Isso não é correto. Conforme o ensino de Lutero no Catecismo, o que torna o Batismo efetivo “é a palavra de Deus unida à água e a fé que confia nesta palavra”. Portanto, é mau uso batizar uma criança sem ter a certeza de que ela vai crescer e viver na Comunidade cristã. A negação de um Batismo, entretanto, não deve ser a solução final. A Comunidade tem o dever missionário de procurar corrigir tais situações, buscando as pessoas para o seu meio e envolvendo-as com o amor cristão. Importa destacar que a Comunidade/Igreja que batiza crianças tem a obrigação de oferecer-lhes ensino cristão intensivo e qualificado. Por isso, devemos valorizar e priorizar o trabalho com crianças através do culto infantil, o ensino confirmatório e outras formas.
4. O Batismo pode ser repetido? Com muita preocupação tenho recebido informações de que em algumas Comunidades da IECLB aconteceram rebatismos. Para uma Igreja luterana, tal prática é inaceitável. A Confissão de Augsburgo, no seu artigo 9º, condena expre+ssamente os “anabatistas”, isto é, os que “batizam de novo”. O apóstolo Paulo, na carta aos Efesios (4.5) ensina: “Há um só Senhor, uma só fé, um só Batismo.” Batismo é ação de Deus, na qual a Comunidade e o seu ministério são apenas instrumentos e ferramentas que Deus usa. Cabe à ferramenta dizer que não valeu, que precisa fazer de novo? Nunca! Por isso, a IECLB reconhece todo Batismo realizado em nome do Trino Deus, e não rebatiza as pessoas que se integram na IECLB vindo de outra Igreja. Por conseguinte, quem assim mesmo pratica o rebatismo, se coloca confessionalmente fora da IECLB e agride a ecumenicidade da Igreja.
O nosso único Batismo é para toda a vida. Com ele inicia a nossa vida cristã. O Catecismo nos ensina que o Batismo significa que “por arrependimento diário, a velha pessoa em nós deve ser afogada e morrer com todos os pecados e maus desejos. E, por sua vez, deve sair e ressurgir diariamente nova pessoa, que viva em justiça e pureza diante de Deus para sempre.” Esta caminhada de arrependimento e renovação diária tem a sua origem no Batismo. Com o intuito de alimentar-nos nesta caminhada, Deus nos deu a Ceia do Senhor, o seu corpo e sangue. Por isso, em momentos de renovação, de reinícios na vida cristã, devemos procurar a Ceia do Senhor – e não um novo Batismo! A reta administração do Sacramento do Batismo também levará a uma reta administração do Sacramento do Altar.
5. E quanto à água no Batismo? Sei que diante de múltiplas religões que há ao nosso redor, membros são confrontados com doutrinas as mais diversas e, muitas vezes, não sabem posicionar-se. Há, p. ex., aquelas Igrejas que afirmam que somente o Batismo de imersão – quando a pessoa inteira é mergulhada na água – é válido. O Batismo de aspersão praticado na IECLB – que usa pouca água – não teria valor. A estes nós respondemos: Não é a quantidade da água que valoriza o Batismo, mas a palavra de Deus e a fé. A água é importante como sinal visível e sensível da ação de Deus na pessoa, mas não encontramos nenhum preceito no Novo Testamento que prescreve a quantidade que deve ser usada.
6. Batismo é festa comunitária: Com certa freqüência, Presbitérios e pastores/as são solicitados/as a realizarem Batismos em casas particulares, em família, ou em outras situações. É claro que há momentos que exigem tratamento e cuidados especiais. No entanto, importa preservar o que expliquei acima e que faz parte da nossa compreensão bíblica e teológica do Batismo: o instrumento que Deus usa no Batismo é a Comunidade e o seu ministério. Por isso, na IECLB insistimos em que os Batismos sempre aconteçam em culto da Comunidade. Pois a Comunidade reunida em culto expressa a sua alegria e a gratidão diante de Deus que, através do Batismo, integra mais um membro na sua Igreja e a compromete a acompanhá-lo na sua vida.
7. O Batismo e o Espírito Santo: Neste contexto quero apontar para outro fenômeno que atualmente preocupa a Igreja. Em algumas Comunidades surgiram manifestações que vão em direção do assim chamado Batismo do Espírito Santo como o certo. Este Batismo do e pelo Espírito Santo é apresentado como acontecimento que de fato faz a pessoa ser cristã. Diz-se que somente quem tem este Batismo do Espírito Santo é verdadeiramente cristão. Com isto, logicamente, se desvaloriza o Batismo com água, pois seria insuficiente, precisando de complementação.
Quanto a esta questão, a Igreja luterana sempre confessou que o Espírito Santo é concedido no Batismo, através da imposição das mãos. Não existe, portanto, uma separação entre o Batismo com água e o Batismo do Espírito Santo. Há boa fundamentação para esta doutrina, por exemplo em João 3.5: “Ninguém pode entrar no Reino de Deus se não nascer da água e do Espírito.” Este texto fala do Batismo. Ele mantém a água e o Espírito juntos. E mais uma vez lembro o Catecismo, onde Lutero ensina: “Mas com a palavra de Deus, a água é Batismo, isto é, água de vida, cheia de graça e um lavar de renascimento no Espírito Santo.” Todas as pessoas batizadas recebem o Espírito Santo, e ele age nelas pela pregação da palavra de Deus e pela administração dos sacramentos.
Portanto, não precisamos nos preocupar quando se afirma de que precisamos de algo mais além do Batismo para sermos cristãos. Pois quem honra o seu Batismo e vive o que Lutero ensinou, isto é, em arrependimento diário, pode confiar na graça de Deus.
O próprio Lutero, em momentos de tribulação, encontrava ânimo e consolo no seu Batismo. A frase escrita sobre a sua escrivaninha, Baptizatus sum, lembrava-o constantemente desse ato gracioso de Deus. Enquanto caminhamos em direção à virada do milênio, certamente aumentarão ao nosso redor movimentos religiosos, propostas e filosofias de vida, seitas, doutrinas e ensinamentos diversos. Importa permanecermos firmes na fé de confissão luterana e não nos deixarmos levar “por todo vento de doutrina” (Efésios 4,14). Nesse sentido, convido e animo a todos e todas a também buscarmos força, orientação e resistência na ação misericordiosa de Deus que em Jesus Cristo nos acolheu, aceitou incondicionalmente no santo batismo e nos envia para testemunharmos “as virtudes daquele que nos chamou das trevas para sua maravilhosa luz”…. (Tim. 3.14)
Assim, pois, concluo colocando-nos sob a palavra do apóstolo a seu amigo e companheiro no discipulado Timóteo: “Tu, porém, permanece naquilo que aprendeste e de que foste inteirado, sabendo quem o aprendeste, e que desde a infância sabes as sagradas letras que podem te tornar sábio para a salvação em Cristo Jesus.” 2 Tim 3.14-15.
Porto Alegre, 18 de agosto de 1997
Huberto Kirchheim
Pastor Presidente